Sesc Pompeia abre exposição "Vkhutemas o Futuro em Construção"

Alexandre Nunis
Ainda pouco conhecida no Brasil, escola soviética de arte e design existiu entre 1918 e 1930 e foi fechada pelo regime stalinista a partir de então, sempre ligada às vanguardas estéticas do período. Mostra fica em cartaz até 30 de setembro nas Oficinas de Criatividade da instituição.

O Sesc Pompeia abriu, no final de junho, a exposição “Vkhutemas: O futuro em construção (1918 – 2018)”.

Com curadoria dos pesquisadores brasileiros Celso Lima e Neide Jallageas, a mostra reúne pela primeira vez nas Américas cerca de 300 projetos desenvolvidos na escola soviética de artes Vkhutemas especialmente recriados para a exposição, que fica em cartaz até 30 de setembro nas Oficinas de Criatividade da unidade. 

A exposição se afasta de uma proposta museológica, ou seja, da apresentação de obras originais. Nossa intenção era realizar um resgate histórico da Vkhutemas com a reconstrução material dos acervos produzidos em suas faculdades de ofícios e promover uma ampla discussão sobre as pedagogias e os processos da escola, que revolucionaram as artes e o design modernos e até hoje reverberam nas mesas de criação por todo o mundo”, afirma Lima.

Entre os autores, estão 75 artistas, designers e arquitetos. “Oferecemos ao público uma seleção sintética da produção de grandes mestres, com destaque para Ródtchenko, Tátlin, Maliévitch, El Lissítzki, Zaliésskaia, Komaróva, Popova e Stepánova”, explica Neide Jallageas. 

Pensamento estético libertário

Inaugurada em 1918 em Moscou, a universidade Vkhutemas esteve alinhada à vanguarda do pensamento estético do começo do século 20, sobretudo às correntes futuristas, suprematistas e construtivistas.

Seguindo os ideais de liberdade propostos pela revolução de outubro de 1917, a Vkhutemas foi criada como um centro de experimentações, defendendo o uso da arte como instrumento educativo e de transformação social.

Em seu arrojado modelo de escola de artes e ofícios – que se distanciava dos processos distintos das chamadas “belas artes” –, a aprendizagem estava diretamente vinculada à invenção de um mundo novo, de uma sociedade diferente.

Suas novas práticas pedagógicas se equilibravam entre atitude estética e postura política e visavam a democratizar o ensino, combater o analfabetismo e promover a emancipação feminina.

Após o  abrupto fechamento da escola nos anos 1930, a maior parte dos registros históricos e ações desenvolvidas pela instituição foram destruídos ou se perderam, mas a escola alemã Bauhaus teve em seu corpo docente muitos dos mestres que saíram da instituição soviética e um programa de ensino originário dos russos- que também inspirou a concepção do Museu de Arte Moderna de Nova Iorque (MoMA) e as Oficinas de Criatividade do Sesc Pompeia, projeto arquitetônico e conceitual concebido por Lina Bo Bardi.

“As vastas e inéditas experiências realizadas dentro da escola, desde a criação de novas pedagogias até um pensar original para o desenho de objeto e consumo, ecoam por todo o mundo”, diz Celso Lima.

Porcelanas, azulejos e desenho gráfico

Um dos destaques da mostra são as peças de porcelana criadas por Kazimir Maliévitch e seus discípulos Iliá Tcháchnik e Nikolai Suiétin entre 1923 e 1924.

São pratos e conjuntos completos de chá com motivos suprematistas desenhados para a Fábrica Estatal de Porcelana de Petrogrado.

Há também alguns mobiliários, como mesas transformáveis, lavabo modular, poltronas reguláveis e móveis escolares - projetos que trazem propostas de sustentabilidade. 

Na área de azulejaria, projetos desenvolvidos em uma proposta interdisciplinar entre alunos da Faculdade de Madeira e Metal em intercâmbio com a Faculdade de Cerâmica, compõe outra inovação pedagógica da escola.

O resultado vai desde um imenso mural, o "Frota Aérea", para uma casa de banhos em Moscou, até um piso projetado para hidráulicos. Na exposição, estes materiais foram reconstruídos como maquetes em madeira e papel.

O público também poderá conferir a produção da escola em design gráfico, com três colunas cobertas por lambe-lambes - cartazes para o filme "Outubro", de Seguêi

Eisenstein e "Terra" de Aleksandr Dovjenko; miolos e capa da revistaLEF (Frente Esquerda das Artes), editada por Vladímir Maiakóvski e com design de Ródtchenko; capas de livro, como o da Faculdade de Arquitetura dos Vkhutemas, desenhada por Lasar (El) Lissítzki; capas da Revista CA (Arquitetura Contemporânea), com riquíssimo conteúdo teórico e técnico, desenhos de projetos e discussões acaloradas.

Têxtil soviético recriado e arquitetura

O espaço aéreo das Oficinas de Criação será ocupado por bandeiras de estamparia de Liubóv Popova e Varvára Stepanova.

O design destes materiais foi considerado inovador no mundo todo, com desenhos abstratos geométricos e temas construtivos que trazem toda a utopia revolucionária representada em estampas de máquinas, trabalhadores, atletas, indústrias, agricultores e mulheres.

As artes foram restauradas e impressas sobre lona de algodão pelo método do "pochoir", utilizado no inicio dos anos 1920 nas indústrias têxteis soviéticas. 

Nos anos 1920, o vestuário ganhou um ar mais prático. Pensando nas novas necessidades do mundo do trabalho, Ródtchenko desenvolveu um macacão amplo com grandes bolsos no torso e no quadril.

A vestimenta teve como base um croqui de Várvara Stepanova e não tinham gênero, adequada tanto para corpos masculinos, como femininos.

Arquitetura

Nos anos 1920, a Vkhutemas revolucionou também na área de arquitetura, formando cerca de 30 mulheres neste curso. Algumas delas se tornaram profissionais reconhecidas no mundo inteiro.

Neste setor, a mostra apresentará maquetes reconstruídas por designers paulistanos baseadas em projetos de Lidia Komárova, que elaborou o projeto do Komintern, complexo administrativo cujo prédio principal traz uma monumental construção espacial em anéis circulares maciços.

Outra arquiteta cuja obra ganhará foco na mostra é Liubóv Zaliésskaia, que se dedicou a novos desenhos para o espaço público, tornando-se referência em paisagismo com o projeto do Parque Górki e uma proposta construtivista para residências comunais nos países soviéticos da Ásia Central. 

A famosa Torre de Tátlin, projeto monumental elaborado em 1919, mas que nunca saiu do papel, ganha no Sesc uma versão de 2,5 m feita em alumínio.

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