Fé modelo exportação

Fiel reza do lado de fora da sala de orações da filial da igreja Bola de Neve em Moscou, enquanto guarda a entrada da mesma.  Foto: Marina Darmaros

Fiel reza do lado de fora da sala de orações da filial da igreja Bola de Neve em Moscou, enquanto guarda a entrada da mesma. Foto: Marina Darmaros

Com duas filiais na Rússia, a igreja brasileira Bola de Neve concentra-se no futebol e no jiu jitsu no país, com "pastor lutador" sendo esperado em Kursk para janeiro. Conhecida como a "igreja dos surfistas" no Brasil, filial de Moscou se concentra no futebol, com jogadores brasileiros ocupando seus bancos nas horas vagas. Mas seus números são modestos, se comparados aos da Igreja Universal, que tem 1.200 fieis apenas na capital.

Em um condomínio de luxo na zona sul de Moscou, uma pequena porta de vidro dá acesso a um porão onde tatames e evangelhos dividem espaço. Na porta há apenas um adesivo, onde se lê, em alfabeto latino, "Ribeiro Jiu Jitsu". Mas, além dos cerca de 50 alunos matriculados no curso de lutas, ali funciona também uma filial da igreja evangélica "Bola de Neve".

"Não queríamos chamar a atenção dos moradores, que podem não querer uma igreja aqui, já que os russos, em geral, consideram qualquer outra religião cristã além da Igreja Ortodoxa Russa - exceto, talvez, pela católica - como 'seita'", explica o pastor e idealizador da Bola de Neve em Moscou, Felipe Sestaro.

Aos 33 anos, Sestaro começou a pregar há dez, assim que chegou à capital russa para estudar medicina por meio de uma agência de intercâmbios.

Enquanto a maior parte dos fieis é vem do Brasil ou de diversos países da África, há também russos nos cultos. Foto: Marina Darmaros

"Foi um caso muito atípico, porque me converti só dois ou três meses antes de chegar aqui, e não frequentava nenhuma igreja. Vim para a Rússia atendendo a um chamado para ser missionário. A maneira que eu encontrei para fazer isso foi estudando medicina para poder ter visto e permanecer no país", conta.

O pastor começou a pregar em uma "rakushka", como são chamadas as pequenas garagens feitas de contêineres de metal, tão comuns no país. "Aluguei uma dessas, comprei uns banquinhos, coloquei fiação e comecei a fazer o trabalho", conta.

Mas logo o proprietário da garagem desfez o trato, já que o pastor sequer tinha carro. A partir daí, Sestaro passou a pregar no quarto do alojamento universitário. "De lá fomos para um hotel, e daí para a sede que alugamos hoje, onde nos reunimos todos os dias."

Sentimento de pertencer a algum lugar

A igreja hoje tem cerca de 80 fieis em Moscou, entre brasileiros, russos, moçambicanos, angolanos, além de alguns nigerianos, colombianos, costa-riquenhos, entre outros. A maioria é jovem, com menos de 30 anos de idade, e proveniente do Brasil e de países africanos.

Parte dos cultos é conduzida no escuro. Os fieis oram  fervorosamente, gritam, erguem os braços e até choram. Foto: Marina Darmaros

A estudante de economia Melissa Escudero, 24, é a única peruana que frequenta os cultos da Bola de Neve em Moscou. Executando pequenos trabalhos como o de babá nas horas vagas para ajudar os pais na terra natal, ela se converteu ao cristianismo na capital russa."Estava precisando de Deus", diz.

Foi uma camaronesa, sua vizinha no alojamento estudantil e uma das mais fervorosas seguidoras da igreja em Moscou, quem atraiu Escudero para a Bola de Neve - em uma época de muitas provações, segundo a mesma.

As dificuldades que os estrangeiros, e até mesmo os locais, encontram para se relacionar na Rússia tornam o país um local atraente para as operações das igrejas brasileiras.

"Todo mundo precisa pertencer a algum lugar, a algum grupo. E, em Moscou e nas grandes cidades russas, essa tarefa é mais complicada do que em outras metrópoles. Por isso não me espanta que as novas religiões venham ganhando força pelo território russo", diz a internacionalista Luiza Ferreira.

Aos 27 anos, ela passou cinco estudando na capital russa, onde se formou em Relações Internacionais pela Universidade Russa da Amizade dos Povos.

"No Brasil, na América Latina e em muitos países europeus por onde já passei pude sentir que se inserir nas comunidades locais foi bem mais fácil do que na Rússia. Demorei um ano e meio para quebrar a barreira inicial dos meus colegas de faculdade russos", conta.

Josefina é uma das fieis mais dedicadas à Bola de Neve em Moscou. Camaronesa, ela dá a palavra na ausência do pastor Felipe. A pregação é atropelada pela tradução simultânea para o russo, que confere um estado quase de transe quando no escuro. Foto: Marina Darmaros

Para o pastor Bruno Trunkel, 25, mudar-se para a Rússia não foi uma escolha própria. "Eu servia na Igreja Universal no Brasil, em Campinas, e o bispo Macedo tinha vindo visitar a Rússia e viu a necessidade de enviar mais pastores para expandir o trabalho e evangelizar. Fui escolhido junto a cinco pastores", conta. Dois meses depois, no início de 2008, ele estava na Rússia.

A Universal tem sede em Moscou desde 1997, mas há ainda cerca de dez filiais pelo país (em São Petersburgo, Níjni Nóvgorod, Koroliova, Krasnodar, entre outras cidades). Há quase oito anos no país, Trunkel já tem até permissão de residência na Rússia.

Segundo ele, a obtenção de documentos, geralmente de difícil acesso para estrangeiros, dá-se devido à participação da Universal em uma aliança russa de igrejas evangélicas que oferece todo o apoio necessário para o funcionamento dessa.

Pastor lutador

Mais conhecida no Brasil como "a igreja dos surfistas", a Bola de Neve em Moscou sai um pouco da linha seguida pelos templos na terra natal. A prancha de surf no púlpito, por exemplo, que é de praxe no Brasil, foi substituída ali pela de snowboard.

A mulher do pastor, Stephany, 26, e o filho, Igor, 1. Ela saiu do Tocantins para estudar medicina em Moscou em 2007 e conta que o marido pregava ainda no alojamento estudantil. Foto: Marina Darmaros

Segundo o pastor, isso acontece devido às particularidades geográficas das filiais russas . "Toda Bola de Neve estimula um esporte. No nosso caso, esse é o futebol ", diz Sestaro. As "células" da igreja, como são chamadas as reuniões semanais descontraídas dos fieis realizadas além cultos, muitas vezes são feitas na torcida de times para os quais jogam alguns de seus irmãos mais notórios - que são jogadores profissionais atuando nos times do país.

A filial de Moscou tem até um "berçário". Na sala de brinquedos, oito "irmãs" se revezam em duplas para os turnos de cuidados das crianças, que chegam a sete quando o culto está cheio. Elas trocam suas fraldas, dão mamadeira e brincam com elas para que os pais se dediquem exclusivamente ao culto.

Já a filial de Kursk, aberta há 2 anos, tem quase 60 fieis. É para essa cidade, cerca de 500 quilômetros a sul de Moscou, que são enviados muitos dos brasileiros que vão estudar medicina na Rússia por meio da principal agência de intercâmbios entre os países.

Como em Moscou, a Bola de Neve de Kursk começou com pregações que um fiel da igreja de Moscou, Daniel Oliveira, fazia em seu quarto no alojamento universitário, depois de transferir-se para lá.

Com o crescimento da segunda filial russa, que hoje também tem sua sede alugada, os fieis aguardam a chegada, já em janeiro, de um novo pastor, que também é lutador de jiu-jitsu.

Objetivo russo

Os números da Bola de Neve ainda são modestos, se comparados aos da Universal. A igreja de Edir Macedo tem 1,5 mil fieis na Rússia, 1.200 apenas na capital.

"O trabalho na igreja é só com russos, os cultos são feitos diretamente no russo", diz Trunkel.

No berçário montado na igreja, oito "irmãs" se revezam em duplas para os turnos de cuidados das crianças, que chegam a sete quando o culto está cheio. Elas trocam suas fraldas, dão mamadeira e brincam com as crianças para que os pais se dediquem exclusivamente ao culto. À esquerda, Jeremiah, 1, filho de nigerianos. À direita, Igor, 1, filho do pastor. Foto: Marina Darmaros

Mas o pastor mostra intenções de ampliar seu público lusófono, que hoje é composto por até 30 pessoas, de acordo com ele, entre brasileiros, angolanos e moçambicanos.

Apesar de a população brasileira somar apenas 900 pessoas no país, segundo dados da embaixada, Trunkel busca grupos de brasileiros nas redes sociais e envia convites individuais aos participantes para "encontros semanais" aos domingos.

Nos convites, onde enfatiza a busca por "brasileiros, angolanos e todos os que falam a língua portuguesa", sublinha que "Deus sempre estará acima de qualquer religião" e afirma: "O encontro me ajudou e tem ajudado a todos que o têm frequentado".

O trabalho de evangelização é levado a cabo com os russos nas ruas, mas não sem contratempos. "Um dia, quando uma senhora já de bastante idade, que parecia ser bem comunista ainda, viu que a igreja não era a ortodoxa, ela se ofendeu e começou a gritar: 'O que vocês vieram fazer na minha terra?' Ela pegou o pau em que se apoiava para andar e começou a bater nos evangelistas", conta.

Com a Bola de Neve o trabalho também não é fácil. Em setembro, ao tentar arrebanhar fieis em uma das principais ruas turísticas da capital, a Arbat, o pastor foi detido, junto com seus ajudantes, após uma russa, ofendida, agredi-los e chamar a polícia.

A estudante de economia Melissa, 24, é uma peruana que se converteu ao cristianismo com a Bola de Neve. "Estava precisando de Deus", diz. Quem a atraiu para a igreja foi a camaronesa Josefina, sua vizinha no alojamento estudantil, "em uma época de muitas provações". A maior parte dos fieis é composta por jovens com menos de 30 anos e estudantes - principalmente brasileiros e africanos - de diversas universidades da capital russa. Foto: Marina Darmaros

"Nós só tínhamos um cartaz aberto dizendo 'Deus existe e ama você'. Isso não é contra a lei. É contra o gosto do russo, mas não é contra a lei", diz.

Apesar dos contratempos, ele não pretende deixar de buscar novas ovelhas na Rússia.

"Claro que a gente agrega todos os povos, mas o objetivo é levar essa mensagem de amor aos russos, que viveram tanto tempo na cortina de ferro, sob opressão contra a religião e contra Deus", diz.

 

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