Por que o povo nanai só começou a ter sobrenome em 1974?

Existem inúmeros fatos interessantes sobre o povo nanai. Por exemplo, seu outro nome era Pele de Peixe, porque usavam roupas feitas de escamas. Hoje em dia, uma vestimenta tradicional nanai como essa custaria de US$ 2.500 a US$ 4.000. Eis aqui outro fato interessante: quando um indivíduo nanai morre, é fabricado um avental cerimonial especial para ele, bordado com um padrão em forma de intestino; paralelamente, é feita uma pequena boneca de madeira como homenagem, e esta é “alimentada” por mais um ano depois da morte da pessoa. Sem falar dos curiosos sobrenomes nanai. Até hoje, existem só 30 deles.

Os nanai, assim como representantes de outros povos indígenas da Rússia, tornaram-se agora quase totalmente assimilados aos russos. Poucos conhecem, e menos ainda usam, a língua nanai no dia a dia. Mas continuam a ser os habitantes indígenas do Extremo Oriente, que viviam nesta terra antes de ser descoberta pelos chineses e depois pelos russos.

Quem são essas “pessoas da terra”?

Os pesquisadores ainda se dividem quanto à origem dos primeiros nanai. Alguns acreditam que os ancestrais dos nanai viviam originalmente na Manchúria (atual nordeste da China) e depois se mudaram para o baixo Amur e o vale do rio Ussuri. Outros, como o etnógrafo Lev Sternberg, defendem que o povo nanai surgiu por meio de uma mistura de diferentes tribos. Esta teoria foi confirmada por uma análise genética do povo nanai. Descobriu-se que diferentes clãs nanai são notavelmente distintos uns dos outros em sua composição étnica: alguns podem ser atribuídos à China, enquanto outros, aos turcos, mongóis ou tungues.

Embora a primeira menção de um assentamento nanai na Rússia remonte ao século 17, essas pessoas já viviam nestas terras por séculos. Literalmente, “nanai” significa “uma pessoa da terra”. Durante o período de colonização russa, eram chamados de “forasteiros” (naquela época, a palavra significava representante de qualquer grupo étnico que não o russo) e agora são oficialmente chamados de “povo minoritário”.

De acordo com o censo de 2010, existem 11.671 nanais vivendo na Rússia. Outros 4.600 acabaram na China após o Tratado de Pequim de 1860, que traçou a fronteira do Estado ao longo dos rios Amur e Ussuri e dividiu a área povoada por eles entre a Rússia e a China.

Um xamã com cachorro e uma alma roubada

Quando os russos chegaram ao Extremo Oriente, os povos indígenas se depararam com uma escolha: aceitar o domínio russo ou abandonar sua terra. Os nanai decidiram permanecer em seus territórios históricos. Atualmente, mais de 92% da população nanai da Rússia vive no Território de Khabarovsk; na cidade de Khabarovsk e em aldeias nas margens do Amur e do Ussuri, que ficam a cerca de quatro horas de viagem dali.

Os nanai receberam outro ultimato quando, na segunda metade do século 19, foram convertidos do paganismo para a Igreja Ortodoxa Russa. Na fé tradicional nanai, a natureza tinha alma, que podia ser contatada por meio de xamãs e com a ajuda de cachorros. Eles acreditavam que cães eram guias e ajudantes dos xamãs para encontrar almas “roubadas”.

As almas dos mortos eram cuidadas de maneira diferente. O falecido tinha um babador de enterro preparado para ele, bordado com um padrão em forma de intestino, para que a alma do falecido pudesse respirar e comer. No caixão, era colocada uma pedra aos pés do cadáver, presa aos seus calcanhares, para que o falecido não subisse às almas dos vivos. Com o mesmo propósito, o defunto era levado para fora de casa por uma abertura ou por uma janela, mas nunca pela porta, para que não encontrasse o caminho de volta para casa. Os nanai acreditavam que a alma do falecido “vivia” por um ano após sua morte em uma pequena boneca de madeira chamada ‘pane’. Todos os dias, a boneca era alimentada e, um ano depois, o xamã enviava a alma do morto para a vida após a morte. Até o final do século 19, os nanai enterravam seus mortos em “casas” sobre o solo. Foi somente na história mais recente que começaram a enterrar seus mortos no chão.

O traje tradicional nanai é composto por um roupão de amarrar e calças, que são bordados com padrões com algum significado: proteção contra espíritos malignos, desejo de boa saúde, boa caça etc. “Você vê este babador? Eu o fiz sozinha. Foi para espantar os maus espíritos. Quanto mais decorações de metal e quanto mais alto eles tilintarem, melhor. Antigamente, esses babadores eram usados por baixo das roupas, mas agora é costume usá-los por cima da roupa”, conta Elena, do vilarejo de Sikatchi-Alian.

Muitos nanai modernos praticam duas religiões simultaneamente. Eles vão à igreja, mas também fazem oferendas aos espíritos do rio “para trazer sorte” e, por precaução, deixam moedas na escultura ritual de Savan.

Como inventar um sobrenome para si?

Quando receberam passaportes soviéticos, os nanai tiveram que receber sobrenomes – pela primeira vez em sua história. Até 1974, o povo nanai nunca tinha tido sobrenomes. Quando a exigência de passaporte para todos os cidadãos soviéticos (com exceção dos militares) foi aprovada meio século após a formação da URSS, os nanai criaram sobrenomes para si usando a lógica. Como sobrenomes, eles adotaram os nomes dos clãs aos quais pertenciam. Assim, terminaram com um total de 30 sobrenomes: ‘Possar’, ‘Aimka’, ‘Digor’, ‘Nuer’ etc.

O maior clã é o ‘Beldi’, e seu representante mais famoso é o cantor Kola Beldi (1929-1993). A música ‘Te levarei à tundra’ (em tradução livre) rendeu-lhe o segundo lugar na competição principal do Festival Internacional da Canção de Sopot (Polônia), após o qual viajou por muitos anos, visitando 46 países. Suas letras descrevem a vida na tundra e o pastoreio de renas, embora os nanai nunca tenham vivido na tundra ou da criação de veados.

Os nanai nascem pescadores. Existem cerca de 140 espécies de peixes presentes no rio Amur. Não é à toa que até cinco meses do calendário nanai têm nomes de peixes.

O nanai no século 21

As moradias e a vida cotidiana dos nanai modernos diferem muito pouco dos tipicamente russos. Internet, eletrodomésticos, carros, motores para barcos, unidades portáteis de energia – tudo isso é usado pelos nanai, mesmo em aldeias remotas. A maioria, sobretudo jovens, vive não em aldeias, mas em cidades próximas, onde a etnia nanai é minoria.

“É bom ser um nanai em uma aldeia nanai e ir para uma escola nanai, mas poucos conseguem fazê-lo. Mas, quando você é o único nanai em uma escola, todos consideram um dever provocá-lo por causa disso. Havia até mesmo um insulto, do tipo: ‘O que você é, um nanai?’”, diz Leonid Sungorkin, presidente da Associação de Proteção à Cultura, Direitos e Liberdades dos Povos Indígenas da Região de Amur.

Até mesmo a pesca – o meio de subsistência tradicional do povo nanai e sua principal fonte de alimentação – está sujeita às realidades modernas. Na Rússia, a lei determina quais povos indígenas podem pescar e quanto. Para os nanai, a cota é de 50 quilos de peixe por pessoa por ano, ou 100 quilos, se a família tiver três ou mais filhos. Esse é um benefício que, segundo os nanai, não funciona na prática. Os que vivem nas cidades não são atendidos: não possuem barco, rede, são idosos ou têm emprego e não têm tempo para pescar. Também não está prevista compensação financeira para quem não esgota a cota de pesca.

“Além disso, o povo nanai tem direito à madeira para construir uma casa. Mas essa também é uma história complicada, porque eles recebem um pedaço de floresta em algum lugar distante e devem limpar a taiga, cortar as árvores, preparar o terreno, transportar toda aquela madeira e só então construir uma casa. Isso é irreal”, diz Sungorkin.

Ainda assim, alguns conseguiram se beneficiar de sua origem. Nos anos 2010, começaram a desenvolver o etnoturismo, transformando a cultura nanai em atração turística.

“As viagens aos assentamentos nanai estão se tornando cada vez mais populares. Nós oferecemos pacotes desde 2016 e a demanda não caiu desde então. E as pessoas vêm de todos os lugares – da nossa região e das regiões vizinhas e até mesmo de Moscou [que fica a 8.240 km de Khabarovsk] e outras partes ocidentais da Rússia”, diz Olga Pomitun, da agência de viagens Voyage, com sede em Khabarovsk.

Em visita a uma aldeia nanai, os turistas podem tentar o tiro com arco e alguns jogos locais, aprender a cozinhar pratos tradicionais, prová-los, e comprar artesanato.