A ‘outra’ descoberta das Índias: como Rússia e Grã-Bretanha lutaram pela Ásia Central; veja pinturas

Entrada das tropas russas em Samarcanda. Nikolai Karazin, 1888.

Entrada das tropas russas em Samarcanda. Nikolai Karazin, 1888.

Em uma rede de intrigas que foi apelidada de “O Grande Jogo” por um importante militar inglês, Londres temia que russos pudessem tomar controle de suas possessões na Índia, enquanto Rússia alimentava este pavor com todas as forças para manter os britânicos sob constante tensão.

O Império Britânico sempre protegeu com muito cuidado a principal fonte de sua riqueza e poder: a Índia. Londres reagia imediatamente a qualquer na região.

Assim, por exemplo, a tentativa do imperador russo Paulo 1º, juntamente com Napoleão, de realizar uma campanha militar na Índia em 1801 foi imediatamente interrompida pela Grã-Bretanha. Paulo acabou assassinado como resultado de uma conspiração organizada, segundo diversos historiadores, por agentes britânicos.

Nos conflitos russo-persas da primeira metade do século 19, a Grã-Bretanha apoiava Teerã, fornecendo-lhe apoio financeiro, enviando conselheiros militares e ajudando a modernizar o exército com novos equipamentos. No entanto, as guerras de 1804-1813 e de 1826-1828 foram bem-sucedidas para Rússia, que adquiriu territórios significativos no Cáucaso.

Na década de 1830, os russos ganharam posições no litoral oriental do Mar Cáspio e tentavam avançar o quanto podiam na Ásia Central, empreendendo uma campanha mal-sucedida contra o Canato de Khiva entre 1839 e 1840. Esses acontecimentos não passaram despercebidos em Londres.

Cossacos em marcha. Konstantin Filippov, 1851.

“Parece bastante certo que, mais cedo ou mais tarde, os cossacos e os sipais [soldados indianos que serviam ao exército britânico], os homens do Báltico e homens das Ilhas Britânicas se encontrarão no centro da Ásia”, disse o secretário das Relações Exteriores britânico, Henry John Temple Palmerston, em 1840. “Devemos garantir que esse encontro ocorra tão longe de nossas possessões indianas quanto for conveniente e seguro para nós.”

A essa altura, os britânicos já travavam uma difícil guerra contra o Afeganistão, que acabou em derrota para os ingleses. Uma das principais razões para a invasão foi a iniciativa afegã de estabelecer uma cooperação de longo prazo com São Petersburgo.

A cidade de Ghazni em 1839. Lieutenant James Rattray.

Assim, ambos os impérios foram arrastados para uma rivalidade geopolítica na Ásia Central e tentaram expulsar uns os outros da região sem entrar em conflito armado aberto e direto. Todos os métodos disponíveis foram usados: intrigas diplomáticas, espionagem, subornos de governantes etc.

O capitão do 6º Regimento de Cavalaria Leve de Bengala da Companhia das Índias Orientais, Arthur Conolly, apelidou este confronto de “O Grande Jogo”. O próprio Conolly se tornou vítima desse “jogo”: em 17 de junho de 1842, no território do Emirado de Bukhara, ele foi acusado de espionagem e decapitado.

A Rússia desenvolveu diversos planos de invasão da Índia britânica, mas os comandantes militares eram bastante céticos quanto à ideia de conquistar as colônias britânicas. Ao mesmo tempo, o governo russo acreditava que sua ameaça levava Londres a uma constante tensão.

“Para estar em paz com a Inglaterra e forçá-la a respeitar a Rússia, evitando uma ruptura das relações, é necessário que eles entendam que a segurança de suas possessões indianas é uma ilusão, que a Rússia pode recorrer a ações ofensivas contra a Inglaterra e que temos suficientes rotas através da Ásia Central”, escreveu o general russo Nikolai Ignatiev, em 1863.

Entrada das tropas russas em Samarcanda, em 8 de junho de 1868. Nikolai Karazin, 1888.

Em 1868, o Império Russo reforçou significativamente sua posição na região da Ásia Central ao estabelecer um protetorado sobre o Canato de Cocande e o Emirado de Bukhara, chegando à fronteira com o Afeganistão.

Londres suprimiu todas as tentativas de estabelecer qualquer tipo de aliança entre a Rússia e o Emirado do Afeganistão. Assim, logo após a visita da missão diplomática do general Nikolai Stoletov a Cabul, começou a Segunda Guerra Anglo-Afegã, em consequência da qual os afegãos perderam vários territórios e parte de sua soberania.

Gandamak, maio de 1879. Da esq. para dir.: o oficial britânico Jenkins, o diplomata britânico Cavagnari, o emir afegão Yakub Khan, o comandante-chefe afegão Daud Shah, o primeiro-ministro afegão Habibullah Khan.

Em 1885, a guerra latente quase se tornou um conflito armado real. A Rússia e o Afeganistão não conseguiam dividir o forte de Panjdeh (hoje, a cidade de Serhetabad, no Turcomenistão), que estava sob o protetorado britânico.

Em 30 de março, ocorreu uma batalha feroz entre as tropas russas e afegãs, que acabou com a derrota completa dos afegãos. Os diplomatas conseguiram evitar uma guerra direta entre Rússia e Grã-Bretanha mais uma vez. O forte Panjdeh permaneceu sob o controle da Rússia, enquanto o imperador Alexandre 3º prometeu não ameaçar a integridade territorial do Afeganistão.

Batalha em Kushka. François Alexis Roubaud, 1914.

Na década de 1890, os impérios começaram a dividir a cordilheira Pamir. Ambos os lados enviaram contingentes militares para a região. Pamir foi dividida entre o Afeganistão, a Rússia e o Emirado de Bukhara, que estava sob controle da Rússia.

No início do século 20, o Tibete se tornou o novo alvo das grandes potências. O confronto levou a uma invasão militar da região pelas tropas britânicas entre 1903 e 1904 e a conclusão do Tratado de Lhasa. Uma das premissas do documento era a de que o Tibete não poderia mais permitir as atividades de representantes de qualquer outra potência em seu território sem consentimento dos britânicos.

Ilustração da fuga de Thubten Gyatso, o 13º Dalai Lama, da invasão britânica.

Enquanto a Rússia e a Grã-Bretanha defendiam seus interesses na Ásia, o poder do Império Alemão crescia rapidamente na Europa. No início do século 20, o perigo potencial da Alemanha se tornou óbvio tanto para Londres como para São Petersburgo.

Em 1907, as partes celebraram uma convenção que visava resolver todas as questões controversas nas relações entre os dois poderes. Elas reconheciam os direitos do Império Qing sobre o Tibete e concordavam em não interferir em seus assuntos internos.

Naturais do Tibete Ocidental. Vassíli Vereschaguin, 1874-1876.

A Pérsia foi dividida em zonas de influência. A Grã-Bretanha comprometeu-se a respeitar os interesses russos no norte do país e a Rússia reconheceu o domínio de Londres no sudeste. Também foi criada uma zona neutra na qual ambos os lados receberam direitos comerciais e econômicos iguais.

A Rússia reconheceu o protetorado britânico sobre o Afeganistão e recebeu o direito de estabelecer laços econômicos e culturais, mas não políticos, com este emirado. As partes concordaram tacitamente em considerar o país uma barreira entre a Índia britânica e as possessões da Rússia na Ásia Central.

O “Grande Jogo” chegava ao fim. Os adversários de ontem se tornavam aliados e se concentravam no fortalecimento do bloco político-militar que passou a ser conhecido como Entente.

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