Ainda durante sua infância, Nadia Léger foi apelidada de “Nadia, a cossaca” por seu espírito ousado e bravura. Nascida como Nadia Khodasevich em 1904, ela vinha de uma família pobre, em um vilarejo nos arredores de Vitebsk. Seu pai era vendedor de vodca e a mãe, que criou nove filhos, era tecelã.
Mas a família era bastante camponesa: Nadia se lembrava de passar dias inteiros na horta, colhendo batatas. À noite, porém, ela desenhava: a menina era talentosa e, ainda criança, tinha ambição de se tornar artista.
Destino: Paris
Na adolescência, um artigo de jornal sobre Paris chamou a atenção de Nadia. Ele apresentava a cidade como a “Meca” dos artistas. Isso a levou a decidir fugir de casa e ir de carona até Paris. Mas ela foi reconhecida já na estação de trem seguinte à de sua aldeia e foi mandada de volta para casa.
Nadia Léger.
Nathalie Samoïlov (CC BY-SA 4.0)No início da Primeira Guerra Mundial, a família se mudou muito e Nadia se iniciou nas artes uma aula no campo. Aos 15 anos, ela fugiu novamente. Desta vez, foi para Smolensk, onde “workshops artísticos estatais gratuitos” estavam na moda.
Um desses workshops acolheu imediatamente a talentosa jovem autodidata. Por um período considerável, ela viveu a “pão e água” e, até que seus professores lhe dessem um lugar para dormir, usou um velho vagão nos trilhos de reserva da estação de trem como moradia.
Os primeiros trabalhos de Nadia eram puramente abstratos. Depois de conhecer Kazimir Malievitch, no entanto, ela fez uma transição para o suprematismo. Mais tarde, depois de passar a uma artista de vanguarda, mudou-se para a Europa, começando pela Polônia, mas sempre sonhando com Paris.
Nádia Léger. Suprematismo, 1972-1973.
Museu de Belas Artes PuchkinLembrando-se das raízes polonesas de seu pai, ela se converteu ao catolicismo, usando sua condição de refugiada para se estabelecer em Varsóvia, em 1921. Ali, seu objetivo era passar na seleção e ser admitida na Academia das Artes.
Mas isso não mudou suas condições de vida: primeiro, ela tinha um lar adotivo, depois passou uma temporada como babá e, mais tarde, quando começou os estudos, foi modista em um ateliê de chapéus.
Ela sempre se destacou não só pela coragem e sede de aventura, mas também por uma fenomenal capacidade no trabalho. Mais tarde, ela contou que precisava de apenas uma hora de sono quando criança, sem se sentir cansada no dia seguinte.
O sonho que vira realidade
Um novo capítulo na vida futura de Nadia foi a tão esperada mudança para Paris. Seu primeiro marido, Stanislav Grabovski, também foi aluno da Academia. Ele vinha de uma família rica e o jovem casal não precisava de nada em Paris.
Em 1942, o casal se matriculou em outra academia de artistas, fundada pelo herói e futuro marido de Nadia, Fernand Léger. Mais tarde, ela contou ter lido sobre ele pela primeira vez em um jornal, na virada do século, quando ela deixava o suprematismo ainda não sabia quais seriam seus próximos passos nasartes. Foi justamente a estética visual de Léger - sua ideia do retorno à forma - que a lhe deu uma nova base para trabalhar.
Fernand Léger.
Legion MediaEm Paris, Nadia não só estudava, como também fazia amigos no mundo da arte e vendia suas obras imediatamente — o que logo resultou em uma renda substancial. Seu marido não teve tanto sucesso e isso levou a discussões entre os dois, terminando em divórcio.
Nadia ficou com uma filha pequena e voltou a pegar no batente de subempregos: primeiro, ela foi empregada em um balneário onde, antes, costumava ficar hospedada. Mas, apesar das circunstâncias, ela continuou a estudar e conseguiu até achar tempo para usar seus escassos ganhos para publicar uma revista sobre arte moderna.
Em 1939, às vésperas da Segunda Guerra Mundial, Fernand Léger ofereceu à talentosa estudante um emprego como seu assistente pessoal. Mas a união criativa foi adiada pela guerra. Léger, que era membro do partido comunista da França e aparecia regularmente nas listas negras dos fascistas, emigrou para os Estados Unidos e voltou apenas em 1945.
Nadia, porém, permaneceu em Paris. Influenciada por Léger, ela também se alistou no partido comunista e passou à clandestinidade quando a guerra estourou, trabalhando para a Resistência Francesa. Mais tarde, ela chegou até a alegar ter uma arma, embora seu trabalho principal na política fosse criar material de propaganda.
Fernand Léger. Retrato de Nadia Léger, 1948.
Museu de Belas Artes PuchkinApós o retorno de Léger, Nadia finalmente pôde ficar ao lado dele. Ela também continuou a criar. Seu gênero favorito era a pintura de retratos, que assumiu o estilo do expressionismo do pós-guerra visto nas obras de David Siqueiros.
Em 1951, a esposa de Léger morreu, aos 30 anos. Um ano depois, ele pediu a mão de Nadia. Na época, ele já tinha 70 anos, enquanto Nadia era 20 anos mais nova. Leger passou seus últimos anos junto com Khodasevich - que então passou a se chamar Khodasevich-Léger.
O artista francês morreu em 1955, e seu casamento com Nadia durou apenas três anos. Mesmo assim, Fernand afirmou que nunca fora mais feliz. Já Nadia ficou com uma herança considerável e deixou para trás os dias de miséria.
Além do dinheiro e de várias casas, Léger deixou um legado artístico colossal, com o qual Nadia criou um museu no sul da França, em Biot, onde, pouco antes da morte de Fernand, a família comprou uma pequena casa de campo.
Fernand Léger. Reading (retrato de Nadia Léger), 1949.
Museu de Belas Artes PuchkinNadia passou o resto da vida popularizando a arte de Léger, inclusive na URSS — país onde ele era amado por sua visão de mundo esquerdista.
Nádia na URSS
Nádia Léger, 1964.
Reporters Associes/Gamma-Rapho/Getty ImagesImediatamente após a guerra, Nadia se alistou na União dos Patriotas Soviéticos, que reunia emigrantes russos na França. Em 1945, nessa maemsa união, ela iniciou uma exposição beneficente composta por artistas contemporâneos - incluindo Léger, Braque e Picasso - para arrecadar lucros para ex-prisioneiros de guerra soviéticos.
Após a morte do marido, graças a sua relação com a elite do partido comunista francês, ela estabeleceu laços com “colegas” russos, entre eles, a ministra da Cultura, Ekaterina Furtsova.
Em 1959, ela visitou a União Soviética pela primeira vez para começar a promover ativamente o intercâmbio cultural entre os dois países. Isso construiu sua sólida reputação durante os anos do Degelo, e a sociedade russa passou a ver de forma positiva trabalho.
Da esq. para a dir.: Nadia Léger, ministra soviética da Cultura, Ekaterina Furtseva e a bailarina soviética Maia Plisetskaia, em Moscou, em 1968.
Aleksandr Konkov/TASSEm 1963, Nadia realizou sua primeira exposição monográfica na Rússia, composta pelas obras de Léger, que mais tarde teria ainda mais exposições. De volta ao Ocidente, ela continuou a promover escritores e diretores de cinema russos (entre eles, Konstantin Simonov, de quem era amiga íntima).
Em 1972, Nadia foi condecorada com a Ordem da Bandeira Vermelha do Trabalho “por sua contribuição ao desenvolvimento da cooperação franco-soviética”.
O Museu Nacional de Artes da Bielorrússia contém muitas obras de Nadia Léger, que ela doou para lá em 1967. Além disso, os museus do Kremlin contêm uma coleção de joias de ouro, platina e diamante da artista, doadas em 1976.
Nádia Léger. Broche Lune. 1970.
Museus do Kremlin de MoscouAlém disso, seus mosaicos estão em Dubna, na região de Moscou: eles foram usados para enfeitar vielas próximas aos dois centros culturais locais dessa cidade científica. Os mosaicos são uma série de retratos de importantes cientistas e figuras culturais russas.
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