O Museu Estatal de Belas Artes Púchkin, em Moscou, é uma das maiores coleções de arte mundial na Rússia. No entanto, ele quase fechou e foi transformado em museu dedicado ao líder soviético Iôssif Stálin. Isso ocorreu no final da década de 1940, quando uma exibição de presentes para o líder soviético foi organizada no museu, substituindo a maior parte da exposição. Mas, ao contrário de outras exposições temporárias, a duração desta não foi definida.
Depósitos cheios
Durante a Segunda Guerra Mundial, muitos objetos do museu foram evacuados. Uma bomba atingiu o telhado e vários salões sofreram com a falta de aquecimento central. Já em 1946, porém, quando todos os tesouros das artes foram devolvidos ao prédio, o museu foi totalmente restaurado e aberto ao público.
Após a guerra, o Museu Púchkin passou a abrigar um grande número de objetos capturados do inimigo na Alemanha, de pinturas e tapeçarias a móveis, cerâmicas e esculturas, especialmente obras-primas da coleção da Pinacoteca dos Mestres Antigos de Dresden.
Além disso, em 1948, como parte da campanha "anti-cosmopolita", as autoridades soviéticas fecharam o Museu de Nova Arte Ocidental e parte de sua coleção foi entregue ao Museu Púchkin. A coleção era composta de obras-primas de valor inestimável reunidas antes da Revolução Russa pelos comerciantes Serguêi Schukin e Ivan Morôzov, dentre as quais estavam pinturas de impressionistas, pós-impressionistas e modernistas, como Claude Monet e Renoir, assim como Matisse e Picasso. Não havia quaisquer planos de expor essas obras "nocivas".
O museu não conseguia lidar com o fluxo de obras: ele estava literalmente abarrotado com todos os tipos de obras de arte. Seus funcionários não conseguiam fazer um inventário completo e maravilhas da arte ficavam escondidas no aperto dos depósitos.
Algumas pinturas não reconhecidas de mestres ocidentais chegaram até a ser enviadas para decorar escritórios de funcionários públicos. Móveis tomados como espólio da Segunda Guerra Mundial às vezes eram usados para fins funcionais em departamentos de ciências e outros locais de trabalho.
Em 1949, uma comissão do governo foi ao museu organizar uma exposição de presentes a Iôssif Stálin em seu 70º aniversário. Muitos funcionários do museu foram obrigados a participar da tarefa. Mas, inicialmente, 30 funcionários deles foram demitidos porque não passaram na inspeção dos órgãos de segurança do Estado.
Mudança rápida de cenário
Homens uniformizados começaram a retirar tudo dos salões centrais do museu e, em pouco mais de dois dias, cerca de 1.500 objetos foram recolhidos de 12 salões — pinturas de mestres franceses, holandeses, italianos e outros ocidentais, assim como os famosos moldes de escultura e arquitetura da antiguidade, que também foram mandados para o depósito.
Muitos anos depois, o funcionário do museu responsável por pesquisas científicas Aleksêi Petukhov encontrou participantes deste processo. Uma das funcionárias lembrou-se de como chegou com um colega chegaram ao salão que abrigava arte italiana, já esvaziado, e ambos começaram a chorar, extenuados.
No tempo recorde de apenas uma semana, foram instaladas construções de compensado para a exposição de presentes de Stalin. O pórtico clássico do museu foi coberto por um retrato gigante do líder soviético. Ironicamente, a sala atrás dela guardava as obras-primas de Picasso que nunca tiveram chance de ver a luz do dia.
Ao mesmo tempo, a exposição foi construída em desacordo com as normas de segurança contra incêndio: havia pilhas de objetos e tecidos inflamáveis, os corredores estavam bloqueados e o sistema elétrico estava sobrecarregado.
Museu dentro do museu
A exposição tinha de tudo: tapetes e painéis com figuras bordadas de Stálin e seus camaradas, cerca de 1.000 estátuas do líder, entre elas esculturas em carvão antracito feitas pelos mineiros da Silésia. Também havia vasos, tecidos, porcelanas e até balas e guloseimas de comunistas de todo o mundo (muitos já estavam podres e tinham vermes, mas ninguém se atrevia a jogar fora as homenagens ao “vójd” Stalin).
Olga Nikityuk, que era funcionária do museu naquela época, contou a Petukhov posteriormente que especialistas em arte ocidental tinham que realizar visitas guiadas a retratos de Stálin feitos em grãos de arroz, carvão e metal. O texto do passeio tinha sido aprovado por organizadores no Kremlin e precisou ser decorado. Não era possível mudar uma vírgula sequer: tudo era rigorosamente monitorado e os funcionários podiam ser demitidos pela menor infração.
Além disso, a equipe do museu tinha que manter a ordem perfeita dos objetos, como a mesa presenteada pela Tchecoslováquia, por exemplo, cheia de objetos, que apresentava defeito.
O prédio do museu estava sob constante vigilância e os serviços de segurança levaram até mesmo cães de guarda para o prédio.
Quase 4 milhões de pessoas visitaram a exposição. Mas o próprio Stálin nunca apareceu. A exposição não tinha prazo para terminar, e até mesmo após a morte de Stálin, em março de 1953, ninguém pensou (ou ousou) desmontá-la.
Um dia, no verão em 1953, no entanto, quando os funcionários do museu chegaram para trabalhar pela manhã, o enorme tapete turcomano com retratos de membros do Politburo (na foto abaixo) não estava lá.
Em um prédio tão bem protegido, não poderia ter havido um roubo ou perda acidental daquela peça. O que ocorreu é que o tapete tinha a imagem do camarada mais próximo de Stálin, o poderoso ministro do Interior Lavrênti Beria, que tinha sido preso. Logo a exposição inteira seria desmontada para sempre.
Após a desmontagem, itens que tinham pelo menos algum valor artístico ou cultural foram distribuídos por outros museus de Moscou. Alguns permaneceram no Museu Púchkin, outros foram para o Museu da Revolução, o Museu Lênin e o Museu de Moscou.
Por exemplo, uma motocicleta Yava doada pelos tchecos, trilhos, britadeiras e outros objetos de engenharia foram enviados ao Museu Politécnico, por serem itens ligados à história do progresso técnico.
Já em 25 de dezembro de 1953, o Museu Púchkin abriu exposições de arte e cultura do Antigo Oriente, Antiguidade e Europa Ocidental (do século 4 antes de Cristo ao século 20 depois de Cristo). Até as obras dos impressionistas finalmente viram a luz do dia.
Mais tarde, após uma restauração geral, o museu também organizou uma exposição de despojos de guerra artísticos e obras-primas do Museu de Arte de Dresden (Pinacoteca dos Mestres Antigos de Dresden). A obra-prima de Rafael Madona Sistina, foi exibida pela primeira e última vez na Rússia, antes de retornar à Alemanha.
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