Durante seus 82 anos de vida, Tolstói conheceu milhares de pessoas, desde rebeldes dezembristas (sobre quem ele concebeu um romance, que no final foi transformado no livro “Guerra e Paz”), artistas, escritores e revolucionários até camponeses comuns, com quem ele costumava passar o tempo na sua residência, em Iásnaia Poliana, onde criou uma escola para os filhos deles. Muita gente simplesmente ia visitá-lo porque queria conhecer aquela lenda viva.
“Eu sempre pensava que chegaria um momento em que se estudariam até os menores detalhes da vida e da personalidade de Tolstói. Pode ser que o futuro leitor precise de informações não só sobre Tolstói, mas também sobre seu círculo mais próximo, principalmente seus amigos e conhecidos”, escreveu o secretário do escritor, Valentin Bulgakov, que fez uma série de ensaios sobre amigos e seguidores de Tolstói.
Maksim Górki, o principal escritor proletário
O relacionamento de Tolstói com o jovem Maksim Górki (também grafado como Máximo Gorky em português) se desenvolveu no estilo de "uma reviravolta do amor ao ódio". A princípio, Tolstói ficou encantado com aquele "verdadeiro homem do povo" e escreveu em seu diário: "Gosto de Górki e Tchékhov, especialmente do primeiro". Tolstói gostava que Górki escrevesse sobre os vagabundos e pessoas perdidas como eles eram, inspirando amor por eles.
No entanto, mais tarde, Górki começou a irritar Tolstói. Quando Górki leu para Tolstói pela primeira vez cenas da peça "O Submundo", sobre abrigos para sem-tetos, o conde lhe perguntou: "Para que você está escrevendo isso? Afinal, uma coisa é mostrar essas pessoas, mas dedicar a obra inteira a elas é outra!". Além disso, Tolstói não gostava do ateísmo de Górki.
Tolstói ficou irritado com o incrível sucesso da peça, que o diretor russo Stanislávski montou no Teatro de Arte de Moscou. A peça ganhou popularidade também na Alemanha, e Górki fez uma turnê pela América. Então, Tolstói escreveu em seu diário: "Estou irritado com o fato de Górki estar dando entrevistas à imprensa americana e que na Rússia todo mundo escreve sobre ele."
Iliá Répin, o pintor
Répin e Tolstói se conheceram em Moscou em 1880. Naquela época, Tolstói já era muito popular e estava em uma "busca espiritual", ele próprio foi até a oficina do jovem pintor (Tolstói tinha 52 anos, enquanto Répin, apenas 36).
Répin escreveu mais tarde que o escritor falou com uma voz profunda e sincera sobre como as pessoas tinham se tornado indiferentes aos horrores da vida e estavam seguindo o caminho da depravação.
Répin se tornou um bom amigo de Tolstói, e costumava visitar a casa do escritor em Khamôvniki, em Moscou, para passear e conversar. As discussões entre eles eram constantes, especialmente sobre questões de arte. Répin pintou mais de 20 retratos e esboços de Tolstói.
Anton Tchékhov, escritor e dramaturgo
Tolstói e Tchékhov se conheceram no início da década de 1890, em Iásnaia Poliana. Ainda antes, Tchékhov já tinha se apaixonado por Tolstói e suas ideias depois de ler "Guerra e Paz".
Tolstói também gostava dos ascéticos contos de Tchékhov, e escreveu que o conto "A Queridinha" era uma verdadeira obra-prima. Nesse conto, a heroína era completamente envolvida pelos assuntos e preocupações de cada novo marido, adotava seus interesses e até o modo de falar. Tchékhov zombava de sua protagonista — mas Tolstói achava que esse era o verdadeiro ideal de uma mulher.
Tolstói até mesmo ajudava Tchékhov a publicar seus novos contos quando o último precisava de dinheiro.
No entanto, Tolstói odiava as peças de Tchékhov. "Você sabe que não suporto Shakespeare, mas suas peças são ainda piores", escreveu Tolstói a Tchékhov.
Tolstói ficava irritado com a falta de ação das personagens. “Onde você irá com suas personagens? Do sofá, onde se deitam, para o armário e de volta?", perguntava.
Mais tarde, Tchékhov também perdeu o interesse por Tolstói: “O moralismo de Tolstói deixou de me tocar”, escreveu Tchékhov ao editor Aleksêi Suvôrin.
“A guerra é má e o julgamento é mau, mas isso não significa que eu deva andar de lápti [os sapatos baratos russos de fibras trançadas que os camponeses usavam] ou dormir no fogão com um camponês e sua esposa”, escreveu Tchékhov sobre o conde.
Anatóli Kóni, advogado
Esta amizade era especialmente paradoxal. Tolstói era quase um anarquista, criticava a legislação e qualquer forma de poder, considerando-o uma violência. Um de seus amigos mais próximos, porém, era Anatóli Kóni, um advogado famoso, juiz e chefe do departamento de cassação criminal do Senado.
Certa vez, Kóni contou a Tolstói um incidente curioso, sobre como, durante o julgamento, um dos jurados reconheceu na prostituta acusada uma mulher que ele havia seduzido e abandonado.
Isso lhe despertou a consciência, ele decidiu ajudar a infeliz mulher, casar com ela e trabalhar para sua libertação. Essa história chocou Tolstói e se tornou a base do romance "Ressurreição", no qual o escritor trabalhou por mais de 10 anos e que ele próprio considerava como sua melhor obra.
Vladímir Tchertkov, secretário e líder do movimento ‘tolstoista’
Quando Tolstói experimentou uma reviravolta espiritual, na década de 1880, sua atitude em relação a muitas coisas mudou drasticamente. Em particular, ele ficou desiludido com a Igreja e com o casamento como uma união sagrada entre o homem e a mulher.
Sua posição em relação à propriedade privada também mudou, e ele tentou se livrar da riqueza, passou a vestir sua lendária camisa de camponês e a trabalhar na terra junto com os camponeses.
Além disso, ele decidiu abdicar dos direitos autorais de suas obras — o que causou um grande escândalo na família. Sua esposa, Sofia Andreievna, foi categoricamente contra a decisão, que significava que a família ficaria sem dinheiro e seus muitos filhos, sem herança.
Nesses impulsos, Tolstói foi zelosamente apoiado por seu admirador e assistente pessoal Vladímir Tchertkov, que tinha enorme influência sobre o escritor e até sugeriu que ele deixasse a família e fugisse. Começaram, assim, conflitos constantes entre Tchertkov e Sofia, que atormentavam Tolstói.
Tchertkov coletou os aforismos de Tolstói e compilou o "Código de Pensamentos", que Tolstói intitulou "Biografia do meu pensamento". Tchertkov era a única pessoa que podia visitar Tolstói a qualquer momento e que tinha permissão para editar os textos do escritor.
Tchertkov também se dedicou à publicação e distribuição dos tratados proibidos sobre a fé de Tolstói — devido aos quais o conde teve problemas com a polícia.
Além disso, Tchertkov é considerado o líder do movimento “tolstoísta”. Ele foi exilado, por ordem do imperador russo, para a Inglaterra, onde continuou a publicar as obras de Tolstói.
Aleksandra Tolstáia, a filha caçula
Tolstói tinha um relacionamento muito difícil com sua esposa, Sofia Andreievna. Porém, sua filha mais nova, Aleksandra era sua secretária pessoal, melhor amiga e pessoa mais próxima. Aleksandra dedicou toda sua vida ao trabalho do pai e à preservação de seu legado.
Foi ela quem fundou o museu em Iásnaia Poliana e da Fundação Tolstói, dos quais foi a primeira diretora. Quando os bolcheviques a prenderam por dissidência, ela foi salva dos trabalhos forçados na Sibéria por uma petição assinada pelos camponeses de Iásnaia Poliana.
Mesmo assim, no final da década de 1920, ela foi forçada a deixar a Rússia. Em 1941 ela se estabeleceu nos Estados Unidos.
Dusan Makovítski, médico de família
Nativo na Eslováquia, Dusan Makovítski, começou a se interessar pela filosofia de Tolstói antes de se tornar o médico pessoal do escritor russo. Makovítski traduziu os romances "A Sonata a Kreutzer" e "Ressurreição" para eslovaco e contribuiu muito para a publicação de várias obras de Tolstói no exterior.
Makovítski foi para Iásnaia Poliana em 1904 a convite da esposa de Tolstói, como médico pessoal, mas se tornou um amigo dedicado e assistente em muitos assuntos. Ele tratava não apenas os membros da família de Tolstói, mas também os camponeses locais.
Tolstói gostava de fazer longas caminhadas com Dusan e andar a cavalo — algo que fazia mesmo em idade avançada. Foi este médico eslovaco que Tolstói levou consigo em sua fuga secreta de Iásnaia Poliana, que acarretou em sua morte alguns dias depois na estrada, na estação ferroviária, também na presença de Makovítski.
Makovítski descreveu os dias passados com o grande escritor em seu livro "Notas de Iásnaia Poliana".
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