An-225, o transatlântico voador que passou de megaprojeto do “Guinness” a elefante branco

Ciência e Tecnologia
EKATERINA SINELSCHIKOVA
Além de transportar cargas pesadíssimas, veículo quase se tornou um grande cruzeiro aéreo, com direito a cassino, restaurantes e free shops.

A envergadura deste avião é do tamanho de um campo de futebol, e sua altura é a mesma de um prédio de cinco andares. Você deve estar se perguntando por que alguém precisaria de um avião assim colossal e como ele era capaz de voar de aeroporto em aeroporto? Mas fato é que a União Soviética amava grandes projetos. A aeronave recebeu o número An-225, e o nome de Mria (‘Sonho’, em ucraniano).

Era 1975. A ideia de criar um avião gigantesco guardava dois objetivos. Em primeiro lugar, a URSS queria ter uma aeronave que transportasse seus ônibus espaciais do local de produção para a base de lançamento. Mesmo porque, segundo cálculos da época, sua montagem em um cosmódromo seria mais cara do que fabricar um cosmódromo voador. Em segundo lugar, a aeronave deveria ser usada como primeiro estágio de um veículo lançador – para lançamentos aéreos de naves espaciais.

O Mria fazia parte do programa Enérguia-Buran, o sistema de transporte espacial soviético semelhante ao projeto do ônibus espacial dos EUA. Além do mais, a ideia era que o novo avião levasse o ônibus especial Buran “nas costas”.

O Mria vazio pesava 250 toneladas e tinha peso máximo de decolagem de 640 toneladas.

Na época, o projeto era classificado como “secreto”, mas, de acordo com as memórias de seu projetista-chefe Anatôli Vovnianko, “centenas de milhares de cientistas, projetistas, engenheiros, militares, pilotos, e outros especialistas estiveram envolvidos direta ou indiretamente” em sua implementação. E não foi fácil: os prazos eram apertados, e as peças eram produzidas em fábricas por todo o país.

Como resultado, o Mria realizou seu voo inaugural do Cosmódromo de Baikonur em 1989, levando consigo o ônibus espacial Buran, com mais de 60 toneladas.

No mesmo ano, o avião participou do Show Aéreo de Paris e causou sensação. A criação dos engenheiros soviéticos era, de fato, a aeronave de carga mais pesada já levada aos céus. Mria foi demonstrado em shows aéreos no Canadá, entre outros países.

Após a divulgação internacional, os desenvolvedores começaram a receber encomendas de todos os tipos. Um empresário estrangeiro (cujo nome não foi divulgado) queria transformar o Mria em um ‘transatlântico aéreo VIP’ – com cabines para empresários e noivos, salas confortáveis, free shops, restaurantes e cassino.

Uma aeronave desse tipo poderia ter sido usada na rota Sidney-Londres-Tóquio-Sydney. “Até pensei na época que seria muito fácil preparar a manutenção da aeronave e garantir um período de revisão razoável, já que os voos seriam de longo curso, e a carga útil, pequena”, lembra Vovnianko. 

Todos os outros testes também foram bem-sucedidos. O Mria teria um grande futuro pela frente se não fosse o colapso da URSS, em 1991. O programa Enérguia-Buran foi encerrado, e todo os trabalhos adicionais relacionados ao Mria, interrompidos. A Ucrânia, onde a aeronave foi originalmente projetada e estava baseada, a “herdou”.

A Ucrânia acabou ficando com uma aeronave construída e outra parcialmente pronta. Mas Kiev também não conseguiu alocar os recursos financeiros para manter o projeto e começou a desmontar o Mria para utilizar suas peças como reposição.

A situação mudou nos anos 2000, quando começaram a surgir pedidos comerciais de transporte de cargas superpesadas. A aeronave foi então retomada e, em 2002, começou a voar novamente – agora como parte da Antonov Airlines, da Ucrânia.

Entre as cargas transportadas pelos Mria estiveram 250 toneladas de equipamentos especiais de Praga a Tashkent, girafas, o iate do rei de Espanha, ajuda humanitária ao Paquistão, e um gerador pesando 174 toneladas para uma usina elétrica armênia de Frankfurt a Ierevan. Este último garantiu à aeronave a entrada no livro dos recordes “Guinness” pelo transporte do maior item único de carga na história da aviação.

Os chineses estavam interessados ​​em adquirir a segunda aeronave inacabada. Mas, em dezembro de 2017, eles perderam o interesse no projeto, porque a maioria dos aeroportos do mundo era incapaz de transportar aeronaves de tamanho porte e peso.

A Rússia também teve a oportunidade de comprar o Mria, mas a Roscosmos não estava mais interessada nas capacidades espaciais do avião, e os cargueiros russos An-124 Ruslan podiam transportar cargas de grandes dimensões. O acordo fracassou.

Ainda assim, a ideia de um cosmódromo voador não foi abandonada por todos. Em abril de 2019, a empresa americana Stratolaunch System, criada por um dos fundadores da Microsoft, fez uma demonstração do voo inaugural de sua gigantesca aeronave Modelo 351 sobre o deserto da Califórnia. O veículo possui os mesmos objetivos que o Mria, exceto pelo fato de sua carga útil máxima ser de 590 toneladas –  o que significa que o Mria continua sendo o avião mais pesado nos céus.

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