Por que os russos não deixam Gricha Perelman, o gênio da matemática, em paz?

Perelman em 1993, aos 27 anos

Perelman em 1993, aos 27 anos

George M. Bergman (CC BY-SA 4.0)
Somente na Rússia um gênio da matemática pode se tornar herói nacional. Os russos têm imenso respeito por Grigóri Perelman, que mora no distrito de Kuptchino, em São Petersburgo. Mas, mesmo assim, não conseguem honrar seu simples pedido — deixem-no em paz.

“Comeram-se sanduíches e bolos, teve chuva e música, o enorme perfil pintado por Sasha Brazgina foi levado pelo vento, a densa cortina das janelas frente à multidão exultante não se mexeu”, escreveu um internauta em 13 de junho de 2016.

Este dia foi o 50º aniversário de Gricha Perelman, o matemático russo que provou a Conjectura de Poincaré, mas ainda assim recusou um prêmio de um milhão de dólares da fundação norte-americana Clay Mathematics Institute. Nem mesmo o concerto de música clássica realizado sob as janelas de seu apartamento e um retrato seu de grande dimensão – ambos organizados por seus fãs russos — fizeram com que Perelman ressurgisse.

Perelman quando estudante

Cinco anos antes, em 2011, correspondentes do jornal Komsomolskaya Pravda flagraram Gricha na rua enquanto ele caminhava com a mãe em um jardim público. Em resposta a uma pergunta sobre que presente gostaria para comemorar seu aniversário de 45 anos, o matemático respondeu: “Gostaria muito que os jornalistas parassem de me incomodar”. No entanto, cada ida ao mercado continua a ser uma provação, e as cartas são retiradas da sua caixa de correio pelos vizinhos porque fica constantemente lotada.

“Gricha, eu quero filhos com você”

Não adianta sequer tentar entrevistar Perelman, embora os paparazzi russos continuem insistindo — seja enquanto o matemático caminha na rua ou frequenta o supermercado. Seus fãs também já chegaram a invadir o mesmo apartamento onde moram Grigóri e sua mãe, Lubov Leibovna.

Segundo declarações de um dos ex-professores de Perelman ao jornal Komsomolskaya Pravda, “quando a TV mostra uma moça grosseira que coloca flores na porta de seu apartamento e grita: ‘Gricha, quero um filho com você, ele será tão lindo quanto a mãe e inteligente como o pai’, isso causa apenas profunda irritação no matemático”.

Perelman também tem o apreço de pessoas do governo. Em seu aniversário, o matemático recebeu parabéns das autoridades municipais de São Petersburgo. Invariavelmente, porém, recusa educadamente todas os convites para participar de quaisquer eventos oficiais, programas de TV ou discussões científicas, bem como para dar palestras etc.

Fato é que Perelman demitiu-se de todos os cargos científicos e acadêmicos oficiais, não aceita ofertas de emprego e recusou tornar-se membro da Academia Russa de Ciências – uma honra pela qual muitos acadêmicos e cientistas russos costumam esperar anos. Mas por que esse comportamento?

“Eu não gosto das decisões deles”

Gricha Perelman em São Petersburgo

Em 2006, Gricha Perelman recusou a Medalha Fields, uma espécie de “Nobel” da matemática recebido após comprovar a Conjectura de Poincaré. Mas esta não foi a sua primeira recusa de prêmios importantes. De acordo com o matemático russo Viktor Bukhchtaber, em entrevista em 1996 ao jornal Troitsky Variant, Perelman recebeu o prêmio da Sociedade Matemática Europeia para jovens matemáticos e também o recusou. Já em 2010, a fundação Clay Mathematical Institute concedeu a Perelman um prêmio de um milhão de dólares – novamente pela comprovação da Conjectura de Poincaré – e Perelman mais uma vez descartou o dinheiro.

A razão para as recusas é a mesma – o desacordo de Gricha com a posição da comunidade matemática internacional. Os jornalistas, muitas vezes, tentam apresentar a posição do matemático como tentativas vãs de atrair a atenção da imprensa. Mas os professores escolares de Perelman chegaram a confessar coisas como: “Lembro que ele não queria se juntar aos Pioneiros. Ele dizia: não gosto do uniforme, das saudações do pioneiro e tudo mais”.

A recusa de Perelman em receber os principais prêmios mundiais de matemática não é apenas um capricho de gênio, mas uma relutância geral em aceitar títulos – porque isso significaria apoiar as posições e os elogios das instituições que os concederam. E Perelman não está disposto a isso.

Em uma de suas raras entrevistas, o matemático explicou em detalhes o porquê de sua rejeição à Medalha Fields e ao prêmio do Clay Institute. “O principal motivo é meu desacordo com a comunidade matemática organizada. Não gosto de suas decisões, acho que são injustas”, afirmou.

Isso porque, em 2006, houve um escândalo envolvendo o matemático chinês Shing-Tung Yau, que tentou tirar os louros de Perelman alegando ter sido ele, Yau, o responsável pela “prova completa” da Conjectura de Poincaré. Mais tarde, Yau retirou a afirmação, mas a atenção da comunidade matemática global a esta alegação vazia deixou Perelman desdenhoso.

Richard S. Hamilton em Berkeley, Califórnia em 1982

“Aquelas pessoas que rompem os padrões éticos não são vistas como alienígenas”, disse ele à revista New Yorker em 2006. “[Mas, sim,] pessoas como eu que estão isoladas. É claro que existem muitos matemáticos que são mais ou menos honestos. Mas quase todos são conformistas. São mais ou menos honestos, mas toleram aqueles que não são honestos.”

Perelman acredita que o prêmio do Clay Institute, por exemplo, deveria ter sido igualmente entregue ao matemático norte-americano Richard Hamilton porque sua pesquisa levou Perelman à ideia de provar a Conjectura de Poincaré usando o Fluxo de Ricci. O reconhecimento de Perelman das realizações de Hamilton é um raro exemplo de gentileza científica, mesmo porque, inicialmente, Hamilton não acreditou que Perelman tivesse provado a Conjectura e, além disso, havia colaborado com Shing-Tung Yau.

“Perelman não é solitário”

A última onda de interesse público por Perelman ocorreu em 2016, por ocasião do seu 50º aniversário. Mas o matemático se recusou a sair de seu apartamento para receber cumprimentos nem sequer olhou pela janela.

Muitos dos colegas e compatriotas de Gricha ficam perplexos por ele ter recusado prêmios em dinheiro e ter regressado dos Estados Unidos para a Rússia. No entanto, muitos compreendem que a fama, as entrevistas e as aparições públicas distraem seu trabalho científico.

“Perelman não é solitário! Ele é uma pessoa individualista; embora não viva no vácuo. Perelman é um cientista que percebe excepcionalmente bem as ideias e a influência de diferentes pessoas”, explica Mikhail Gromov, um dos principais matemáticos da Rússia. 

“Grigóri vive em uma esfera muito fechada”, diz Victor Bukhchtaber. “Ele provou seu valor e entrou para a história da ciência. Mas daqui para frente é preciso deixá-lo viver sua vida.”

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