O culto ou adoração ao urso é um fenômeno cultural peculiar que foi difundido na região do Transbaikal e de Amur. Ainda hoje é realizado pelos representantes de minorias étnicas que preservam seu estilo de vida tradicional.
O urso, um ancestral
Os evenques, khanti, mansi e muitos outros povos indígenas vivem na Sibéria. Atualmente, alguns continuam acreditando que cada pessoa tem seu próprio animal ancestral, que não apenas deu à luz sua família, mas também os acompanha por toda a vida. Esses animais eram comuns na região do seu habitat, graças ao qual as pessoas “sobreviviam” em situações difíceis. Um desses animais era o urso polar. Existem várias tradições associadas ao culto ao urso, que ainda são observadas em grupos étnicos menores.
Por exemplo, alguns evenques (povos indígenas da Sibéria Oriental) chamam o urso de “amikan” (avô, velho), “amaktchi” (bisavô), “ami” (pai) e outras palavras associadas à família. Uma das principais atividades dos evenques é a caça. Todo inverno, eles deixam suas aldeias e seguem para partes remotas da taiga. Apesar da sacralidade do urso, o animal também é alvo, sobretudo por sua valiosa gordura, que possui propriedades medicinais.
Mas os evenques acreditam que cada caçador só pode matar um número estritamente definido de ursos – e que se esse número for excedido, o caçador será punido por poderes superiores e ele próprio será privado da vida. Por isso, até o processo de matar o animal adquiriu características rituais. O caçador pede desculpas à fera e explica por que começou a caçada. A carne, às vezes, é armazenada para uso posterior, ou consumida pouco depois.
Após a caça, o urso recebe um funeral cerimonial. Seus ossos e cabeça são colocados em uma cabana especial de madeira, erguida na direção em que o urso caminhava antes de ser morto. Os evenques acreditam que, após esta cerimônia, o espírito do animal morto não os assombrará. Mais tarde, realizam um ritual chamado takamin (que significa, enganar o urso). Todos os participantes da caça compartilham a refeição com a carne do urso morto e desejam ao caçador que o matou boa sorte, saúde e grandes rebanhos de renas. O caçador é o último a começar a comer e os olhos do urso são pendurados diante de sua tenda.
Entre os buriates também havia um culto ao urso. Assim como os evenques, eles consideram a fera um membro da família e a chamam de babagai, palavra comum para os mais velhos. O folclore buriate deu origem às duas versões míticas mais comuns da origem do urso. A primeira sugere que o caçador se transformava voluntariamente em urso, por inveja e malícia dos que o cercavam. De acordo com a segunda, o homem tornava-se um urso por seus crimes: ganância, crueldade e zombaria. Combinando xamanismo e totemismo, os buriates acreditavam que o urso também era um xamã – o mais poderoso de todos.
Festival do urso
A manifestação mais marcante do culto ao urso é o festival do urso. Cada etnia tem sua própria lenda sobre as origens. Os evenques contam o seguinte: uma jovem que se encontrava na floresta caiu em uma toca de urso e passou o inverno ali dentro. Na primavera, ao voltar para casa, deu à luz um filhote de urso, que criou como filho, e depois casou-se e deu à luz um filho. Quando os irmãos cresceram, resolveram brigar e o homem matou o urso. Este, morrendo, disse a seu irmão como caçar e enterrar os ursos.
As lendas podem diferir, mas todas têm um traço comum: o urso escolhe uma pessoa a quem passa o conhecimento sagrado sobre a caça e o tratamento adequado aos parentes.
Para alguns povos indígenas, a festa coincidia com o sucesso da caça ao urso; para outros, era cíclico, ocorrendo em janeiro ou fevereiro. No primeiro caso, o ato central era uma refeição: a carne de um urso morto era consumida à noite, do início ao fim da festa, e um dos parentes do caçador comia a carne crua para ganhar a força, a sabedoria e os hábitos do urso. Entre pratos e mais pratos, havia danças, música e brincadeiras.
O festival comum não tinha relação direta com a caça: às vezes, era realizado como um funeral para um parente falecido cuja alma supostamente havia passado para o urso, e às vezes como um ritual em que a tribo agradecia e elogiava os espíritos.
Um filhote de urso era encontrado na floresta e criado em uma gaiola por três anos. A princípio, o animal era amamentado como um bebê e até mesmo chamado de filho.
Depois de três anos, o tutor do filhote de urso oferecia vinho aos espíritos da casa e pedia desculpas por não poder tomá-lo por mais tempo. Em seguida, junto com os convidados, ia até a gaiola: ele então seguia com o animal amarrado pelas casas, cujos donos o presenteavam com comida e se curvavam para que trouxesse prosperidade para seu lar.
O urso era depois sacrificado e esfolado em um local especialmente preparado, sua cabeça e pele eram trazidas para dentro da casa pela chaminé. Após o preparo, servia-se o jantar: carne de urso cozida, que era retirada do caldeirão com uma concha com a imagem do urso e servida em um prato especial de madeira. Depois da refeição, os ossos do urso eram recolhidos e entregues aos anfitriões com alguns presentes. Antes de terminar o banquete, os mais velhos sentavam-se a noite toda perto do crânio do urso e conversavam com ele.
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