O Sesc Pompeia abriu, no final de junho, a exposição “Vkhutemas: O futuro em construção (1918 – 2018)”.
Com curadoria dos pesquisadores brasileiros Celso Lima e Neide Jallageas, a mostra reúne pela primeira vez nas Américas cerca de 300 projetos desenvolvidos na escola soviética de artes Vkhutemas especialmente recriados para a exposição, que fica em cartaz até 30 de setembro nas Oficinas de Criatividade da unidade.
“A exposição se afasta de uma proposta museológica, ou seja, da apresentação de obras originais. Nossa intenção era realizar um resgate histórico da Vkhutemas com a reconstrução material dos acervos produzidos em suas faculdades de ofícios e promover uma ampla discussão sobre as pedagogias e os processos da escola, que revolucionaram as artes e o design modernos e até hoje reverberam nas mesas de criação por todo o mundo”, afirma Lima.
Entre os autores, estão 75 artistas, designers e arquitetos. “Oferecemos ao público uma seleção sintética da produção de grandes mestres, com destaque para Ródtchenko, Tátlin, Maliévitch, El Lissítzki, Zaliésskaia, Komaróva, Popova e Stepánova”, explica Neide Jallageas.
Pensamento estético libertário
Inaugurada em 1918 em Moscou, a universidade Vkhutemas esteve alinhada à vanguarda do pensamento estético do começo do século 20, sobretudo às correntes futuristas, suprematistas e construtivistas.
Seguindo os ideais de liberdade propostos pela revolução de outubro de 1917, a Vkhutemas foi criada como um centro de experimentações, defendendo o uso da arte como instrumento educativo e de transformação social.
Em seu arrojado modelo de escola de artes e ofícios – que se distanciava dos processos distintos das chamadas “belas artes” –, a aprendizagem estava diretamente vinculada à invenção de um mundo novo, de uma sociedade diferente.
Suas novas práticas pedagógicas se equilibravam entre atitude estética e postura política e visavam a democratizar o ensino, combater o analfabetismo e promover a emancipação feminina.
Após o abrupto fechamento da escola nos anos 1930, a maior parte dos registros históricos e ações desenvolvidas pela instituição foram destruídos ou se perderam, mas a escola alemã Bauhaus teve em seu corpo docente muitos dos mestres que saíram da instituição soviética e um programa de ensino originário dos russos- que também inspirou a concepção do Museu de Arte Moderna de Nova Iorque (MoMA) e as Oficinas de Criatividade do Sesc Pompeia, projeto arquitetônico e conceitual concebido por Lina Bo Bardi.
“As vastas e inéditas experiências realizadas dentro da escola, desde a criação de novas pedagogias até um pensar original para o desenho de objeto e consumo, ecoam por todo o mundo”, diz Celso Lima.
Porcelanas, azulejos e desenho gráfico
Um dos destaques da mostra são as peças de porcelana criadas por Kazimir Maliévitch e seus discípulos Iliá Tcháchnik e Nikolai Suiétin entre 1923 e 1924.
São pratos e conjuntos completos de chá com motivos suprematistas desenhados para a Fábrica Estatal de Porcelana de Petrogrado.
Há também alguns mobiliários, como mesas transformáveis, lavabo modular, poltronas reguláveis e móveis escolares - projetos que trazem propostas de sustentabilidade.
Na área de azulejaria, projetos desenvolvidos em uma proposta interdisciplinar entre alunos da Faculdade de Madeira e Metal em intercâmbio com a Faculdade de Cerâmica, compõe outra inovação pedagógica da escola.
O resultado vai desde um imenso mural, o "Frota Aérea", para uma casa de banhos em Moscou, até um piso projetado para hidráulicos. Na exposição, estes materiais foram reconstruídos como maquetes em madeira e papel.
O público também poderá conferir a produção da escola em design gráfico, com três colunas cobertas por lambe-lambes - cartazes para o filme "Outubro", de Seguêi
Eisenstein e "Terra" de Aleksandr Dovjenko; miolos e capa da revistaLEF (Frente Esquerda das Artes), editada por Vladímir Maiakóvski e com design de Ródtchenko; capas de livro, como o da Faculdade de Arquitetura dos Vkhutemas, desenhada por Lasar (El) Lissítzki; capas da Revista CA (Arquitetura Contemporânea), com riquíssimo conteúdo teórico e técnico, desenhos de projetos e discussões acaloradas.
Têxtil soviético recriado e arquitetura
O espaço aéreo das Oficinas de Criação será ocupado por bandeiras de estamparia de Liubóv Popova e Varvára Stepanova.
O design destes materiais foi considerado inovador no mundo todo, com desenhos abstratos geométricos e temas construtivos que trazem toda a utopia revolucionária representada em estampas de máquinas, trabalhadores, atletas, indústrias, agricultores e mulheres.
As artes foram restauradas e impressas sobre lona de algodão pelo método do "pochoir", utilizado no inicio dos anos 1920 nas indústrias têxteis soviéticas.
Nos anos 1920, o vestuário ganhou um ar mais prático. Pensando nas novas necessidades do mundo do trabalho, Ródtchenko desenvolveu um macacão amplo com grandes bolsos no torso e no quadril.
A vestimenta teve como base um croqui de Várvara Stepanova e não tinham gênero, adequada tanto para corpos masculinos, como femininos.
Arquitetura
Nos anos 1920, a Vkhutemas revolucionou também na área de arquitetura, formando cerca de 30 mulheres neste curso. Algumas delas se tornaram profissionais reconhecidas no mundo inteiro.
Neste setor, a mostra apresentará maquetes reconstruídas por designers paulistanos baseadas em projetos de Lidia Komárova, que elaborou o projeto do Komintern, complexo administrativo cujo prédio principal traz uma monumental construção espacial em anéis circulares maciços.
Outra arquiteta cuja obra ganhará foco na mostra é Liubóv Zaliésskaia, que se dedicou a novos desenhos para o espaço público, tornando-se referência em paisagismo com o projeto do Parque Górki e uma proposta construtivista para residências comunais nos países soviéticos da Ásia Central.
A famosa Torre de Tátlin, projeto monumental elaborado em 1919, mas que nunca saiu do papel, ganha no Sesc uma versão de 2,5 m feita em alumínio.
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