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“Comecei a sangrar!”, grita uma menina em uma aldeia, correndo para sua mãe. Em resposta, a mãe lhe dá um tapa na cara. A criança, obviamente, começa a chorar. Este era um brutal costume russo, que surgiu inspirado pelo folclore e pelas crenças populares.
Menstruação é "iniciação" da mulher
Os camponeses russos, entre os séculos 18 e 19, associavam o início dos ciclos menstruais com o surgimento de um poder vivíparo. A tradição do esbofeteamento era explicada pela necessidade de fazer o rosto das meninas corar e, assim, garantir que elas "sempre teriam cores", ou seja, menstruações, também chamadas de "sangues" ou "cores", em russo.
Segundo a historiadora Natália Mazálova, no século 19, na província de Smolensk, para preservar a capacidade reprodutiva de uma menina após a menarca, ela tinha que usar a camisa que sua mãe vestia quando de seu primeiro ciclo menstrual.
Os eslavos do sul, por exemplo, na Sérvia, seguiam um ritual ainda mais bárbaro: “para deixar a menina feliz e corada, após a primeira menstruação a mãe tinha que manchar a testa e as sobrancelhas da filha com sangue menstrual”. Mas os historiadores pouco sabem sobre a menstruação no interior da Rússia.
As famílias camponesas sempre precisavam de mão de obra. Assim, era preciso casar as meninas logo após a menarca, para que uma nova família fosse formada e produzisse novos trabalhadores o quanto antes.
Entre os séculos 18 e 19, mulheres educadas e ricas costumavam usar "cintos menstruais", enquanto as camponesas usavam trapos ou simplesmente prendiam a barra de uma camisa comprida entre as pernas.
O que era permitido e o que era proibido durante a menstruação?
O início da menstruação dava novos direitos às moças eslavas. No artigo “Ritos e crenças eslavas sobre a menstruação”, os historiadores Konstantin Chumov e Aleksandr Tchernikh escrevem que só após a menarca as moças passavam a ter o direito de usar roupas femininas, ou seja, saias ou aventais sobre as camisas.
Após a menarca, as moças passavam também a ter o direito de cumprimentar os adultos, participar das festas com outros jovens e escolher seu futuro marido.
A Igreja Ortodoxa, de acordo com o Antigo Testamento (Levítico, 15:19-33), declarava que as mulheres não tinham pureza durante a menstruação, e as proibia de ir à igreja, assim como beijar a cruz e os ícones.
Se a menstruação caísse no dia do casamento, ele era adiado ou era realizado apenas um rito na igreja, sem registro oficial. Durante esse rito, a noiva podia beijar a cruz apenas simbolicamente, sem tocá-la.
Na província de Pskov, segundo Natália Mazálova, o padre perguntava alegoricamente à noiva: “pinho ou abeto?” A resposta “abeto” significava que a menina estava menstruada e, assim, o padre lia uma oração de purificação antes do início da cerimônia.
Segundo as crenças populares, durante o período menstrual as mulheres tinham uma energia diabólica. Assim, nesse período elas eram proibidas de plantar, participar do trabalho no campo, tocar na farinha, na massa, nos grãos - caso contrário, elas estragariam esses produtos.
Também era proibida a presença de mulheres menstruadas em batizados, partos, funerais, casamentos ou até que elas fossem madrinhas de bebês. Em outras palavras, segundo as tradições russas, a mulher tinha que descansar e não fazer nada durante esse período.
Menstruação e magia
Mas a menstruação não era sempre considerada algo ruim e perigoso. Ela permitia que a mulher realizasse rituais mágicos, quase sempre pagãos. Segundo Konstantin Chumov e Aleksandr Tchernikh, "a percepção da menstruação como o foco da natureza feminina às vezes acabava sendo mais forte do que as proibições, superava o isolamento cultural, social e econômico de uma mulher".
Os eslavos da Polésia (território que atualmente se encontra entre Bielorrússia, Ucrânia e Rússia) acreditavam que as batatas deviam ser plantadas por mulheres menstruadas e, assim, a colheita seria melhor.
Na Sérvia, segundo os pesquisadores, uma mãe que quisesse que seu filho seguinte fosse do sexo masculino, tinha que pintar grãos de milho com seu sangue e alimentar um galo com eles, depositados diretamente em seu avental, durante a primeira menstruação após o parto; se ela quisesse que a próxima criança fosse menina, era necessário fazer o mesmo, mas com uma galinha.
O sangue menstrual era considerado uma poderosa ferramenta mágica. Algumas gotas de sangue na comida ou na bebida permitiam encantar um homem e fazê-lo se apaixonar pela mulher. Os camponeses acreditavam que uma pessoa, especialmente se criança, fosse manchada com sangue menstrual morreria em breve.
Muitos ritos mágicos visavam a aliviar a dor menstrual. Quase todos eles são desassociados do sangue em si, como substância impura, mas sim ligados à água que sobra após a lavagem da roupa suja. O truque mais popular era dividir essa água, que simboliza a menstruação, em várias partes e se livrar de todas elas, exceto uma parte pequena deixada "para si".
Na província de Níjni Nôvgorod, para aliviar a cólica menstrual, as mulheres, enquanto lavavam roupas, despejavam água do cocho com a palma da mão três vezes para a direita e três para a esquerda, acompanhando suas ações com as palavras: “Você, estranha, vá para a esquerda, e você, minha, para a direita.”
Na Sibéria, para evitar uma cólica forte, a feiticeira pegava uma panela com água após a lavagem das roupas e a despejava em lados diferentes no cruzamento das ruas. Havia também uma magia mais simples: simplesmente despejar essa água suja sobre uma bétula.
Outra maneira bem conhecida de amenizar a menstruação era usar de cavacos de madeira de barragens de moinhos ou portões de moinhos de vento - símbolos do "fechamento". As mulheres queimavam esses cavacos e depois bebiam as cinzas dissolvidas na água.
Também era proibido enterrar ou queimar as roupas com vestígios de menstruação ou derramar a água após a lavagem no chão - tudo isso levaria à infertilidade. A água suja tinha que ser despejada de volta na água de rios e lagos, enquanto as roupas sujas eram guardadas em lugares especiais para depois serem passadas às filhas e netas.
Também existia um feitiço diabólico para nunca ter filhos, e sua variante era conhecida na região de Smolensk, que era jogar uma camisa com vestígios de menstruação sobre um fogão ou pedras quentes e derramar água sobre ela, repetindo a frase: “Como este sangue é assado no fogão, serão assadas as crianças no meu ventre".