“Não me atrevo a vencer, vou tentar enganar”, respondeu o comandante-em-chefe do exército russo, Mikhail Kutuzov, quando questionado sobre como derrotaria Napoleão, cujas tropas tinham invadido o Império Russo, em junho de 1812. O comandante russo se tornou famoso por sua astúcia militar, capacidade de enganar o inimigo e de agir furtivamente.
Antes de se tornar “a velha raposa do Norte”, como Bonaparte o chamou, Kutuzov foi um jovem militar destemido que era sempre o primeiro a correr para o ataque nos conflitos militares. Essa coragem quase lhe custou a vida. Durante a guerra contra os turcos de julho de 1774, Kutuzov foi gravemente ferido: uma bala entrou em sua têmpora esquerda e saiu de seu olho direito. Quase 14 anos depois, durante outro conflito militar contra o Império Otomano, ele foi ferido novamente: a bala entrou pela têmpora e saiu da outra têmpora, atrás de ambos os olhos. “Devemos presumir que o destino destina a Kutuzov algo grande, porque ele sobreviveu a dois ferimentos fatais, de acordo com todas as regras da ciência médica”, escreveu o cirurgião Massot, que tratava Kutuzov na época.
Kutuzov lutou contra os turcos diversas vezes. Em 22 de dezembro de 1790, ele comandou uma das colunas em avanço e desempenhou o papel fundamental na captura da fortaleza Izmail, considerada inexpugnável. Ele participou da supressão do levante Nogai, na Crimeia, em 1783, e da guerra russo-polonesa de 1792. O russo também participou nas negociações de paz com os turcos como diplomata.
O nome de Kutuzov também está associado à maior derrota das tropas russas, na batalha de Austerlitz, em 2 de dezembro de 1805. Como comandante-em-chefe do exército russo-austríaco, ele percebia que suas tropas não estavam prontas para uma batalha decisiva contra Napoleão, mas foi forçado a se submeter à vontade do imperador Alexandre 1°, que tinha opinião diferente. “Em Austerlitz, Kutuzov não teve a coragem de contar toda a verdade ao jovem imperador a fim de evitar um dos maiores desastres da pátria”, escreveu o historiador militar russo do século 19, general Heinrich Leer.
A guerra russo-turca de 1806-1812 tornou-se uma prova do talento militar de Kutuzov. Após derrotar o inimigo na batalha na fortaleza de Ruschuk em 4 de julho de 1811, ele não perseguiu as tropas turcas: em vez disso, retirou-se para o outro lado do rio Danúbio. O exército turco, com 56 mil soldados, achou, erroneamente, que o exército russo, com 28 mil soldados, tinha sofrido perdas muito grandes. Os comandantes turcos decidiram acabar com os russos, começaram a cruzar o rio e, assim, dividiram suas forças. As tropas de Kutuzov imediatamente aproveitaram a oportunidade e derrotaram os turcos em duas partes. Posteriormente, Mikhail Kutuzov participou pessoalmente da assinatura da paz de Bucareste, segundo a qual a Rússia recebeu a Bessarábia (atual Moldávia).
Em 24 de junho de 1812, o “Grande Exército” de Napoleão cruzou a fronteira com o Império Russo. O comandante-chefe do exército russo, Mikhail Barclay de Tolly, queria evitar uma batalha geral com os franceses, preferindo recuar para o interior. Devido à insatisfação da população com essas táticas, o imperador Alexandre 1° decidiu nomear Kutuzov como comandante-chefe. “A esperança renasceu, o exército inteiro considerava esse guerreiro de cabelo grisalho seu anjo-salvador ”, escreveu o oficial do exército russo Ivan Dreiling.
Kutuzov, porém, não tinha pressa em entrar na batalha e, em geral, compartilhou da lógica de seu predecessor: o “Grande Exército” tinha que morrer de fome. No entanto, sob pressão da opinião pública, o comandante foi forçado a participar de uma batalha geral, que ocorreu em 7 de setembro perto de Moscou, na aldeia de Borodinô. Em uma das batalhas mais sangrentas da história do século 19, cerca de 80 mil pessoas morreram, mas nenhum dos lados conseguiu uma vitória decisiva. "A batalha de Borodinô foi a mais bela e formidável, os franceses mostraram-se dignos da vitória e os russos mereceram ser invencíveis", escreveu Napoleão após a batalha.
Devido às grandes perdas, Kutuzov decidiu evitar uma nova batalha. Ele tomou a difícil decisão de deixar Moscou para o inimigo. “A perda de Moscou não significa que a Rússia está perdida. Acho que a primeira tarefa é salvar o exército”, disse Kutuzov, em 13 de setembro, em um conselho militar na cidade de Filí, a oeste da capital russa.
Em 14 de setembro de 1812, o exército russo deixou Moscou e se dirigiu à cidade de Riazán, mas, dois dias depois, virou bruscamente para o oeste. Ao mesmo tempo, sua retaguarda, perseguida pela cavalaria do marechal francês Murat continuou a seguir o caminho para Riazán. Os franceses estavam convencidos de que estavam seguindo todo o exército russo. Apenas cinco dias mais tarde os franceses perceberam seu erro. Durante outras duas semanas, Napoleão não sabia onde estava o exército russo e para onde se dirigia. "O astuto Kutuzov enganou-me com sua marcha corajosa", escreveu Napoleão.
Moscou acabou sendo uma armadilha para Napoleão: seu exército, devido à inatividade forçada, embriaguez e saques, começou a se decompor rapidamente. Sem resposta do imperador russo a suas propostas de paz, Napoleão e suas tropas deixaram a capital russa, em 19 de outubro. Kutuzov não permitiu que ele avançasse para o sul, forçando o “Grande Exército” a recuar ao longo da estrada de Smolensk, que os próprios franceses tinham arruinado no verão. Durante todo o caminho para a fronteira do Império, o exército francês foi atormentado pelos inúmeros ataques de guerrilheiros, unidades de cavalaria e cossacos.
Se no início da campanha de 1812 o “Grande Exército” de Napoleão tinha mais de 600 mil soldados, em dezembro do mesmo ano apenas algumas dezenas de milhares de soldados, congelados e exaustos, conseguiram escapar da Rússia.
Em janeiro de 1813, as tropas russas entraram na Prússia Oriental, marcando assim o início da "Campanha Estrangeira" do exército russo. Kutuzov, porém, não viu o colapso final de Napoleão Bonaparte: em 28 de abril, o comandante de 67 anos adoeceu e morreu na pequena cidade de Bunzlau, na atual Polônia.
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