Ivan, o Terrível, realmente matou o filho?

História
GUEÓRGUI MANÁEV
A hipótese de que o primeiro tsar de Toda a Rússia matou o próprio filho foi confirmada e negada diversas vezes por diferentes historiadores. No entanto, os últimos estudos indicam que sim, Ivan 4º, o Terrível, realmente matou o filho com um bastão.

Os restos mortais de Ivan, o Terrível, e de seu filho Ivan Ivánovitch, que morreu em novembro de 1581, foram estudados por historiadores soviéticos em 1963. Os cientistas queriam descobrir se o tsarevitch (príncipe) Ivan realmente tinha morrido devido a uma pancada na cabeça. Entretanto, os estudos não foram adiante, já que o crânio do príncipe herdeiro tinha sido decomposto por águas subterrâneas.

Uma segunda hipótese é a de que o príncipe teria sido envenenado — segundo ela, a ideia de assassinato do filho pelo próprio tsar teria sido inventada por inimigos. Porém, os historiadores tampouco conseguiram confirmar ou refutar esta versão com base no estudo dos restos mortais. No corpo do herdeiro foram encontrados arsênico e mercúrio, mas em pequenas quantidades — o que pode ser explicado pela ingestão de medicamentos, e não por envenenamento.

Para responder à pergunta sobre o que realmente aconteceu entre Ivan, o Terrível, e seu filho em novembro de 1581, é necessário, portanto, recorrer a fontes escritas.

‘Mortalmente doente’

“Meu filho Ivan está passando mal e agora já ficou claro que ele está mortalmente doente”, escreveu sobre o próprio filho o tsar Ivan, o Terrível, em novembro de 1581 a Nikita Románovitch Zakhárin-Iúriev, um dos seus principais líderes militares. O tsar pedia então a Nikita que fosse urgentemente até sua residência em Aleksandrova Sloboda, 100 quilômetros a norte de Moscou.

Seis fontes históricas diferentes confirmam que, em novembro de 1581, o tsarevitch Ivan morreu em Aleksandrova Sloboda. Um contemporâneo dos acontecimentos, o escrivão Ivan Timofeev relatou por escrito: “Alguns dizem que sua vida foi extinta pelo golpe da mão de seu pai, por querer dissuadi-lo de algum ato desonroso". Também outras fontes confirmam que teria sido Ivan, o Terrível a matar o próprio filho com um bastão.

Muitas fontes históricas confirmam que o bastão era a arma favorita do tsar. Outro contemporâneo de Ivan, o Terrível, David Bélski, descreveu as brigas do tsar com o filho e confirmava que elas eram frequentes e que Ivan ocasionalmente golpeava o herdeiro com o bastão.

A história do suposto assassinato é descrita com mais detalhes pelo enviado do Papa, Antonio Possevino, em suas "Notas sobre a Moscóvia", escritas na Europa, já depois de ele retornar da Rússia, e publicadas em 1586. Em fevereiro de 1582, Possevino visitou Moscou, onde foi recebido pelo tsar, que estava, com toda a corte, de luto pelo tsarevitch Ivan.

Possevino descreveu o conflito da seguinte maneira: “Um dia, a terceira esposa do filho de Ivan estava deitada em um banco, vestida só de roupa íntima, porque estava grávida e não esperava visitantes. Inesperadamente, entrou o grão-príncipe de Moscou [o tsar Ivan, o Terrível]. Ela imediatamente se levantou para encontrá-lo, mas já não foi possível acalmá-lo [o monarca ficou furioso por ter sido recebido por uma mulher deitada e sem roupas adequadas]. O grão-príncipe bateu no rosto dela e depois bateu tanto nela com seu bastão que, na noite seguinte, ela teve um aborto espontâneo do menino que esperava. Naquele momento, o filho Ivan entrou correndo e começou a pedir para o pai não bater na esposa, mas isso só provocou a ira de seu pai, que começou a bater também nele. Ele foi gravemente ferido na cabeça, quase na têmpora, com o mesmo bastão. Antes disso, furioso com o pai, o filho o repreendeu com as seguintes palavras: ´Você prendeu a minha primeira esposa em um mosteiro sem motivo, fez o mesmo com a segunda esposa e agora está batendo na terceira para matar o filho que ela carrega no ventre´. Após ferir o filho, o pai imediatamente entrou em uma profunda tristeza e mandou chamar em Moscou os médicos Andrei Schelkalov e Nikita Románovitch [...]. No quinto dia, o filho morreu e foi trasladado para Moscou em luto universal."

É geralmente aceito que a briga teria ocorrido em 14 de novembro e que Ivan Ivánovitch teria sido morto em 19 de novembro de 1581.

Arrependimento do tsar

Um ano após a morte de seu filho Ivan, em 6 de janeiro de 1583, o tsar chegou ao maior e mais importante mosteiro do país, Lavra da Trindade de São Sérgio. Sua visita ocorreu durante um importante feriado ortodoxo, a Epifania. Após as missas, o monarca pediu confissão para o perdão de pecados.

Segundo os documentos do mosteiro, sabemos que o tsar estava desesperado. Ele “chorou e soluçou [...] fez seis reverências ao chão às lágrimas e soluços”. Ivan pediu então que se estabelecesse uma comemoração especial para seu filho: “para celebrar sempre, enquanto este santo mosteiro existir e até o final dos séculos”.

O pedido foi acompanhado de uma grande contribuição monetária. O tsar Ivan se arrependera — afinal, na festa da Epifania, segundo o Evangelho, João Batista (o patrono celestial do tsar Ivan, em cuja homenagem ele foi batizado) pregou o arrependimento: “Assim surgiu João, batizando no deserto e pregando um batismo de arrependimento para o perdão dos pecados.” (Marcos, 1:4).

“A conversa de Ivan, o Terrível, com os ‘stáriets’ [monges no mosteiro] foi de natureza de arrependimento; seus soluços foram causados pela consciência de sua culpa, e não apenas pela tristeza”, escreve o historiador Serguêi Chokarev, que estudou detalhadamente o conflito entre o tsar com seu filho.

Assim, é possível concluir que não há e não pode haver confirmação ou refutação exata do assassinato do filho por Ivan, o Terrível com um bastão — afinal, foi encontrada apenas a mandíbula inferior do crânio do príncipe.

Mas, com base em fontes escritas, Serguêi Chokarev escreve: “Podemos concluir que a morte do príncipe herdeiro foi o resultado de uma doença causada por um ferimento infligido por Ivan, o Terrível. Em termos jurídicos, a tragédia em Aleksandrova Sloboda pode ser qualificada como morte por negligência ou homicídio culposo”, conclui Chokarev.

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