O segredo por trás das muralhas do Kremlin de Moscou

Viagem
EKATERINA SINELSCHIKOVA
Por centenas de anos, as majestosas muralhas do Kremlin de Moscou foram uma constante arquitetônica da Rússia – resistiram a invasores, incêndios, inundações – e ao próprio tempo. Mas você não acha estranho que elas ainda estejam tão bem preservadas?

De longe, o Kremlin de Moscou parece majestoso: suas torres com estrelas vermelhas, seus merlões de “cauda de andorinha”, sua antiga alvenaria – vermelho brilhante, tão nova.

Aproximamo-nos das muralhas históricas – e, ainda assim, a alvenaria parece perfeitamente preservada. Vermelhos e uniformes, nem um único tijolo sobressai das fileiras pares.

Chegamos ainda mais perto e vemos que os tijolos da famosa parede do Kremlin de Moscou estão – literalmente pintados! Os tijolos vermelhos e o rejunte branco-acinzentado nada mais são do que linhas desenhadas em uma superfície sólida em relevo semelhante ao gesso.

Como assim? Alguém anda pintando tijolos na muralha do Kremlin de Moscou? Sim, regularmente, pois a tinta tende a desbotar. Não há segredo nisso – circulam na internet várias fotos de operários pintando alvenaria nas muralhas à luz do dia.

A muralha do Kremlin de Moscou é, sim, feita de tijolos. Mas a maioria de suas partes externas são rebocadas e pintadas, com tijolos desenhados à mão. Essa prática de pintar o Kremlin existe há muito tempo e, dependendo da época, teve características diferentes.

Como o Kremlin de Moscou foi pintado

A muralha do Kremlin de Moscou foi construída pelos italianos no final do século 15, sob o comando de Ivan 3º. Inicialmente, a fortaleza serviu mesmo como uma fortificação – protegendo de constantes invasões e guerras. Tinha a cor natural dos tijolos vermelhos e ninguém teve a menor ideia de mudá-la até 1680. Em primeiro lugar, por razões de segurança: se uma bala de canhão atingisse a parede, a cal seria desfeita, revelando a alvenaria vermelha – um ponto vulnerável para mirar novamente.

No entanto, em 1680, surgiu a primeira evidência documental de que o Kremlin de Moscou era pintado de branco.

O historiador Bartenev, no livro ‘O Kremlin de Moscou nos velhos tempos e agora’, escreve como, em um memorando enviado ao tsar em 7 de julho de 1680, foi feita a seguinte pergunta: “Devemos caiar as paredes do Kremlin, deixá-las como estão ou pintá-las como tijolos, como o Portão Spasskaya?” Na época, as muralhas e torres do Kremlin de Moscou haviam perdido seu valor de fortificação e foram caiadas com cal. Na prática, foi uma declaração política: Moscou não tinha mais medo de invasões, do jugo mongol-tártaro ou de qualquer outro indivíduo. Na ocasião, muitos outros kremlins russos também foram embranquecidos – o Kremlin de Rostov, o Kremlin de Novgorod, o Kremlin de Kazan etc.

Depois disso, o Kremlin de Moscou foi pintado de branco por vários séculos. Napoleão, quando atacou Moscou em 1812, presenciou o Kremlin de Moscou branco. Depois de incendiado, foi restaurado e pintado de branco novamente. Apenas torres nem sempre eram brancas – como a Spasskaya, a Nikolskaya e a Troitskaya, que às vezes eram deixadas vermelhas ou pintadas de vermelho e branco para fins decorativos.

O Kremlin de Moscou entrou no início do século 20, segundo o escritor Pável Ettinger, com “pátina de cidade nobre”: às vezes, pintado de branco para eventos significativos, mas, na maioria do tempo, a cidadela se apresentava irregular e com listras, com  “úlceras” de tijolo vermelho – embora isso quase não preocupasse ninguém.

O Kremlin de Moscou foi radicalmente repintado durante a Segunda Guerra Mundial, o que se tratou de uma decisão forçada. Mais precisamente, tinha que ser escondido: camuflado de tal forma que, para um bombardeiro alemão, parecesse um bairro normal da cidade. 

De acordo com o projeto do acadêmico Boris Iofan, paredes de casas e buracos negros das janelas foram pintados nas muralhas brancas do Kremlin de Moscou; ruas artificiais foram construídas na Praça Vermelha e o Mausoléu de Lênin foi coberto com compensado com a imagem de uma mansão comums. A camuflagem funcionou: o Kremlin de Moscou “desapareceu” e ficou invisível para quem tentava localizá-lo pelo ar.

Mas, após a guerra, a fortaleza precisava de uma reconstrução em larga escala. Na época, a celebração do aniversário de 800 anos de Moscou se aproximava. Essa reconstrução ocorreu entre 1946 e 1950. Detalhes de pedra e tijolo em ruínas foram substituídos por novos, embora feitos a partir de amostras dos séculos 17 a 19. A alvenaria histórica e seus acréscimos posteriores foram mais uma vez complementados ao longo de todo o seu perímetro de dois quilômetros com tijolos novos, fabricados na URSS durante esse período. Paralelamente, por decisão de Stálin, o Kremlin de Moscou e sua muralha foram repintados com a cor vermelha – ideologicamente apreciada pelos comunistas.

Desde então, a muralha foi restaurada diversas vezes, e algumas de suas partes tiveram de ser reconstruídas do zero. Esse trabalho está em andamento contínuo. “Uma série de fatores continuam a impactar negativamente as muralhas do Kremlin de Moscou. Vivemos nas condições do inverno russo. A água que penetra nos poros dos tijolos danifica a parte externa”, explica Serguêi Deviatov, doutor em Ciências Históricas e assessor do diretor do Serviço Federal de Proteção da Rússia.

No final da década de 1990, segundo Deviatov, a alvenaria encontrava-se em péssimo estado e, por isso,  foi preservada com uma solução especial – protegendo os tijolos da precipitação atmosférica, do ambiente externo e da exposição à pintura.

No entanto, ainda é importante que a muralha do Kremlin de Moscou mantenha uma “aparência apresentável”. É por isso que, hoje em dia, são pintadas com uma tinta vermelha fosca de vez em quando – para manter sua cor de tijolo sempre saturada.

LEIA TAMBÉM: De mercado a linha de bonde, o surgimento da Praça Vermelha de Moscou

Para ficar por dentro das últimas publicações, inscreva-se em nosso canal no Telegram