Quais as diferenças entre o borsch russo e o ucraniano?

Comida
ANNA SORÔKINA
Esta sopa existe em muitas culturas eslavas — e cada um desses povos o considera só seu!

As cozinhas russa e ucraniana têm muito em comum — o que não surpreende, dada a proximidade e o parentesco dessas duas nações que estiveram unidas por quase quatro séculos. Nos tempos soviéticos, a "amizade dos povos" era um dos pilares da ideologia estatal, da qual a comida fazia parte: pratos regionais eram absorvidos por uma cozinha soviética unida, que tinha desde o “pilaf” uzbeque, ao “chachlik” do Cáucaso, “pêlmeni” siberiano e um antigo prato básico eslavo primeiro: o borsch.

Na verdade, o prato que leva esse nome é feito por eslavos orientais desde tempos imemoriais (ele foi mencionado pela primeira vez nas crônicas russas no século 16), e pratos de nomes semelhantes são encontrados não só na Rússia e na Ucrânia, mas também na Bielorussia, na Polônia, na Romênia e na Moldávia. Cada um tem sua própria variedade e o lendário “Livro de Comida Saborosa e Saudável”, a “bíblia culinária” soviética publicada em 1935, as receitas de borsch ocupam várias páginas e diferem muito entre si.

Não é mais o que costumava ser

Hoje, a palavra “borsch” evoca a imagem de uma sopa rosa-choque feita de beterraba e repolho. No entanto, o nome originalmente se referia a uma sopa feita com uma variedade comestível de “borschevik” (nome científico: Heracleum mantegazzianum), planta semelhante ao endro gigante (sua variedade moderna, o Heracleum sosnowskyi, é uma erva altamente venenosa, mas, na antiguidade, a planta era inteiramente comestível). As folhas eram fermentadas e adicionadas à sopa.

Mais tarde, surgiu uma versão do borsch à base de kvass de beterraba que era diluída em água, recheada com repolho e cenoura e fervida. Só mais tarde se começou a usar caldo de carne para sua preparação, e os camponeses só podiam se dar a esse luxo nos feriados, por isso todas as outras vezes eles adicionavam salo (banha de porco) com alho para torná-lo mais cheio de “substância”.

“Uma das primeiras receitas autênticas de borsch de beterraba está no ‘Dicionário de Culinária de Vassíli Levchin’, de 1795”, escreve o historiador da culinária Pavel Siutkin. “Ela contém uma lista de ingredientes para o borsch: pedaços de carne, presunto e frango cozidos em água...”

Cada um com a sua receita

“Borsch é apenas um termo ao qual cada um atribui seu próprio significado”, diz a especialista em culinária Olga Siutkina, acrescentando que os ingredientes da sopa eram, em sua maioria, simples e acessíveis, e diferiam de região para região. “No sul da Rússia e na Ucrânia, havia uma grande variedade de vegetais frescos, mas mais ao norte as pessoas tinham que prepará-los para o inverno”, diz ela.

É por isso que os povos eslavos têm tantas receitas diferentes de borsch, que variam não só por região, mas também de acordo com o clima: a sopa vegetariana de verão à base de beterraba é chamada de kholodnik ("sopa fria") ou svekolnik ("sopa de beterraba"), e elas também são variedades de borsch.

Na Polônia, a receita tradicional é a do “borsch branco” à base de massa fermentada feita com farinha de centeio, ovo cozido e enchidos, no lugar da beterraba. Existem também variedades de peixes e cogumelos.

Na Romênia, existe uma sopa de legumes azeda ,com kvass, chamada borsch. No sul da Rússia, há o delicioso borsch "Taganrog" (também conhecido como "mosteiro"), feito não com beterraba, mas com tomate (algo que era exótico na culinária russa, mas nunca em Taganrog, cidade portuária, onde era comum) e à base de rabada ou caldo de galinha (mas nunca porco). O borsch também pode ser preparado com feijão ou batatas.

Na Rússia, Ucrânia e Bielorrússia contemporâneas, o borsch vermelho quente é a versão mais popular, servido com smetana (creme de leite azedo ou “sour cream”) e pão. Mas não há uma receita só desse borsch: elas diferem não apenas de país para país, mas também internamente, nas regiões de cada um deles.

Então, quais as diferenças entre o borsch russo e o ucraniano?

Para os russos (e a maioria das pessoas que viveram na URSS), a palavra “borsch” geralmente significa uma mistura de tudo o que está à mão.

O primeiro ponto é o caldo: geralmente, considera-se que o borsch russo é baseado em caldo de ossobuco e o ucraniano, em costela de porco, mas essa distinção é frágil, para dizer o mínimo. A beterraba pode ser cozida em caldo de galinha ou água. O svekolnik, por exemplo, é geralmente feito com kefir (espécie de leite fermentado).

Em segundo lugar, vem o repolho. Alguns chefs escrevem que o chucrute predomina na versão russa, que é adicionado no início para ficar macio, enquanto a versão ucraniana prefere repolho fresco adicionado no final do processo de cozimento para que mantenha a crocância; outros ainda descartam o repolho, afirmando que os feijões bastam no borsch. Quanto ao borsch bielorrusso, ele é geralmente servido com batatas.

Em terceiro lugar, vem a variedade de beterraba. Os especialistas em borsch dizem que uma beterraba específica deve ser usada na receita para dar a cor desejada.

E, o mais importante de tudo, os ingredientes extras! Chefs modernos de qualquer país costumam adicionar pasta de tomate com cenoura, cebola e beterraba para tornar o borsch mais suculento e brilhante. Enquanto isso, os “puristas” na arte do borsch permanecem ferrenhamente anti-tomates. Alguns gostam de adicionar vinagre, limão e açúcar (sim, direto na sopa!), cozinhar o caldo com cebola sem descascar ou usar toucinhos junto com a carne.

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