O inventor soviético da bomba de hidrogênio e os direitos humanos

Andrêi Sákharov no Congresso dos Deputados do Povo da URSS, em 1989.

Andrêi Sákharov no Congresso dos Deputados do Povo da URSS, em 1989.

Serguêi Guneev/Sputnik
Andrêi Sákharov era uma dupla ameaça aos belicistas: um físico nuclear brilhante e um coração de ouro. Sákharov foi o pai da bomba de hidrogênio soviética e, ao mesmo tempo, um dos defensores dos direitos humanos mais respeitados e proeminentes do mundo.

Andrêi Sákharov (1921-1989) tornou-se conhecido na URSS sobretudo como o homem que criou a bomba nuclear para combater a ameaça representada pelos Estados Unidos a partir do final dos anos 1940, com o início da Guerra Fria.

Andrêi Sákharov (1921-1989).

Sákharov seguiu os passos do pai, que também era físico. Ele se formou na Universidade Estatal de Moscou e, depois disso, foi aceito pela Academia de Ciências com apenas 32 anos de idade, tornando-se o membro mais jovem a ingressar na instituição. Ao contrário de muitos outros físicos, porém, ele se recusou a ingressar no Partido Comunista, apesar de a filiação significar um empurrão óbvio na carreira.

Em 1948, Sákharov tornou-se membro da equipe de desenvolvimento da bomba de hidrogênio, chefiada pelo proeminente físico soviético Igor Tamm. A missão duraria ainda duas décadas.

Sákharov causou sensação quando propôs um esquema inovador para a bomba de hidrogênio, o qual viria a ser conhecido como “Sloika” ("Folhado") e apresentava camadas de deutério e urânio entre o núcleo físsil.

Em 1950, o cientista começou a trabalhar no Instituto de Pesquisa Científica de Física Experimental, também conhecido como a instalação nuclear secreta “Arzamas-16”. em 12 de agosto de 1953, o grupo realizou o primeiro teste bem-sucedido da bomba de hidrogênio "Sloika". Por isso, Sákharov recebeu três prêmios "Herói do Trabalho Socialista", a condecoração civil mais alta do país.

O grupo de pesquisadores liderado por Sákharov continuou a trabalhar em melhorias da bomba de hidrogênio, enquanto ele, junto a Igor Tamm, apresentou a ideia do confinamento magnético do plasma e realizou uma análise de engenharia de instalações para fusão termonuclear controlada.

Em 1961, Sákharov propôs o uso de compressão a laser para uma reação termonuclear controlada. Suas inovadoras ideias estabeleceram as bases para amplas pesquisas em energia termonuclear.

Direitos humanos

Durante suas pesquisas, Sákharov começou a questionar, porém, a ética do desenvolvimento de armas de destruição em massa.

No final dos anos 1950, Sákharov mergulhou de vez nos direitos humanos.

“Estou convencido de que a humanidade precisa de energia nuclear. Ela deve progredir, mas apenas com garantias absolutas de segurança”, disse.

No final dos anos 1950, Sákharov mergulhou de cabeça nos direitos humanos e, em 1958, foram publicados dois artigos seus alertando para os efeitos nocivos da radioatividade em explosões nucleares sobre a hereditariedade e, como consequência, sobre a expectativa média de vida.

No mesmo ano, Sákharov tentou defender uma extensão da prorrogação de testes nucleares declarada pela União Soviética.

Em 1961, Sákharov clamou que Nikita Khruschov interrompesse os testes de armas nucleares, mas o líder soviético afirmou, em resposta, que os cientistas deviam saber seu lugar e ficar longe da política. Em 1963, a União Soviética e os Estados Unidos finalmente concordaram em estabelecer tais limites com o Tratado de Proibição Limitada de Testes Nucleares.

Khruschov declarou a Sákharov que os cientistas deviam se colocar em seu devido lugar.

Crítico ferrenho do culto à personalidade de Stálin, Sákharov assinou, em 1966, uma carta ao 23º Congresso do Partido Comunista contra a reabilitação do líder, responsável pelo Grande Terror.

Em 1968, Sákharov publicou o ensaio "Reflexões sobre o progresso, coexistência pacífica e liberdade intelectual", que circulou na URSS em samizdat e, em seguida, foi publicado no The New York Times. Nele, Sákharov condenava a corrida nuclear armamentista, pedia reduções das armas nucleares e pedia uma cooperação entre a União Soviética e os Estados Unidos para combater a ameaça global da fome, da superpopulação e da poluição ambiental. Pouco depois, o texto de Sákharov foi traduzido para 17 idiomas, com mais de 18 milhões de cópias mundo afora.

As ideias de Sákharov ganhavam cada vez mais apoio, mas custaram seu emprego. Ele foi demitido do centro de pesquisas científicas “Arzamas-16”. Em 1969, ele voltou ao Instituto Lebedev de Física em Moscou para trabalhar como pesquisador-sênior.

Em 1970, Sákharov cofundou o Comitê de Direitos Humanos de Moscou. O cientista falava a favor da abolição da pena de morte, do direito de emigrar e contra a internação de dissidentes em hospitais psiquiátricos.

Em 1971, ele enviou ao governo soviético um memorando sobre questões urgentes de política interna e externa, apresentando propostas para a liberalização do país, e, em 1974, publicou no exterior um artigo intitulado “O mundo em meio século”, refletindo sobre as perspectivas do progresso científico e tecnológico e expondo sua visão do mundo.

Em 1975, Andrêi Sákharov publicou o livro “Meu país e o mundo”, sobre os perigos do totalitarismo, da estagnação econômica e da repressão das minorias étnicas. No mesmo ano, ele recebeu o Prêmio Nobel da Paz por seu “compromisso pessoal destemido na defesa dos princípios fundamentais para a paz”.

De acordo com o Comitê do Nobel, o físico “lutou, intransigentemente e com força inabalável, contra o abuso de poder e todas as formas de violação da dignidade humana”.

Andrêi Sákharov e a mulher, Elena Bonner.

As autoridades soviéticas proibiram Sákharov de viajar a Oslo para a cerimônia do Nobel da Paz, por isso, sua mulher Elena Bonner recebeu o prêmio em seu nome.

Exílio e luta pela liberdade

Em dezembro de 1979, Sákharov criticou a decisão soviética de enviar tropas ao Afeganistão em uma entrevista ao The New York Times. Pouco depois, ele foi privado de todos os prêmios estatais e deportado de Moscou.

Andrêi Sákharov passou sete anos no exílio interno, na cidade de Górki (hoje, rebatizada como Níjni Novgorod), vigiado em tempo integral por agentes da KGB. Quando Mikhaíl Gorbatchov chegou ao poder, Sákharov tinha se tornado um símbolo da luta contra a opressão soviética.

Em 19 de dezembro de 1986, apesar da oposição feroz dos camaradas do Politburo, Gorbatchóv ligou para Sákharov e informou que ele estava livre do exílio e poderia continuar seu "patriótico trabalho" em Moscou.

O retorno do físico marcou uma mudança de atitude em relação aos dissidentes na União Soviética, e Sákharov foi eleito para o então recém-criado Congresso dos Deputados do Povo.

Um dos principais apelos de Sákharov foi pela abolição o Artigo 6 da constituição soviética.

“Não sou um político profissional e talvez por isso eu seja sempre atormentado por questões de expediente e pelo resultado final de minhas ações. Tendo a pensar que apenas critérios morais, junto com uma imparcialidade de pensamento, podem servir como uma bússola nesses problemas complexos e contraditórios”, afirmou Sákharov certa vez.

Um dos principais apelos dessa bússola foi abolir o Artigo 6 da Constituição soviética, sobre o monopólio do Partido Comunista na arena política interna. Isso só se concretizou postumamente, em 1990.

Dezenas de milhares de cidadãos soviéticos foram dar o último adeus a Andrêi Sákharov, em 1989.

Andrêi Sákharov morreu após um ataque cardíaco, em 14 de dezembro de 1989, com apenas 68 anos de idade. Milhares de cidadãos soviéticos foram dar seu último adeus no funeral, que se assemelhava a um protesto por aquilo que Sákharov sempre lutou: a liberdade e a dignidade humana.

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