Como os arquitetos soviéticos experimentavam com projetos residenciais padronizados?

História
ANNA SORÔKINA
Milhões de famílias, de Kaliningrado a Vladivostok estavam fadadas a viver em edifícios como todos os outros. Mas, no final das contas, eles se tornaram experimentos arquitetônicos ousados e exclusivos!

Hoje, quando pensamos nas moradias soviéticas as associamos a blocos de apartamentos idênticos construídos com painéis de concreto que eram erigidos por todo o país — certamente uma solução mais barata e eficiente ao problema da falta de moradia, mas também carecendo um pouco de imaginação!

Tecnicamente, os modelos eram diferentes, já que eram desenvolvidos por escritórios locais de construção. Mas, na verdade, todos eles, de uma ponta a outra do país, pareciam idênticos. Esses conjuntos habitacionais eram as “khruschióvkas” (em homenagem a seu idealizador, o líder soviético Nikita Khruschóv), de cinco andares e sem elevador, e as “brejnevkas” (do líder Leoníd Brêjnev), com nove a 12 andares — e elevador, claro!

Necessárias para resolver o problema de habitação, essas construções fornecer apartamentos independentes às famílias soviéticas, antes forçosamente acostumadas às “kommunalkas” (casas divididas por várias famílias onde cada cômodo era ocupado por uma). As novas soluções de residências populares tinham que ser construídas o mais rápido e barato possível. Como os arquitetos soviéticos tinham pouca experiência com esse tipo de trabalho, tinham um enorme campo para desbravar com experimentação pura!

"Casa de renda", em Moscou

O governo soviético começou a planejar a construção de edifícios residenciais padronizados antes da Segunda Guerra Mundial. Um prédio de 1940 na avenida Leningrádski Prospékt, número 27, em Moscou, esteve entre os protótipos pioneiros de conjuntos habitacionais com painéis de concreto. Ele foi batizado de "Ajúrni Dom" (do russo, “Casa de Renda”, também conhecida em inglês como “Open-Work House”) devido às telas padronizadas na fachada do edifício, projetadas pelos arquitetos para ocultar as desordenadas varandas dos residentes do olhar dos transeuntes.

No andar térreo, havia lojas e serviços do dia a dia. Entre as características que distinguem esse edifício dos demais, há corredores e patamares espaçosos e pequenas cozinhas de apenas quatro metros quadrados em apartamentos do tipo estúdio de 40 metros quadrados. A ideia era que moradores comprassem comida no restaurante do térreo e somente a aquecessem em casa.

Depois da guerra, os arquitetos tiveram que projetar projetos mais baratos e a “Casa de Renda” é hoje considerada patrimônio arquitetônico (e ela tem até um hostel na atualidade, para os viajantes amantes da arquitetura soviética!).

Conjunto Residencial Experimental de Tcheriômuchki, em Moscou

O subúrbio de Tcheriômuchki, em Moscou, abrigou o primeiro conjunto habitacional de “khruschióvkas”. O 9º Conjunto Habitacional Estatal experimental foi construído entre 1956 e 1959 e tinha 13 edifícios de quatro andares e sete de oito andares.

Os apartamentos do projeto-piloto eram minúsculos. Em vez de uma banheira de tamanho padrão, por exemplo, ele vinha com uma banheira menor, com assento, ou apenas uma base de chuveiro. Os residentes podiam decorá-los com móveis mutantes, que podiam mudar de funções, para economizar espaço, que constavam de um catálogo próprio para esses apartamentos.

Ao mesmo tempo, as fachadas dos edifícios eram enfeitadas com tijolos, os pátios tinham fontes e pérgulas para plantas, e o empreendimento contava com lojas próprias, cantinas e até cinema. O compositor Dmítri Chostakóvitch glorificou a nova estética da habitação soviética em sua opereta “Moscou, Tcheriômushki”, e em 1962 um filme foi inspirado pela construção. Depois disso, no entanto, a infraestrutura dos conjuntos habitacionais soviéticos foi bastante simplificada.

Primeiro bloco experimental tipo “khruschióvka”, São Petersburgo

Este edifício, localizado em São Petersburgo, na Rua Poliarnikov, número 10 marcou o início da história da construção em massa de moradias com painéis de concreto na União Soviética. Entre os residentes locais, ele é conhecido como "Protokhrushchiovka".

Ele foi construído em 1955, em apenas 102 dias, incluindo o acabamento, e foi apresentado a Nikita Khruschóv como um protótipo das habitações residenciais vindouras. Tem apenas 30 apartamentos, 29 dos quais foram ocupados pelos operários que efetivamente o construíram, e um destinado a experimentos de construção.

O que distingue o edifício das verdadeiras “khruschióvkas” é que o teto de seus apartamentos tem três metros de altura, em vez de 2,5 metros, e as cozinhas têm entre 10 e 12 metros quadrados, em vez dos habituais cinco ou seis metros quadrados. Ele também tem portas de carvalho e as entradas são enfeitadas com pilastras de estilo neoclássico. Há nele ainda pequenas varandas, mas só no segundo andar. Khrusch[ov achou o projeto muito caro e os blocos de apartamentos subsequentes foram construídos de forma muito mais modesta e "sem frescuras".

“Casa de pernas para o ar", em São Petersburgo

À primeira vista, este edifício residencial na rua Magnitogorskaia, número 95, parece um bloco de apartamentos de quatro andares comum. Mas, na verdade, ele resultou de um experimento arquitetônico ousado realizado em 1959.

Ele foi construído usando um método que exigia que cada andar fosse içado até a altura necessária. Primeiramente, foram colocadas estacas de carga e, em seguida, o telhado foi montado no solo previamente, com o auxílio de macacos hidráulicos, sendo depois içada até o nível necessário. Em seguida, começou-se a montar o andar superior e, gradualmente, foi-se descendo até o térreo.

A ideia era que remover a necessidade de guindastes aceleraria o processo construção e reduzir os custos, mas, na realidade, logo tornou-se claro que esse tipo de construção exigia trabalhadores e operadores de macacos altamente treinados, de modo que o prédio acabou sendo o único construído por esse método.

Complexo Residencial para Jovens, Ekaterimburgo

A ideia de construir complexos residenciais para jovens trabalhadores solteiros surgiu no período de 1960 a 1980, na cidade de Korolióv, na região de Moscou, em um centro de pesquisas espaciais onde viviam muitos cientistas.

Esses complexos foram construídos em torno de áreas industriais em todo o país e funcionavam como uma espécie de cidade dentro da cidade. Um deles sobrevive até hoje nos subúrbios da zona leste de Ekaterimburgo. Em 1981, foi implantado ali um empreendimento com 11 longos prédios construídos com painéis de concreto semicirculares com nove, 12 e 16 andares cada.

Apelidados de "pentágonos" ou "labirintos" pelos habitantes locais, os prédios foram projetados para ter apartamentos de poucos quartos: em geral, apenas os blocos de nove andares tinham apartamentos de três quartos, enquanto os outros blocos tinham apartamentos de um e dois quartos. Os edifícios mais longos tinham 500 apartamentos cada!

Os primeiros moradores foram os recém-formados da universidade local, que estavam diretamente envolvidos não apenas na construção, mas também no planejamento do empreendimento. Todo o complexo residencial foi construído com painéis de concreto armado feitos em uma fábrica vizinha.

O complexo também abrigava uma das maiores lojas de departamentos da cidade, um centro esportivo, um centro comunitário com sala de concertos onde se apresentaram músicos de rock famosos, além de um anfiteatro para teatro amador que também servia como área de recreação infantil.

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