Por que a Sibéria está esquentando mais rápido do que qualquer outro lugar do planeta?

Ciência e Tecnologia
EKATERINA SINELSCHIKOVA
Efeito cumulativo de fatores diversos está provocando transformações imprevisíveis no cenário de algumas regiões mais frias da Terra. E esse pode ser só começo.

“Inverno cereja” é como os meteorologistas russos apelidaram a última estação “fria”. Isso porque, quando a temperatura no inverno ultrapassa a norma climatológica, ela é marcada no mapa em vermelho escuro, lembrando a fruta.

No entanto, os recordes de temperatura na Rússia são agora notícias comuns. O mais recente ocorreu em 20 de junho passado, quando o meteorologista francês Etienne Kapikyan registrou 38ºС em Verkhoiansk, na Sibéria, a cidade mais fria da Terra. Esta foi a temperatura mais alta já registrada dentro do Círculo Polar Ártico.

Temperaturas anormalmente altas tomaram a Sibéria Ocidental desde janeiro de 2020, com o mês de maio mais quente já registrado na região. Em outros lugares da Rússia, vendedores de casaco de peles e donos de estações de esqui também calculam perdas.

Os cientistas relatam que a Rússia, dos quais dois terços é coberta por permafrost, está esquentando mais rápido do que qualquer outro lugar do planeta.

Por que a Sibéria está tão quente?

Existem vários fatores, e o que estamos observando agora é um efeito cumulativo.

Conforme explica Aleksandr Kislov, doutor em ciências geográficas, o clima na Rússia, assim como na Europa, depende do comportamento de dois vórtices – um (anticiclone) está localizado nos Açores no Atlântico; e o outro (ciclone), na região da Islândia. Acontece que a intensidade desses vórtices tende a variar de forma síncrona.  Quando ambos se agitam, “eles fazem com que um fluxo enorme de ar quente e úmido” se mova pelo continente. No inverno passado, os vórtices foram especialmente fortes.

Pável Konstantinov, professor sênior do Departamento de Meteorologia e Climatologia da Universidade Estatal de Moscou, explicou ao Russia Beyond que o inverno quente na Rússia é uma consequência da distribuição de pressão no hemisfério Norte em 2020. Segundo Konstantinov, seria errado considerar a atual anomalia como um resultado direto do aquecimento global. “Isso não significa que todos os invernos subsequentes serão assim. Não é a nova norma”, acredita Konstantinov.

O que não se pode contestar é que o inverno anormalmente quente levou a uma primavera seca e a baixos níveis de umidade nas camadas superficiais do solo em muitas áreas – o que pode levar a incêndios florestais mais expressivos na Sibéria. No final do verão do ano passado, as queimadas tomaram 2,5 milhões de hectares e, neste ano, segundo o “Washington Post”, mais de 600 mil hectares de floresta já foram queimados.

As mudanças climáticas são particularmente aparentes na região do Ártico. “O Ártico está esquentando como um todo, enquanto na Sibéria as mudanças não são uniformes”, acrescentou Konstantinov. “Mas o aquecimento do Ártico e da Sibéria não está diretamente relacionado. Está ficando mais quente no Ártico por causa da maior latitude.”

No geral, a Rússia está aquecendo cerca de 2,5 vezes mais que a média global, segundo Andrei Kiselev, pesquisador principal do Observatório Geofísico de Voeikov. “Isso se deve a características geográficas: vivemos em um cinturão único no qual a área terrestre excede significativamente a superfície coberta por água. O oceano, como enorme acumulador de calor, pode neutralizar o impacto das condições em transformação, mas o solo tem uma capacidade térmica completamente diferente”, explica Kiselev.

E isso tem consequências.

O que esperar do futuro?

“Ao longo de minha longa carreira como especialista, nunca vi lagartas tão grandes e com crescimento tão rápido”, diz Vladímir Soldatov, diretor do Centro de Proteção Florestal no Território de Krasnoiarsk. Soldatov se refere especificamente ao bicho-da-seda siberiano, que se alimenta de agulhas botões, e cascas de árvores e, em condições quentes, pode atingir dimensões consideráveis.

Mariposas enormes podem surpreender e até encantar entomologistas, mas esta não é a questão: as lagartas destroem as florestas e as tornam ainda mais vulneráveis ao fogo. Neste ano, o bicho-da-seda foi avistado 150 km ao norte de seu habitat e acredita-se que já tenha causado a extinção de mais de 120.000 árvores.

Outro problema significativo são os desastres antropogênicos, como o que ocorreu em Norilsk, em junho deste ano. De acordo com uma versão dos fatos, as mudanças climáticas teriam causado a corrosão do fundo do tanque de armazenamento, resultando no derramamento de mais de 20 toneladas de óleo.

Segundo Gueórgui Safonov, diretor do Centro de Economia Ambiental e de Recursos Naturais da Escola Superior de Economia de Moscou, mais de 5.000 derramamentos de óleo ocorrem todos os anos em áreas de permafrost devido a incidentes com oleodutos. Além disso, toda a infraestrutura nas regiões norte da Rússia está decaindo devido à umidade e condensação nas paredes; edifícios novos viram ruínas após apenas 7-9 anos.

Paralelamente, os chamados “incêndios zumbis” – que sobrevivem no subsolo durante o inverno, mesmo sob camada de neve, e podem ressurgir na primavera seguinte – no Ártico estão cada vez mais começando a preocupar os cientistas. “Este ano houve um número incomumente grande de incêndios de turfa no inverno”, observa Grigóri Kuksin, líder da equipe de combate a incêndios do Greenpeace na Rússia.

O fenômeno, que está longe de ser novo e vem sendo observado anualmente em algumas regiões da Rússia, tem agora peculiaridades, explica Konstantinov. “Nos anos 1970, os solos tipo turfeira de Moscou ardiam em segredo, o que tornava a neve do inverno negra. Todos nós vimos”, diz. Ou, por exemplo, em 2010, quando toda Moscou ficou envolta em fumaça devido à queima de turfa. Mas os incêndios desse tipo estão se arrastando para o norte, em regiões onde são atípicos. “Tais incêndios não são característicos para o Ártico, mas também começaram a aparecer por lá”, destaca o especialista.

LEIA TAMBÉM: O que pode acontecer se o permafrost derreter?