Os museólogos que salvaram as joias tsaristas do Ocidente (FOTOS)

Museus do Kremlin de Moscou; Gokhran da Rússia; Shakko (C BY-SA 4.0); Getty Images
Funcionários de museus arriscavam a própria vida tentando impedir que tesouro fosse tirado do país por meio de transações duvidosas.

Depois de estabelecer o poder soviético e finalizar a Guerra Civil, os bolcheviques precisavam recuperar a economia do novo país, assolado pela fome, pobreza e devastação da guerra. Assim, na segunda metade da década de 1920, iniciaram-se as “vendas de Stálin”: a comercialização de tesouros artísticos do Império Russo para o Ocidente.

Dentre essas preciosidades, estavam coroas de tsares, diamantes, ovos Fabergé, ícones religiosos e pinturas de antigos mestres e impressionistas de museus russos — inclusive do Hermitage, o principal museu russo, localizado na capital imperial, São Petersburgo. Tudo isso era vendido literalmente às baciadas a milionários nos Estados Unidos e na Europa.

Coroa Nupcial Imperial. Década de 1890.

No entanto, os funcionários de museus lutaram bravamente e conseguiram salvar e preservar muitos itens importantes. Um deles foi Dmítri Ivanov, diretor da Câmara do Arsenal, um dos museus integrantes do Kremlin de Moscou.

Nacionalização dos tesouros

Os emblemas imperiais, joias e itens preciosos da família Românov foram evacuados de São Petersburgo para o Kremlin de Moscou no início da Primeira Guerra Mundial, devido ao perigo de um ataque alemão à então capital do império.

Após a Revolução de 1917, foi constituído um departamento de museus no Comissariado do Povo para a Educação (equivalente a Ministério da Educação), que tinha uma seção de proteção à arte e às antiguidades. Dmítri Ivanov, funcionário do departamento, foi enviado ao Kremlin para proteger as joias.

Ivanov era descendente de uma família nobre e estava rodeado de objetos de arte e antiguidades desde a infância. De volta à Rússia tsarista, ele recebeu uma educação clássica, formou-se na Universidade de Moscou, tornou-se advogado e trabalhou no Ministério da Justiça.

Mas ele sempre se interessou pela preservação de tesouros culturais. Quarenta anos antes da fundação da Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura  - órgão que se encarrega, entre outras coisas, da salvaguarda do patrimônio cultural), Ivanov já conclamava a comunidade internacional a introduzir uma lei para a proteção de obras de arte.

Ivanov considerava uma perda imensurável aquela dos tesouros culturais por diferentes países durante guerras e revoluções.

Dmítri Ivanov faz inventário de itens clericais.

Após a Revolução, Ivanov decidiu ficar na Rússia e se ofereceu para trabalhar no Comissariado do Povo para a Educação, com o intuito de promover a proteção de locais históricos e artísticos.

Na época, estava proibido pelo governo retirar essas joias e outros tesouros, que foram nacionalizados. Obras de arte e tesouros clericais, assim como metais e pedras preciosas foram recolhidos por todo o país.

Em 1920, foi criado o Fundo Estatal de Metais e Pedras Preciosas (Gokhran), que tinha o objetivo de centralizar todos os tesouros nacionalizados. Uma de suas principais metas era preparar essas relíquias para exportação, a fim de fortalecer a economia do país.

Funcionários do Gokhran posando com as joias dos Românov.

Em 1922, Dmítri Ivanov tornou-se chefe da Câmara do Arsenal, o museu especial do Kremlin de Moscou para esses tesouros. Ali, ele conseguiu permissão para que os funcionários da Câmara revisassem os objetos do Fundo Estatal de Metais e Pedras Preciosas.

Câmara do Arsenal do Kremlin de Moscou.

“De manhã até a noite, a um ritmo frenético, separávamos centenas de itens em apenas um dia: eles eram das mais diversas qualidades, desde os melhores do mundo até os mais insignificantes. Tínhamos apenas alguns segundos para definir seu destino e importância…”, escreveu Ivanov em um relatório.

Emblemas da coroação dos tsares russos.

Dos 80 mil itens do Fundo Estatal de Metais e Pedras Preciosas, Ivanov e sua equipe tinham que selecionar os mais importantes e, principalmente, convencer o governo que eles deviam permanecer no país e ser exibidos ao público, como se fazia com os emblemas reais na França e Inglaterra, por exemplo.

Coroa de Anna Ioannovna.

Graças a Ivanov, muitos tesouros do Império Russo permaneceram no país, alguns deles foram exibidos na Câmara do Arsenal e outros, mais tarde, formaram um departamento especial no museu: o Fundo de Diamantes.

Ivanov também conseguiu preservar milhares de relíquias da Igreja e criar uma nova exposição permanente para elas na Câmara do Arsenal. Ele continuou buscando por vários artefatos em lojas de antiguidades e às vezes até em fundições.

Diamante

Sem roubar, vender ou esconder

Em 1924, Ivanov foi preso sob acusações forjadas por alguns contrarrevolucionários de museus. No entanto, sua libertação foi providenciada por Natália Sedova, chefe do departamento de museus do Comissariado do Povo para Educação e mulher de Leon Trotsky. Logo depois, Trotsky e Sedova foram forçados a fugir do país.

Funcionários de embaixadas estrangeiras visitam a coleção de joias dos Românov do Fundo Estatal de Metais e Pedras Preciosas.

A política artística estatal promoveu, na época, a demolição de monumentos e igrejas do Kremlin. A notícia dessa destruição acabou por causar um derrame em Ivanov. Ele deixou o cargo de diretor da Câmara do Arsenal, mas continuou trabalhando ali e fazendo o possível para salvar os tesouros de serem tirados do país por meio de vendas.

No entanto, depois dos expurgos de “elementos contrarrevolucionários” em instituições culturais, o governo continuou com seu plano de salvar a economia com a venda de joias tsaristas. O Fundo Estatal de Metais e Pedras Preciosas precisou revisar a coleção da Câmara do Arsenal e encontrar itens que não tivessem interesse aos museus e somassem 30 milhões de rublos ao todo para serem vendidos no estrangeiro.

Convidado estrangeiro no Fundo Estatal de Metais e Pedras Preciosas experimenta a Coroa Imperial Russa e segura emblemas tsaristas — o cetro e o orbe.

“Não roubei, não vendi, não negociei, não escondi os tesouros da Câmara, mas havia um caos na papelada, muitos desencontros e erros”, lia-se em um bilhete encontrado na mesa de Dmítri Ivanov após sua misteriosa morte, em 1930. Pelo tom desesperado, muitos pensaram que ele havia cometido suicídio devido às ações bárbaras dos expurgos.

Ícone de Nossa Senhora de Vladímir, do século 18, da coleção dos Museus do Kremlin de Moscou.

No dia seguinte após a morte de Ivanov, 100 objetos de prata francesa foram retirados pelo Fundo Estatal de Metais e Pedras Preciosas, inclusive aqueles que ele tinha conseguido salvar. Em junho de 1930, foram apreendidos mais de 300 objetos de antiguidades e 11 ovos de Fabergé.

Ovos Fabergé “Mosaico” e “Cesta de flores silvestres”, vendidos na década de 1930 para a família real britânica.

Durante os cinco anos seguintes, os bolcheviques continuaram apreendendo e vendendo itens preciosos da Câmara do Arsenal. No entanto, a maioria dos tesouros tsaristas salvos por Ivanov permaneceu na Rússia e, mais tarde, passaram a compor a coleção do Fundo de Diamantes do Kremlin.

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