Quem já viveu dentro do Kremlin (e quando)?

História
SÓFIA POLIAKOVA
Hoje, apenas o Regimento Presidencial vive permanentemente dentro dos muros da fortaleza mais conhecida da Rússia. Mas, no passado, o Kremlin foi o principal bairro da capital.

O último residente permanente do Kremlin deixou o local em 1962. Desde então, não há mais apartamentos residenciais dentro da fortaleza. No passado, porém, o Kremlin era densamente povoado: seu território abrigava os aposentos de tsares, patriarcas, boiardos e as pessoas mais ricas e importantes da Rússia.

Mais tarde, os tsares foram substituídos por imperadores e secretários, e os boiardos foram substituídos por cortesãos e membros do partido comunista.

Palácios de príncipes e tsares, casas de boiardos e aposentos de patriarcas

As primeiras fortificações surgiram no local do atual Kremlin de Moscou em 1156. Elas foram construídas em torno das casas dos príncipes e suas pessoas mais próximas.

Os primeiros assentamentos foram localizados na colina Borovítski, onde fica hoje o portão com o mesmo nome. O pátio dos príncipes tinha vários edifícios separados, chamados de aposentos, e quase todos os membros da família principesca tinham suas próprias casas ali.

Edifícios de madeira começaram a ser substituídos por outros, de pedra, no século 14, após a construção do Kremlin de pedra branca pelo Grão-Príncipe de Moscou, Dmítri Donskoy (também grafado como Demétrio Donskoi de Moscou, em português).

O pátio dos príncipes começou a se transformar em uma verdadeira residência luxuosa após reestruturação radical do Kremlin por iniciativa do tsar Ivã, o Grande, em 1482.

Com o casamento de Ivã com a herdeira do último imperador bizantino, Sofia Paleóloga, Moscou herdou muitas tradições e símbolos de Bizâncio. Essa união e o novo papel de Moscou levaram à construção de uma residência que fosse digna de toda aquela herança cultural.

Assim, Ivã, o Grande, reconstruiu a própria fortaleza e erigiu várias igrejas, e os edifícios residenciais de madeira foram pouco a pouco substituídos por outros, de pedra.

O primeiro palácio de pedra construído ali não foi preservado, mas uma parte dele, chamada de "metade da princesa", se tornou a base do Palácio Terem, que até hoje faz parte do conjunto arquitetônico do Kremlin.

O Palácio Terem, construído para o primeiro tsar da família Romanov, Miguel, foi o primeiro edifício residencial de pedra da família real e continuou sendo a principal residência dos tsares até o final do século 17.

Além dos príncipes, tsares e membros de suas famílias, no território do Kremlin também viviam altos clérigos e boiardos. Entre 1653 e 1655, por ordem do Patriarca Nikon, foram construídas as Câmaras Patriarcais, nas quais Nikon vivia e recebia visitantes. Também foram construídas casas para nobres boiardos - e a mais famosa e bem preservada delas é Palácio Potéchni, construído para o boiardo Iliá Miloslávski, sogro do tsar Aleixo da Rússia.

O Kremlin de Moscou perdeu o status de residência oficial após a transferência da capital para São Petersburgo em 1712, por ordem do primeiro imperador russo, Pedro, o Grande. A nova capital ficava mais próxima da Europa e tinha acesso ao mar, assim, os convidados estrangeiros poderiam chegar à Rússia com maior segurança do que por estrada terrestre para Moscou.

O último edifício residencial construído no território do Kremlin foi o Grande Palácio do Kremlin. A construção começou por decreto de Nicolau 1º em 1837 e foi concluída em 1849. Até hoje, esse Palácio é a residência principal do presidente da Rússia, embora o presidente atual prefira viver em outras residências oficiais.

Após a transferência da capital, o Kremlin serviu de residência para a família real apenas durante suas raras visitas a Moscou, na maioria das vezes para coroações. Apenas o comandante do Kremlin e seu gabinete, funcionários com suas famílias, monges dos mosteiros locais e servos viviam permanentemente no território da fortaleza.

Dormitório dos bolcheviques

Em março de 1918, o governo bolchevique mudou novamente a capital para Moscou. Segundo historiadores, uma das razões para isso era a segurança, já que logo após a Revolução os bolcheviques não tinham apoio suficiente em São Petersburgo.

Lênin aprovou pessoalmente o Kremlin de Moscou como sede do governo. “Antes da Revolução, os funcionários do Kremlin viviam nos Edifícios da Cavaleria, em frente ao Palácio Potéchni. Todo o andar inferior era ocupado por um comandante do alto escalão. Agora, seu apartamento está dividido em várias partes. Eu e Lênin moramos aqui. Temos uma sala de jantar para todos [...] O relógio musical da Torre Spasskaia foi reconstruído. Agora, em vez de 'Deus Salve o Tsar’, o relógio toca ‘A Internacional’ a cada 15 minutos”, escreveu em suas memórias Leon Trótski, um dos principais líderes bolcheviques.

Em 1918, cerca de 1.100 pessoas viviam no Kremlin. No final de 1920, esse número subiu para 2.100. Os funcionários públicos soviéticos usavam os apartamentos do Kremlin gratuitamente.

A esposa do alto funcionário soviético Anastas Mikoyan, Nami Mikoyan, descreveu sua vida no Kremlin da seguinte maneira: "As antigas escadarias de mármore eram cobertas por um tapete vermelho com flores amarelas nas bordas [...] A vida no Kremlin parecia fechada de tudo. Vivíamos em uma ilha, não muito luxuosa, mas que parecia uma prisão muito confortável e silenciosa, cercada por uma muralha de tijolos vermelhos".

Os bolcheviques usavam o Kremlin como espaço habitacional não apenas devido à escassez de habitações em Moscou, mas também devido à segurança: “O Kremlin era completamente deserto. Havia guardas na entrada do Portão Borovítski. Somente membros do Politburo [Comitê Central do Partido Comunista] entravam e saíam do Kremlin sem parar. [...] Os membros das famílias dos funcionários que moravam no Kremlin tinham passes especiais - cadernetas com foto, nome completo e carimbos, assinadas pelo comandante do Kremlin. Na capa, estava escrito em relevo ‘Kremlin’. Os guardas conheciam pessoalmente todos que moravam no Kremlin”, escreveu Nami Mikoyan. Até 1955, os museus do Kremlin eram fechados para visitantes.

Em 1931, foi concluída a construção da Casa no Aterro, prédio perto do Kremlin projetado especialmente para os membros do governo e da mais alta nomenclatura soviética. Por anos a fio, os funcionários se mudaram, pouco a pouco, do Kremlin para esse prédio especial. O último morador do Kremlin, Kliment Voroshilov, um dos primeiros marechais da URSS, deixou o Kremlin em 1962.

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