Como o petróleo foi descoberto na Rússia

História
GUEÓRGUI MANÁEV
Commodity que é hoje o maior produto de exportação da Rússia já era conhecida e usada desde os tempos antigos – para pintura, medicina e guerra. Mas a primeira usina russa não deu muito certo.

Quando, em 941, o príncipe Igor, filho de Rurik, atacou a capital bizantina de Constantinopla com uma frota de cerca de 1.000 navios, a frota local retaliou usando uma arma incendiária chamada ‘fogo grego’ – uma mistura de líquido inflamável que era arremessada através de tubos ou catapultada em potes em direção aos navios inimigos.

Fogo líquido                                                     

O ‘fogo grego’ era uma ameaça mortal para os navios enormes e lentos da época. Os guerreiros russos preferiam se afogar a morrer queimados e pulavam de seus navios. A frota de Igor acabou sendo devastada. “É como se os gregos tivessem lançado um raio do céu e, ao lançá-lo, nos queimassem; foi por isso que não os superamos”, dizem as crônicas russas.

Acredita-se que o petróleo era o ingrediente-chave do “fogo grego”, sendo obtido pelo Império Bizantino sobretudo nas terras que hoje pertencem à Rússia, como a Crimeia e a cidade de Tmutarakan (península de Taman), na atual região de Krasnodar. Nessas áreas, o petróleo poderia ser coletado diretamente da superfície do mar de Azov ou em areias betuminosas. O óleo era obtido e armazenado para venda a mercadores do Mediterrâneo – os arqueólogos encontraram muitas ânforas de argila na costa norte do Mar de Azov.

Portanto, as qualidades do petróleo eram conhecidas dos russos no período medieval. Fedot Kotov, um comerciante russo que viajou para a Pérsia em 1623 e 1624, escreveu: “Lâmpadas a óleo estão acesas por toda a praça”, descrevendo a cidade de Isfahan. Além disso, Kotov descreveu uma cerimônia ritualística, durante a qual “um espantalho é levado a um campo fora da cidade, então eles (...) derramam o óleo sobre o espantalho e ateiam fogo”.

Muitos usos para “óleo de pedra” na Rússia antiga

O petróleo – que era então chamado de “óleo de pedra” na Rússia – era tradicionalmente aplicado na pintura e na medicina. Um manual russo do século 17 para os pintores de ícones dizia: “Ao compor qualquer tinta, use cera, verniz e adicione óleo para secar mais rápido. E quando for envernizar um ícone, e ele ficar grosso, pegue um pouco de óleo com o dedo e borre”. O petróleo era usado como solvente de tinta e, ao secar, deixava um brilho distinto.

Os usos medicinais do óleo incluíam sua aplicação em doenças de pele e reumáticas – atualmente, a eficácia do petróleo para esses fins é cientificamente comprovada.

O petróleo como material inflamável era usado para outros fins que não militares, mas em ocasiões especiais – para tochas “inextinguíveis” ou fogos de artifício em festas de gala da realeza ou datas festivas. No caso da guerra, o petróleo era usado na fabricação de granadas, “pontas de fogo” e “balas de canhão” que o Exército russo empregava nos séculos 16 e 17.

Em 1650, já havia registros de que as pessoas que moravam perto do lago Baikal coletavam óleo de sua superfície – ele escorria das margens rochosas dos rios, seguia para o lago e o vento o levava para a costa, onde podia ser coletado. Este óleo era ocasionalmente transportado para Moscou. Em 1684, Leonti Kislianski, funcionário público em Irkutsk, no Extremo Oriente russo, foi enviado para encontrar depósitos de petróleo ao redor da região do Baikal. Na época, Kislianski descreveu uma colina que “era muito quente ao toque e que cheirava a óleo fresco”. Por ser ex-pintor, o funcionário público conhecia os vários usos do petróleo e planejava organizar a extração, mas acabou sendo convocado a Moscou para outros negócios. Em pouco tempo, porém, entendeu-se a necessidade de produzir petróleo.

Primeiro poço de petróleo na Rússia

Enquanto o tsar Pedro, o Grande estava em sua grande excursão pela Europa, em 1697 e 1698, ele conheceu Nicolaes Witsen (1641-1717), um estadista holandês que era prefeito de Amsterdã. Witsen guiou Pedro em suas viagens por toda a Holanda, eles se tornaram amigos e continuaram em contato depois. Portanto, Pedro sabia que em seu livro “Tartária do Norte e do Leste”, escrito após uma viagem de Witsen à Rússia com a embaixada holandesa, em 1664 e 1665, seu amigo havia descrito que, em algum lugar no rio Ukhta, perto da cidade russa de Pechora, petróleo estava sendo coletado da superfície do rio.

Em 1721, este lugar foi descoberto, e as amostras do óleo do Ukhta, enviadas para São Petersburgo. Mas foi somente em 1745 que o comerciante russo Fiódor Priadunov decidiu abrir a primeira refinaria de petróleo na região, apresentando o petróleo que havia encontrado para o Colégio de Mineração de Moscou (instituição estatal que controla os recursos minerais na Rússia). O órgão concedeu permissão para iniciar a extração e produção de petróleo.

O primeiro poço de petróleo russo era um casebre de madeira no leito do rio, perto da fonte subterrânea, coletando petróleo da água com a ajuda de um cone invertido. O óleo era também coletado da superfície. Em 1748, Priadunov obteve cerca de 650 litros de petróleo e os levou para o Colégio de Mineração para que fossem destilados. Os resultados foram impressionantes, mas o problema era que ninguém precisava de petróleo destilado na Rússia naquela época. Na verdade, Priadunov destilou querosene do óleo, mas as lâmpadas de querosene ainda não haviam sido inventadas – Priadunov não tinha onde vender seu produto.

Desesperado, o empresário enviou amostras do petróleo a Hamburgo para testes químicos e recebeu em troca um documento assinado por dois químicos alemães que dizia que o óleo provavelmente poderia ser usado para fins medicinais – para ajudar pacientes “em resfriados e expectoração, para articulações deslocadas, febres, calafrios, relaxar as juntas etc.” Priadunov começou então a vender seu óleo ilegalmente em Moscou como um novo tipo de medicamento, sem permissão das autoridades. Por isso, acabou sendo preso – e mesmo após a libertação, foi multado pesadamente e morreu afundado em dívidas. Sua usina de petróleo foi destruída por uma enchente no rio e, em grande parte, a produção de petróleo não foi retomada na Rússia até o século 19, quando vastos depósitos de petróleo foram colocados em atividade no Cáucaso e a lâmpada de querosene foi inventada – mas aí é outra história.

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