Como os bolcheviques promoviam o feminismo?

História
ALEKSANDRA GÚZEVA
O governo soviético sempre contou muito com as mulheres. Mas para que se tornassem verdadeiras edificadoras do comunismo, elas deveriam ser libertadas da vida patriarcal e da escravidão doméstica...

As manifestações de mulheres trabalhadoras que abalaram a Rússia no início do século 20 foram uma parte importante da Revolução Russa. Em parte, é por isso que a Rússia Soviética se tornou um dos primeiros países do mundo onde as mulheres eram completamente iguais em direitos aos homens.

Os bolcheviques perceberam que as mulheres eram um capital social importante e que precisavam ser direcionadas através da propaganda e da educação. Era importante erradicar as ideias de que as mulheres eram o “sexo frágil” e que deviam ficar em casa com os filhos, servindo os maridos na “escravidão da cozinha”.

Nos primeiros meses após a Revolução de 1917, foram adotados diversos decretos que igualavam os direitos das mulheres aos dos homens em salários e em questões de família e casamento. As mulheres tinham uma carga diária de trabalho de 8 horas e passaram a ter direito à licença-maternidade.

As mulheres e Lênin

O líder da revolução, Vladímir Lênin, defendeu pessoalmente os direitos das mulheres e, aparentemente, contava com o apoio delas. Ele apoiava as ideias de congressos e conferências de mulheres e também teve relações próximas com revolucionárias apaixonadas pelas ideias dos direitos das mulheres.

Em 1919, no artigo "O poder soviético e a posição das mulheres", Lênin escreveu: "Em dois anos, o poder soviético em um dos países mais atrasados da Europa fez tanto pela libertação das mulheres e por sua igualdade com o "sexo forte", quanto em 130 anos não fizeram as repúblicas mais avançadas, educadas e democráticas de todo o mundo todas juntas."

Ele também dizia que "a posição das mulheres não se tornou completamente igual [à dos homens] em nenhum lugar do mundo, em nenhum dos países mais avançados", referindo-se aos países burgueses e com propriedade privada.

Além disso, escreveu que nem mesmo Grande Revolução Francesa conseguiu lidar com esse problema e "não proporcionou igualdade total com os homens perante a lei, nem a liberdade da tutela e da opressão masculinas".

Departamento Feminino do Partido Comunista

Antes mesmo da Revolução, o Partido Bolchevique tinha uma comissão de informação e propaganda entre os trabalhadores e camponeses. Em 1919, foi criado no Partido Comunista o Departamento para o Trabalho com as Mulheres, conhecido entre os soviéticos como Jenotdel, cujo objetivo era "operar em conjunto com as mulheres trabalhadoras, a fim de educá-las no espírito comunista e atraí-las para a construção socialista", segundo se lê na Enciclopédia Grande Soviética.

A primeira chefe do departamento foi Inessa Armand, uma camarada de armas e, possivelmente, amante de Lênin. Ela organizava conferências de mulheres comunistas e lutava contra a visão tradicional de família entre as mulheres.

Ela foi substituída, em 1920, por Aleksandra Kollontai, outra revolucionária proeminente, primeira russa a ser ministra e diplomata. Ela lutou ativamente pela educação feminina, bem como pela propaganda entre as mulheres, para que soubessem da nova ordem e das novas condições de trabalho e distribuição de responsabilidades na família na URSS.

Além disso, o Jenotdel era responsável pela luta contra o analfabetismo entre as mulheres, organização de escolas partidárias, proteção dos direitos das mulheres, criação de decretos que regulassem esses direitos, propaganda entre as mulheres e departamentos partidários de mulheres em todo o país.

O Jenotdel criava comitês para ajudar soldados doentes e feridos do Exército Vermelho e, durante a Guerra Civil, organizou pontos de evacuação. As mulheres do Jenotdel cuidavam das crianças sem-teto, abriam internatos infantis e organizavam as cantinas públicas. No final da década de 1920, o Jenotdel contava com mais de 600 mil delegadas que organizavam os trabalhos do departamento em todo o país.

Sob o controle pessoal da esposa de Lênin, Nadejda Krúpskaia, começaram a ser publicadas revistas especializadas: "Trabalhadora", "Camponesa" e "Comunista". O objetivo das novas revistas era "atrair mulheres proletárias e camponesas para a luta pelo comunismo e para a construção soviética".

A distorção do feminismo e o fechamento do departamento

A complexa questão do trabalho com as mulheres gerava muita polêmica no próprio partido comunista. Os políticos soviéticos tentaram liquidar o Jenotdel diversas vezes, passando suas funções ao departamento de informação e propaganda.

Em 1923, no 12º Congresso do Partido Comunista, que já não contava com a presença de Lênin, já doente, os comunistas levantaram o tema da "distorção do feminismo".

“Esses desvios podem contribuir para a criação das sociedades especiais que, sob a bandeira da melhoria das condições de vida das mulheres, levariam, na verdade, à segregação da parte feminina do povo trabalhador e da luta de classes em geral”, dizia o bolchevique Piotr Smidovitch.

O segundo líder soviético, Ióssif Stálin, também discutiu a questão das mulheres muitas vezes, dizendo que elas eram as mais oprimidas entre os trabalhadores, que representavam mais da metade da população soviética e que deviam se tornar uma reserva de trabalho e apoiar a classe operária. Só assim seria possível derrotar a burguesia, segundo o ditador.

No entanto, no final da década de 1920, Stálin declarou que “a questão das mulheres havia sido resolvida completa e definitivamente” e ordenou o fechamento do Jenotdel. Ao mesmo tempo, os conselhos de mulheres permaneceram nas empresas.

Em 1941, foi criado o Comitê Antifascista das Mulheres Soviéticas, que continuou a funcionar após a guerra. Sua principal tarefa era mostrar aos convidados estrangeiros a igualdade de gênero na URSS.

Depois da Segunda Guerra Mundial, as mulheres, que haviam lutado contra os nazistas lado a lado com os homens e mostraram um heroísmo incrível, definitivamente não eram mais consideradas o “sexo frágil” na URSS.

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