As festas de casamento na Rússia duravam vários dias — chegando a se estender por uma semana inteira! Por isso, a variedade de pratos servidos era também uma demonstração de riqueza das famílias dos recém-casados e muitos pratos destinavam-se a abençoar o casamento com felicidade e fartura aos descendentes.
No primeiro dia das festividades após a cerimônia, os noivos eram brindados com um jantar especial junto com parentes e amigos.
O etnógrafo russo Ivan Golichev descreveu um casamento na região de Vladímir, situada não muito longe de Moscou: “Todos os parentes do marido e da mulher foram convidados. Os convidados são recebidos na entrada pelos noivos e seus pais e mães. O pai da noiva entrega um pão ‘karavai’ preto e se curva aos pés dos recém-casados. Antes de o jantar começar, três copos de vodca, licor, vinho tinto ou mel são servidos de uma só vez – todos bebem alguma coisa.”
Pernil, cabeça de cordeiro e língua bovina eram servidos. Segundo Golichev, um caldo escuro de miúdos de ganso. Claro, a escolha dos pratos dependia também do local onde os recém-casados viviam. Em outras regiões, por exemplo, podiam ser servidos o caldo verde schi, caldo de carne com macarrão ou borsch.
Quanto mais rica a família, mais carne na mesa
Entre os pratos quentes, servia-se mingau de milho, com várias partes de carneiro, leitão e ganso, de acordo com Golichev. Acreditava-se que quanto mais carne e peixe na mesa, mais rica era a celebração. Por isso, quem podia se dar ao luxo, mandava abater um leitão antes do casamento e fazia com ele todos os tipos de pratos.
“Quando os miúdos do carneiro são servidos, o noivo tira o rim, corta-o em pedaços pequenos e entrega-o em um garfo a todos os presentes. Quando é servido ganso, os noivos saem da mesa para trocar de roupa”, escreveu o etnógrafo.
Enquanto os convidados comiam, os recém-casados não tocavam em nenhuma comida ou bebida. Eles podiam se alimentar um pouco até o prato principal. No noroeste da Rússia, os noivos comiam torta de peixe e leite com cranberries, “para ter muitos filhos, como peixes em um rio, e fortes, como o sangue com leite”.
O etnógrafo russo Mikhaíl Zabilin descreve outra tradição interessante no livro “Povo russo. Costumes, rituais, lendas, superstições e poesia”, de 1880: “Uma mesa coberta com três toalhas era colocada diante dos noivos. Uma toalha de mesa era posta sobre a outra. Sobre elas, era colocado um saleiro e um pão ‘kalach’ ou um a torta ‘perepetch’ e ricota. Quando os convidados recebiam o terceiro prato, que era um cisne, era colocado diante do casal um frango frito. Em seguida, o padrinho do noivo pegava o frango frito, envolvia-o na segunda das três toalhas de mesa e servia aos noivos.”
O segundo dia de casamento ocorria na casa do noivo, com música e dança. Já no terceiro dia, a noiva demonstrava seus dotes culinários fazendo tortas para seus convidados.
Karavai, o pão de casamento mais bonito
Uma antiga tradição russa era cumprimentar os recém-casados, após a cerimônia de casamento, na entrada da casa dos pais com pão e sal. Era o karavai, pão de formato redondo especial para casamentos e enfeitado com tranças, flores e cisnes feitos de massa.
Seu formato redondo simbolizava o sol, sinal de fertilidade e prosperidade. Acreditava-se que o karavai tinha que ser feito por uma mulher que gozasse de vida familiar e tivesse filhos saudáveis, para que a formação da nova família fosse tão próspera quanto o casamento da padeira do karavai.
Cada elemento da decoração do karavai tem um significado especial: anéis simbolizavam casamento, espiguetas simbolizavam fertilidade e prosperidade, pombas ou cisnes representavam fidelidade, flores expressavam feminilidade e a planta viburno simbolizava o amor.
O karavai destinava-se principalmente aos recém-casados. Eles comeriam um pedaço dele à entrada da casa. No entanto, durante a celebração, todos os convidados compartilhavam a alegria da festa ao saborear também um pedaço do karavai.
Torta em forma de chapéu de príncipe
O kurnik, uma torta mil folhas fechada, com recheio e um buraco no topo, também foi considerado, por muito tempo, como uma torta cerimonial de casamento. Ele era feito na forma de um chapéu de quatro ou oito pontas, que lembra o chapéu luxuoso do grão-príncipe Vladímir Monomakh, que governou a Rus no século 11.
O kurnik era feito com recheio de frango e grãos de trigo. A galinha ou o galo representavam uma prole forte. O trigo simbolizava riqueza e fertilidade. Às vezes, conchas ou ossos de galinha eram colocados no kurnik para dar sorte. Caso o casamento fosse organizado por uma família pobre, que não pudesse comprar frango, recheios mais baratos, como milho, cogumelos, tubérculos ou repolho eram usados no kurnik.
Era costume assar dois kurniks: um para a noiva e outro para o noivo. A torta da noiva era decorada com flores e pássaros, sinal de feminilidade e beleza. A torta do noivo era decorada com figuras de pessoas e animais, símbolo de família numerosa e prosperidade.
Diz-se que, em algumas partes da Rússia, era costume partir um kurnik sobre das cabeças dos noivos durante a festa de casamento. Acreditava-se que quanto mais grãos de trigo caíssem na cabeça dos recém-casados, mais rica seria sua vida.
Além das tortas grandes, havia também uma variedade de tortas pequenas e abertas na mesa do casamento, cada uma com recheio diferente. Elas eram distribuídas durante a festa em vez de pão. Tortas doces e pão de gengibre eram assados para a sobremesa.
Após a Revolução de Outubro em 1917 e as hostilidades contra a Igreja, as cerimônias religiosas tornaram-se coisa do passado, tanto nas grandes cidades como nas aldeias, e muitos rituais de casamento foram esquecidos. Servir o karavai com sal para os noivos é uma das raras tradições gastronômicas que sobreviveram até hoje.
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