Como os russos tentaram conquistar a Índia britânica duas vezes

História
BORIS EGOROV
A primeira ideia de conquistar a Índia partiu do imperador Paulo 1º no início do século 19. Mais tarde, um dos líderes bolcheviques, Leon Trótski, também almejou privar os britânicos de sua principal fonte de riqueza.

A Grã-Bretanha conquistou poder e uma posição de liderança no mundo em grande parte graças à Índia, que os britânicos chamavam de “a joia da Coroa Britânica”.

Ao longo da história mundial, muitas potências sonhavam em privar Londres de suas colônias no subcontinente indiano. A Rússia não foi uma excepção.

Com Napoleão contra os britânicos

Em fevereiro de 1801, mais de 22.000 cossacos liderados pelo ataman (líder militar) Matvéi Platov partiram das estepes do Don em uma campanha sem precedentes pela Ásia Central e Afeganistão até a Índia. Supunha-se que a marcha cossaca seria a primeira etapa de uma invasão russo-francesa na região. O plano de ataque foi proposto ao imperador russo Paulo 1º pelo primeiro cônsul da República Francesa, Napoleão Bonaparte.

A Rússia e a França eram inimigas na época, e as tropas russas lutavam contra os franceses na Europa. no entanto, com o passar do tempo, o imperador Paulo 1° estava cada vez mais convencido de que o confronto com os franceses não trazia benefícios para a Rússia. Enquanto as tropas do tsar estavam derramando sangue e se desgastando, os britânicos e os austríacos apenas gozavam dos espólios de vitórias duramente conquistadas pela Rússia.

A última gota d’água foi a tomada de Malta pela Grã-Bretanha em 1800. Os britânicos desalojaram a guarnição francesa da ilha e não só não a devolveram à ordem dos Cavaleiros de Malta, mas também a transformaram em colônia e base naval. O imperador russo Paulo 1º, que era o Grão-Mestre da Ordem, considerou isso um insulto pessoal.

As partes concordaram em se unir contra a Grã-Bretanha, que acreditavam ser a fonte de problemas e distúrbios na Europa. “Juntamente com seu soberano, vamos mudar a cara do mundo!”, disse Napoleão ao enviado russo em Paris.

O plano de Bonaparte

Segundo o plano, um contingente francês de 35.000 soldados, acompanhado de artilharia leve, marcharia para Ástrakhan (também grafada como Astracã em português), onde se uniriam ao 35º exército russo, composto por 15.000 soldados de infantaria, 10.000 da cavalaria e 10.000 cossacos.

A frota do Extremo Oriente da Rússia e um destacamento cossaco separado foram designados para participar junto com o exército russo-francês, composto por 70.000 homens. Os cossacos foram os únicos que realmente conseguiram avançar na Índia.

Por sugestão pessoal de Paulo 1°, a expedição seria encabeçada pelo comandante geral francês (a partir de 1804, marechal) André Masséna.

A campanha dos cossacos não foi uma decisão espontânea do imperador russo. As tropas foram bem preparadas, enquanto a diplomacia russa se encarregou de estabelecer relações amistosas com os governantes dos países da região da Ásia Central para evitar problemas com a travessia das tropas.

Na época da campanha indiana, as possessões britânicas na Índia não eram sólidas. A Companhia das Índias Orientais, que ainda estava colonizando a região, controlava apenas os territórios do leste e do sul da península.

Com sorte, as unidades cossacas alcançariam o Punjab dominado pelos sikh, seguido pelo maior estado do Hindustão: o Império Marata. Ambos haviam resistido ao expansionismo britânico por muitos anos, e esperava-se que tivessem atitude neutra — se não amigável — quanto aos novatos na região.

Supunha-se que, após a destruição da Companhia das Índias Orientais, os franceses ocupariam o sul da península, e os russos, o norte.

No entanto, a invasão estava fadada a nunca acontecer. Em 23 de março (no calendário antigo, 11 de março) de 1801, Paulo 1° foi assassinado como resultado de uma intriga judicial na qual a Grã-Bretanha teve papel ativo.

Um dos primeiros decretos do novo imperador Alexandre 1° foi ordenar que os cossacos de Platov voltassem para casa.

Napoleão reagiu com fúria à morte do aliado russo. “Eles não conseguiram me pegar no terceiro de Nivôse [o quarto mês do calendário republicano francês, que se refere a uma tentativa de assassinato de Napoleão, em 24 de dezembro de 1800, na qual os britânicos estavam, novamente, envolvidos], mas me pegaram em São Petersburgo”, disse Napoleão.

Índia vermelha

Os russos voltaram à ideia de ocupar a Índia em 1919, logo após a revolução bolchevique. Foi um dos líderes da revolução, Leon Trótski, e o líder do Exército Vermelho, Mikhail Frunze, que sugeriram atacar o “imperialismo britânico” na Ásia.

Os bolcheviques sonhavam em “acender o fogo da revolução mundial”, mas na Europa as coisas iam mal para eles — os movimentos revolucionários foram reprimidos rápida e brutalmente, e a guerra contra a Polônia se tornou um fracasso para o Exército Vermelho.

“Não há dúvida de que nos campos asiáticos o nosso Exército Vermelho seria uma força incomparavelmente mais significativa do que nos campos europeus”, disse Trótski. “O caminho para a Índia pode revelar-se mais curto do que o caminho para a Hungria soviética”.

Frunze e Trótski queriam enviar um corpo de cavalaria de 40 mil soldados para ajudar a “revolução hindu” e estabelecer na região “uma academia revolucionária, o quartel-general político e militar da revolução asiática”.

Esses planos, no entanto, não estavam destinados a se tornar realidade. No outono de 1919, no âmbito da Guerra Civil russa, o Exército Branco, os oponentes dos bolcheviques, lançaram uma ofensiva em todas as frentes e os vermelhos foram obrigados a esquecer dos seus planos na Índia.

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