Por que Ióssif Djugachvili adotou a alcunha “Stálin”?

História
EKATERINA SINELSCHIKOVA
Pouco gente sabe, mas Ióssif Djugachvili teve uns 30 sobrenomes estranhos ao longo de sua vida. Mas nós o conhecemos por seu mais famoso: Stálin. E suas origens foram envoltas em mistério até a morte do líder soviético.

Ióssif Djugachvili – um adolescente simples de uma família pobre da Geórgia matriculou-se em um seminário em 1894 e estava prestes a se tornar padre. Mas, aos 15 anos, foi apresentado ao marxismo, entrou nos círculos clandestinos e começou uma vida completamente diferente. Daquele momento em diante, Djugachvili esteve ocupado inventando e usando nomes fictícios. Anos depois, o seu mais famoso sobrenome seria conhecido no mundo inteiro, imortalizando o nome “Stálin” nas páginas da história. Como isso aconteceu e o que esse nome realmente significa?

Tradição

Os apelidos na Rússia eram bastante comuns, especialmente nos círculos revolucionários e da “intelliguêntsia”. Todos os membros do Partido Comunista e marxistas clandestinos tinha um, até vários apelidos, que usavam, tentando constantemente despistar a polícia (Lênin, segundo relatos, tinha bem mais de 100!). Uma prática comum era criar pseudônimos a partir de nomes russos populares.

“Era simples, desprovido de qualquer pretensão aristocrática, compreendido por qualquer trabalhador e, o mais importante, parecia um sobrenome verdadeiro”, observa o historiador Viliam Pokhlebkin em seu livro ‘O Grande Pseudônimo’. Certa vez, durante o processo de registro para o 4º Congresso do Partido Comunista, Djugachvili usou como apelido ‘Ivanovitch’ (oriundo do nome Ivan). A mesma lógica foi usada por Vladímir Uliánov, cujo nome famoso “Lênin” se origina do feminino Lena/Elena. E mesmo aqueles membros do Partido cujos nomes verdadeiros já soavam “bons e honestos” o suficiente ainda recorreriam ao uso de nomes fictícios.

Talvez, a segunda tradição mais difundida seja o uso de pseudônimos com influência animal, muitas vezes partindo de nomes de bichos terrestres, pássaros ou peixes. Esses nomes eram geralmente usados ​​por quem queria enfatizar sua individualidade. E, enfim, havia os caucasianos – os georgianos, armênios, azerbaijanos e outros – que eram um caso especial, devido à sua limitada consideração por diretrizes conspiratórias, tal como usar nomes com um tom caucasiano. “Koba” era o apelido mais usado por Djugachvili antes de 1917 – e o mais famoso depois de “Stálin”.

Koba

Este nome é, na verdade, bastante simbólico para a Geórgia. Entre os biógrafos estrangeiros de Stálin, muitos sugerem que tal nome foi baseado no protagonista do romance georgiano ‘Padre Assassino’, de Aleksandr Kazbegi. Nele, o destemido Koba, um camponês de regiões montanhosas, lidera a luta pela independência de sua pátria. Acredita-se que o jovem Stálin tenha gostado dessa imagem, embora seja preciso ressaltar que o próprio nome fictício Koba é um apelido.

Koba é o equivalente georgiano do nome do rei persa Kobades, que conquistou a Geórgia oriental no final do século 5, tornando Tbilisi a capital por 1.500 anos. Este modelo histórico preciso – como figura política e estadista – atraia muito mais Djugachvili. Até mesmo suas biografias compartilham algumas semelhanças notáveis.

Porém, em 1911, a situação política ditou a mudança do nome. As atividades de Djugachvili começaram a se distanciar para além do Cáucaso, suas ambições e laços com as organizações do Partido russo cresceram, e Koba só era realmente útil em sua região natal. Um ambiente linguístico e cultural diferente exigia ajustes.

Em janeiro de 1913, o mundo foi enfim apresentado a ‘Stálin’, que assim assinou sua obra “Marxismo e a Questão Nacional”.

Como o nome ‘Stálin’ se originou?

Essa pergunta ficou sem reposta por muito tempo. Em vida, detalhes pessoais de Stálin eram proibidos para discussão ou até mesmo uma hipótese vaga, quanto mais pesquisa. Tudo o que dizia respeito ao “líder dos povos” era trabalho do Instituto do Marxismo-Leninismo, que continha a Fundação Ióssif Stálin, que, por sua vez, classificava e armazenava a informação. Nenhuma pesquisa externa foi realizada enquanto Stálin estava vivo. Mesmo após sua morte, não se discutia muito sobre isso, devido à reação contra o culto à personalidade de Stálin, que impedia estudos.

No entanto, ainda depois da Revolução, no início da década de 1920, circulava a opinião de que “Stálin” era uma tradução russo-georgiano da raiz de seu sobrenome georgiano, Djuga. A verdade parecia trivial, e foi essa versão que acabou sendo citada em grande parte da literatura. A questão da origem foi então deixada de lado.

Mais tarde, ficou claro que a história era uma farsa ou, mais precisamente, originada de interpretações equivocadas, inclusive entre os georgianos. Em 1990, o autor e dramaturgo georgiano Kita Buatchidze, ex-prisioneiro dos gulags de Stálin, escreveu o seguinte: “’Djuga’ não significa ‘aço’ de modo alguma. ‘Djuga’ é uma palavra pagã georgiana muito antiga com um toque persa, que provavelmente se espalhou no período de domínio do Irã sobre a Geórgia, e (...) é simplesmente um nome. Como muitos outros nomes, seu significado é intraduzível. Um nome como outro qualquer, como o russo Ivan. Djugachvili é simplesmente ‘a canção de Djuga’, nada mais.”

O apelido de Stálin nada tinha a ver com seu sobrenome verdadeiro. Quando isso ficou óbvio, começaram a surgir outras versões. Entre elas, de que Stálin teria pego emprestado o nome de uma companheira e amante, Liudmila Stal. Outro teoria pregava que Djugachvili queria algo que soasse o mais próximo possível de ‘Lênin’.

Mas a hipótese mais curiosa foi levantada por Pokhlebkin, que dedicou uma pesquisa científica ao nome do ex-líder soviético. Segundo Pokhlebkin, o protótipo do nome vem de Evguêni Stefanovitch Stalinski – um jornalista liberal e proeminente editor russo, que também foi tradutor do poema de Chota Rustaveli “O Cavaleiro em Pele de Tigre”. Stalin adorava o poema e tinha verdadeiro encanto pela produção criativa de Rustaveli (tanto é que o Teatro Bolshoi foi escolhido como o local da luxuosa celebração do 750º aniversário do poeta em 1937). No entanto, por algum motivo, Stálin ordenou a ocultação de uma das melhores edições. A edição multilíngue de Stalinski de “O Cavaleiro” foi confiscada das exibições e praticamente apagada da história por não ser mencionada em lugar nenhum. O historiador acredita que “Stálin, ao exigir a ocultação da edição de 1889, procurava de fato ocultar o segredo da escolha de seu pseudônimo”. Desse modo, mesmo o nome “russo” está intimamente ligado à Geórgia e às memórias de juventude de Djugachvili.

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