O mortal excesso de maquiagem feminina na Rússia Antiga

História
GUEÓRGUI MANÁEV
Nos tempos pré-petrinos, mulheres eslavas gostavam muito de cosméticos e usavam uma forte maquiagem que surpreendia os estrangeiros. Mas elas não sabiam que as tintas brancas e vermelhas que passavam na pele eram tóxicas e extremamente prejudiciais à saúde.

Bochechas manchadas com suco de beterraba, enormes sobrancelhas negras e um kokôchnik (a tradicional tiara russa) na cabeça: esta imagem de "antiga beleza russa" dominava os filmes soviéticos. Mas ela é verdadeira e falsa ao mesmo tempo.

Os kokôchniks, tiaras de casamento nórdicas, se popularizaram entre as mulheres russas só no final do século 18, mas quase nunca eram utilizados na Rússia moscovita. Assim, todas as imagens das mulheres da Rússia Antiga com esses adereços na cabeça não correspondem à verdade.

Além disso, o suco de beterraba e de frutos silvestres para realçar ou dar colorido às bochechas era usado só pelas camponesas, enquanto as mulheres ricas e nobres usavam cosméticos mais caros — mas não menos coloridos. As sobrancelhas também eram enegrecidas com o uso de antimônio, o que as tornava enormes.

Regras russas da cosmética feminina

A existência de cosméticos russos nos séculos 16 e 17 foi registrada em anotações de visitantes estrangeiros, impressionados com a beleza das mulheres russas — mas também com o excesso de maquiagem em seus rostos.

"Os rostos das mulheres são tão belos que ultrapassam os de muitas nações", escreveu o diplomata sueco Hans Eirman sobre as mulheres russas em 1669.

"As mulheres da Moscóvia têm uma estatura esbelta e rostos bonitos, mas a sua beleza inata é distorcida pelo excesso de rouge", escreveu outro europeu, Jacob Reitenfels, na década de 1670.

"Os seus rostos são redondos, os lábios projetados para frente, suas sobrancelhas estão sempre pintadas, e todo o rosto é pintado, porque todas elas usam pomadas. O costume de usar rouge não é considerado um hábito, mas uma necessidade. Se uma mulher não quiser pintar o rosto, é considerada arrogante, alguém que quer se distinguir das outras, porque se considera absurdamente bonita e bem vestida, mesmo sem maquiagem e enfeites artificiais", escreveu Reitenfels.

Existe um caso provado de uma mulher que se recusou a usar maquiagem e que é documentado por historiadores. Segundo o viajante estrangeiro Adam Olearius, que visitou Moscou ainda antes, na década de 1630, "a mulher do nobre boiardo e príncipe Ivan Boríssovitch Tcherkásski, de rosto muito bonito, a princípio não queria usar cosméticos".

"No entanto, ela começou a ser importunada pelas esposas de outros boiardos que queriam saber porque ela tratava com desprezo os costumes do seu país e desonrava as outras mulheres com a sua maneira de agir. Com a ajuda dos maridos, elas conseguiram que até esta mulher naturalmente bela fosse forçada a usar tintas brancas e vermelhas, por assim dizer, acender uma vela num dia claro de sol", lê-se nas notas de Olearius.

Ivan Tcherkásski era a segunda pessoa mais importante no país, atrás apenas do tsar, e desempenhava o papel de chefe do governo. Mas nem a altíssima posição permitia que sua mulher ignorasse a obrigação social nacional de se maquiar.

Os estrangeiros escreveram que as mulheres russas usavam cosméticos de cores muito vivas. "O rouge usado por elas é tão grosseiro dá para notar de longe", escreveu Reitenfels.

"Elas pintam tanto os rostos que se pode ver a tinta nas suas faces quase à distância de um tiro; é melhor compará-las com as esposas dos moleiros, porque parece que sacos de farinha foram batidos perto de seus rostos", escreveu ainda o diplomata e viajante inglês Anthony Jenkinson, no século 16.

Mas os cosméticos tinham o seu efeito. O poeta britânico George Turberville, que visitou Moscou no século 16, escreveu: "Usando maquiagem diariamente, elas alcançam o sucesso, põem tantas tintas que até o mais prudente será facilmente enganado se confiar em seus olhos".

Composição matadora: mercúrio, chumbo e arsênico

O rouge e outros itens antigos de maquiagem eram muito grosseiros e vivos porque eram produzidos a partir de substâncias químicas. Na época, as russas não sabiam que os cosméticos eram prejudiciais para a saúde e até mesmo mortais.

Até mesmo nas festas da alta nobreza, a iluminação nas salas era muito fraca, assim, as mulheres usavam essas maquiagem de cores vivas e contrastantes. À luz do dia, seus rostos pareciam caricaturais com esse tipo de maquiagem.

Para começar, as mulheres embranqueciam os rostos: "Nas cidades, os rostos das mulheres parecem ter sido polvilhados com farinha, e a tinta vermelha parece ter sido manchada com um pincel nas bochechas", escreveu o holandês Balthazar Coyet, que viveu em Moscou entre 1675 e 1676.

O cosmético para embranquecer o rosto é conhecido desde a Antiguidade. É a alvaiade, usado como ingrediente para tinta à base de chumbo, também conhecido como ceruse veneziano. Essa tinta foi descrita pela primeira vez por Plínio, o Velho, um naturalista romano do século 1. Segundo ele, a tinta era criada "pela ação de um forte vinagre sobre as minúsculas raspas de chumbo".

Essa tinta à base de chumbo cobria a pele de forma muito homogênea e lhe rendia a mais pura cor branca. Mas as mulheres que a usavam não sabiam que estavam passando carbonato de chumbo na pele, algo que envenenava o corpo.

"A febre, as dores de barriga que não passavam durante duas ou três semanas, as náuseas e as insônias eram explicadas pela comida estragada, mau-olhado ou feitiços. Mas, na realidade, eram 'cólicas de chumbo' provocadas pelo metal acumulado no corpo", escreve a historiadora russa, Marina Bogdánova.

“Elas parecem corujas”, escreveu o viajante tcheco Jiri David sobre as mulheres russas, que desenhavam com ajuda de maquiagem enormes sobrancelhas negras. Para pintar os cílios e as sobrancelhas, as mulheres russas usavam "surmá" ou "pó de brilho de chumbo", ou seja, um composto de chumbo e enxofre, que também agride a pele e a escurece.

Giles Fletcher observou que as moscovitas tinham uma "pele escura e doentia", e escreveu que isso acontecia porque as mulheres ficavam por muito tempo em casa sem sair durante os longos invernos russos. No entanto, segundo historiadores, sua pele escurecia devido ao uso constante de surmá e carbonato de chumbo.

O rouge, cuja cor era descrito por quase todos os estrangeiros, não era feito com suco, mas com cinábrio, ou seja, sulfeto de mercúrio. Hoje, os químicos devem trabalhar com o cinábrio protegendo-se em uma câmara de exaustão de gases, com luvas de borracha, óculos de proteção e uma máscara de gás, porque seus vapores são altamente tóxicos.

Na Rússia Antiga, porém, cinábrio era aplicado no rosto e nos cabelos como uma tinta brilhante. As mulheres também usavam mercúrio para suavizar a pele, e o cloreto de mercúrio era usado para criar cremes faciais.

O mercúrio é uma das neurotoxinas mais fortes, e a inalação regular de seus vapores leva a consequências neurológicas, tremores, insônia, perda de memória, dores de cabeça, fraqueza muscular e, em casos extremos, até à morte. No entanto, as russas usavam esse metal não apenas na pele, mas também para clarear os dentes.

Devido aos rostos brancos e brilhantes, os dentes de todas as mulheres pareciam mais amarelos. Além disso, as mulheres nobres adoravam açúcar e doces, as iguarias mais caras da Rússia Antiga, que causavam cáries.

Assim, antes do casamento, por exemplo, muitas mulheres costumavam clarear os dentes com mercúrio. Seis meses após esse procedimento, o esmalte dos dentes começava a se decompor.

Obviamente, ninguém sabia como tratar os dentes e, assim, para esconder dentes estragados, as mulheres começavam a escurecê-los com carvão (porque só quem tinha muito dinheiro podia tomar chá, e isso escurecia os dentes naturalmente; leia mais sobre este costume aqui).

O escritor russo Aleksandr Radíschev escreveu que, nas províncias russas, em famílias de comerciantes, esse método de esconder dentes ruins persistiu até o final do século 18: “Sua esposa Paraskóvia Deníssovna tem rosto branco, com bochechas rosadas. Os dentes parecem de carvão. As sobrancelhas são muito finas, mais negras que fuligem”, escreveu Radíschev em 1790.

Em sua busca pela beleza, as mulheres russas chegavam até a comer "arsênico branco", ou seja, anidrido arsênico, que agia como uma droga, aumentando o apetite, o humor, a eficiência e fazia os olhos brilharem intensamente.

Acumulando-se no corpo, o arsênico matava lentamente. Arsênico, chumbo e mercúrio foram encontrados em grandes quantidades nos restos mortais das rainhas russas do século 16 — por exemplo, nos cadáveres das esposas do tsar Ivan, o Terrível (1530-1584).

Além disso, as mulheres russas costumavam incutir nos olhos tinta de fuligem misturada com álcool. “Os russos conhecem o segredo de escurecer até o branco dos olhos”, escreveu Samuel Collins, o médico da corte do tsar Aleksêi Mikhailovich (1629-1676; também grafado como Aleixo da Rússia em português).

Muitos dos que viviam na Rússia pré-petrina entendiam que tais cosméticos eram prejudiciais à saúde. Jacob Reitenfels conclui sua descrição dos cosméticos russos assim: "Como retribuição à falsa beleza [...] aproximando-se da velhice, [elas] têm rostos cheios de rugas."

Mais a Leste

É curioso notar que o escurecimento dos dentes, olhos e sobrancelhas com antimônio e o uso do chumbo para embranquecer a pele eram tradicionais também para as mulheres da Mongólia e da China.

No texto “Meng-da bei-lu” (“Descrição completa dos mongóis-tártaros”, 1221, a obra mais antiga dedicada aos mongóis), escrito por um viajante chinês, lê-se: “As mulheres [mongóis] costumam pintar a testa com cal amarela. É um empréstimo de antigos cosméticos chineses e ainda permanece inalterado”.

Ao mesmo tempo, nas descrições de estrangeiros da Rússia Antiga antes da invasão de mongóis, não é feita nenhuma menção aos fortes cosméticos.

Assim, os historiadores supõem que as mulheres russas tomaram de empréstimo a moda de usar maquiagem forte da nobreza mongol-tártara, que, por sua vez, a havia adotado dos chineses da era Tang (séculos 7 a 10).

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