A história do combate do governo soviético à religião e à Igreja Ortodoxa é dramática e complexa. Os bolcheviques consideravam a religião e a Igreja sérios obstáculos à criação de um novo “homem soviético”. Assim, o governo da URSS declarou uma verdadeira guerra ao chamado “ópio do povo”.
O primeiro padre foi executado pelos comunistas em 1917, e então começou a onda do confisco de valores da igreja, saque de santuários com relíquias sagradas e a destruição de igrejas. A fase ativa da luta continuou até ao final da década de 1930, acompanhada por propaganda antirreligiosa e diversos cartazes apresentando os padres sob uma ótica desfavorável. No total, durante o governo de Lênin e Stálin, foram executados entre 28 mil e 200 mil sacerdotes, segundo fontes diversas. A maioria deles foram mortos sem julgamento ou investigação e enterrados em valas comuns. Em 2000, mais de mil padres da Igreja Ortodoxa Russa, que foram perseguidos e mortos pelos bolcheviques após a revolução de 1917, foram canonizados.
Padres ao lado do regime soviético
“Quase não existem estudos dedicados à cooperação entre a Igreja e o governo soviético”, escreveu o historiador Nikolai Záiats. “Por causa disso, parece que não houve representantes do clero que simpatizassem com a revolução, e todos eles assumiram uma posição antibolchevique ou apolítica, sendo vítimas das autoridades”.
No entanto, na realidade havia muitos clérigos leais aos bolcheviques, que mais tarde foram chamados de “padres vermelhos”. Os jornais soviéticos escreveram sobre apelos de padres de diferentes regiões com palavras de apoio ao partido e ao poder dos trabalhadores. Muitas vezes, os sacerdotes mais baixos, insatisfeitos com o comportamento dos mais altos hierarcas da igreja, converteram-se à fé bolchevique. Localmente, ocorreram muitos conflitos entre o antigo clero e os "padres vermelhos".
Também houve casos, embora bastante raros, em que padres deixaram a igreja. O padre da cidade de Vologda, Dmítri Popov, por exemplo, se tornou um participante ativo na revolução e até abençoou pessoalmente as tropas revolucionárias. O abade do mosteiro do Turquestão, arquimandrita Irinarkh, deixou o mosteiro e se juntou ao partido bolchevique.
Um dos mais famosos “padres vermelhos” foi Mikhail Gálkin. Durante a Primeira Guerra Mundial, ele foi padre regimental e depois serviu na igreja de São Petersburgo, tinha visões progressistas e até defendeu a separação da Igreja do Estado.
Em 1918, um conselho eclesial condenou o “bolchevismo eclesiástico” e o apoio de alguns padres à revolução, incluindo o próprio Gálkin. Como resultado, ele deixou a Igreja, começou a se envolver em propaganda antirreligiosa e a trabalhar para o jornal “Bezbojnik” (“Sem Deus”, em português), e depois até ensinou marxismo-leninismo.
Cisma da Igreja
Em 1922, o governo soviético prendeu o chefe da Igreja Ortodoxa Russa, patriarca Tikhon, que condenou o derramamento de sangue e a Guerra Civil. A detenção provocou um cisma renovacionista na Igreja.
Sob a influência da NKVD (polícia secreta, órgão que precedeu a KGB), surgiu um grupo de padres leais ao regime soviético, chamados de renovacionistas. Eles propuseram renovar a instituição da Igreja, realizar reformas, parar de usar língua eslava eclesiástica e realizar serviços religiosos em russo moderno.
Muitas paróquias se juntaram às fileiras dos renovacionistas, porque as igrejas dos padres leais ao regime soviético não eram fechadas e os serviços religiosos não foram interrompidos. No entanto, depois que o patriarca Tikhon foi libertado da prisão, muitos retornaram à igreja “patriarcal”, embora ela já estivesse proibida.
Mais tarde, ocorreu uma divisão dentro dos “padres vermelhos”; surgiram diversos movimentos com ideias diferentes sobre como reformar a Igreja, mas o governo soviético rapidamente interrompeu essas ideias e criou um governo eclesial unificado chamado Sínodo.
Liquidação dos Padres Vermelhos
O Sínodo composto por “padres vermelhos” conseguiu coexistir durante anos com padres clandestinos que não queriam passar para o lado do regime soviético. No entanto, durante o Grande Expurgo (as repressões em massa de Stálin no final da década de 1930), o governo da URSS decidiu se livrar de todos os cultos, reprimindo quase todos os padres de todos os lados.
Durante a Segunda Guerra Mundial, Stálin decidiu reabilitar a Igreja, especificamente a antiga e patriarcal. Em 1943, ele se reuniu com os bispos da igreja sobreviventes, permitiu realizar serviços divinos, celebrar a Páscoa e o Natal e prometeu devolver algumas igrejas e mosteiros fechados. No mesmo ano, foi eleito o novo patriarca Sérgio, e, assim, nasceu a Igreja Ortodoxa Russa do Patriarcado de Moscou, que existe até hoje.
“O significado principal do cisma renovacionista não estava de forma alguma nas reformas litúrgicas, mas no compromisso com o regime soviético, na procura de uma nova ´sinfonia´ com o Estado [...] os renovacionistas seguiram o caminho da nacionalização da Igreja, mas o Estado ímpio rapidamente deixou de precisar dos seus serviços e aboliu completamente este movimento durante a Grande Guerra Patriótica”, escreveu o historiador, especialista na teologia, padre Iliá Soloviov.
Os “padres vermelhos” começaram a ingressar em massa no Patriarcado de Moscou. Aleksandr Vvédenski tentou encontrar um consenso entre as Igrejas patriarcais e “renovacionistas”, escreveu diversas cartas a Stálin, porém sem sucesso. Depois da morte de Vvédenski em 1946, os conceitos de “renovacionismo” e de “padres vermelhos” deixaram de existir.
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