Centenas de milhares de cidadãos soviéticos lutaram ao lado dos nazistas durante a Segunda Guerra Mundial. Os colaboracionistas russos eram considerados um dos piores inimigos da URSS, os soldados do Exército Vermelho preferiam não fazê-los prisioneiros, mas imediatamente fuzilá-los.
No entanto, diversos desertores, que tinham traído a pátria, receberam a oportunidade de expiar a sua culpa com sangue. Houve muitos casos em que soldados individuais e até unidades inteiras fugiram da SS (Schutzstaffel, uma organização paramilitar ligada ao Partido Nazista) de volta para o Exército Soviético, mas o caso mais notório foi o retorno da brigada da SS “Drujina” às fileiras dos guerrilheiros soviéticos.
Castigadores
Como outras unidades colaboracionistas, a 1ª Brigada Nacional Russa da SS “Drujina” estava principalmente responsável pelas operações contra guerrilheiros russos e ações punitivas contra a população nos territórios da URSS ocupados pelos nazistas.
A brigada consistia principalmente de ex-soldados soviéticos que haviam sido capturados pelos alemães e expressaram o desejo de cooperar com os nazistas. O comandante da brigada, Vladimir Gil, que adotou o pseudônimo Rodionov, era ex-tenente-coronel do Exército Vermelho. Além disso, emigrantes brancos que decidiram vingar-se dos bolcheviques pela sua derrota na Guerra Civil serviam na unidade.
A “Drujina” realizava expedições punitivas no território da Bielorrússia, queimava aldeias que prestavam assistência a guerrilheiros soviéticos, executava civis ou os enviava à força para trabalhos no Reich. Os alemães acreditavam que, depois de tais ações sangrentas, os russos da brigada jamais voltariam para o lado dos soviéticos.
O chefe das SS, Gestapo (polícia secreta da Alemanha nazista) e da polícia alemã, Kurt von Gottberg, elogiu as ações eficazes da “Drujina” durante a operação contra guerrilheiros “Cottbus”, que ocorreu em maio e junho de 1943. Em seu relatório a Berlim, em 13 de julho, Gottberg escreveu que, “em breve, a unidade se tornará uma força de ataque fiável”.
Na verdade, a situação na 1ª Brigada Nacional Russa não era tão otimista. Seus membros entraram em choque com o fracasso do exército alemão na operação de Kursk. Além disso, a operação “Cottbus” não transcorreu tão bem; os colaboracionistas ficaram desmoralizados pelas pesadas perdas que sofreram durante os confrontos com os guerrilheiros soviéticos.
Em certo momento, Gil se afastou do comando, preferindo passar todo o seu tempo na companhia de mulheres, jogando ou bebendo. Enquanto parte dos membros da brigada discutia secretamente com Gil a possibilidade de voltar para o lado da URSS, a outra expressava abertamente a insatisfação com o comandante e instava os alemães a removê-lo. Os guerrilheiros decidiram aproveitar essa divisão.
Retorno
No período inicial da guerra, os colaboracionistas capturados eram, na maioria das vezes, imediatamente fuzilados como traidores, mas, a partir de 1942, a política em relação a desertores começou a mudar. As unidades criadas pelos alemães nos territórios ocupados deveriam ser moralmente corrompidas com a ajuda da propaganda, e seus membros, se possível, atraídos para o lado soviético. O Estado-Maior dos guerrilheiros prestava atenção especial à “Drujina”. Soube-se que o proeminente colaboracionista Andrêi Vlasov iria criar o Exército de Libertação Russo baseado na “Drujina”.
Guerrilheiros e agitadores foram enviados para os locais dos colaboracionistas para divulgar literatura, folhetos de propaganda e propostas para “expiar a culpa com sangue” entre os membros da “Drujina”.
O retorno dos colaboracionistas da “Drujina” não foi algo único. Em novembro de 1942, uma outra brigada de colaboracionistas de 75 pessoas, que guardava a ponte sobre o rio Drut, matou 30 soldados alemães e fugiu para a floresta para se juntar aos guerrilheiros soviéticos. No verão de 1943, o mesmo aconteceu com a “Drujina” e o seu comandante Gil.
Em 16 de agosto, durante uma reunião secreta entre Gil e diversos comandantes dos guerrilheiros soviéticos em território neutro, foram acordadas as condições para os soldados da SS se juntarem às tropas soviéticas. A todos os colaboracionistas, excepto os Brancos, foram prometidos imunidade, uma oportunidade de se reabilitar perante a Pátria, reintegras as fileiras militares e se corresponder com familiares. Gil insistiu que o comando da brigada permanecesse com ele.
No mesmo dia, a brigada começou a se deslocar para o lado soviético. Gil, com oficiais e soldados mais próximos, passou a percorrer as aldeias onde estavam estacionados os regimentos da “Drujina” e a fazer discursos no qual afirmava que os alemães os haviam enganado, que “os nazistas não querem nenhuma nova Rússia e têm apenas um objetivo – escravizar o povo russo”; “Fazendo promessas e garantias, os bastardos fascistas realizaram massacres sangrentos contra civis inocentes e desarmados”. Obviamente, Gil não mencionava o papel dele e de seus subordinados nesses massacres.
A ordem subsequente de Gil para “exterminar impiedosamente os Fritz até à sua expulsão final do solo russo” foi recebida pelos soldados com grande entusiasmo. Os seus apoiadores começaram a exterminar os alemães e prenderam emigrantes brancos e todos os oficiais que não apoiavam a posição do comandante.
Como resultado, em 16 de agosto de 1943, 1.175 colaboracionistas armados passaram para o lado dos guerrilheiros soviéticos. Mais tarde, mais 700 soldados se juntaram a eles. No entanto, nem todos os membros da brigada da SS queriam voltar; mais de 500 colaboracionistas fugiram em direção às guarnições alemãs.
“Vingadores do Povo”
A 1ª Brigada Nacional Russa “Drujina” deixou de existir e, em seu lugar, foi proclamada a 1ª Brigada Antifascista. Conforme prometido, Vladimir Gil-Rodionov se tornou comandante da nova unidade.
Cerca de 400 guerrilheiros e trabalhadores políticos entraram na brigada para controlar as ações dos ex-colaboracionistas. Um grupo operacional especial dos órgãos de segurança do Estado verificou o pessoal da nova brigada e identificou 23 agentes ocultos da inteligência alemã.
As relações entre os ex-SS e guerrilheiros nem sempre foram ideais. Os soviéticos selembravam bem da participação da “Drujina” da operação “Cottbus”, durante a qual muitos perderam seus camaradas e parentes.
No entanto, os recém-formados “antifascistas”, enviados para as frentes mais difíceis, lutavam brava e desesperadamente, tentando, de fato, “expiar a sua culpa com sangue”. Gil, por sua vez, ficava apreensivo sem saber que destino o aguardava depois da guerra.
O governo soviético utilizou ativamente o retorno da “Drujina”. Para fins de propaganda, Vladimir Gil-Rodionov foi promovido ao posto de coronel em 16 de setembro de 1943 e premiado com a Ordem da Estrela Vermelha. Muitos combatentes da brigada receberam medalhas de “Guerrilheiro da Guerra Patriótica”.
Derrota
Em abril de 1944, os alemães lançaram uma grande operação “Frühlingsfest” contra guerrilheiros da Bielorrússia. Os nazistas conseguiram cercar 16 destacamentos de “vingadores do povo”, como os guerrilheiros eram chamados pela população, incluindo a 1ª Brigada Antifascista.
Tendo sofrido enormes perdas, os guerrilheiros ficaram presos em um pequeno pedaço de terra, de onde só conseguiram escapar no início de maio. A unidade de Gil perdeu mais de 90% do seu pessoal e praticamente deixou de existir. O próprio comandante foi morto em batalha em 14 de maio.
“Talvez seja melhor que este seja o fim; assim, ele não terá que sofrer após acabar em Moscou”, escreveu um dos organizadores do movimento dos guerrilheiros da Bielorrússia, Vladímir Lobanok.
No entanto, nenhuma repressão póstuma se seguiu contra Vladímir Gil. Sua família recebeu a pensão de oficial do Exército Vermelho, e os nomes do coronel e de seus soldados foram imortalizados nas placas do complexo memorial “Proriv”, dedicado aos acontecimentos heróicos e trágicos do período da operação “Frühlingsfest”.
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