Como o espião britânico George Blake se tornou coronel da KGB

História
BORIS EGOROV
Oficial do MI-6 que morreu no final de dezembro passado foi agente duplo durante a Guerra Fria e trabalhou para a URSS por seus ideais, e não por dinheiro. Mesmo após a queda da União Soviética e dos regimes socialistas pelo mundo afora, George Blake não perdeu a fé no comunismo.

Um dos agentes duplos mais famosos da época da Guerra Fria, George Blake, morreu em 16 de dezembro de 2020, em Moscou, aos 98 anos de idade. Agente do MI-6, ele também trabalhou para a inteligência soviética por quase 10 anos, tornando-se um dos agentes mais valiosos da história da KGB.

No Serviço Secreto da Rainha

George Blake nasceu em 1922, na Holanda, mas, após se mudar para o Reino Unido na Segunda Guerra Mundial, alistou-se na Marinha Real e logo foi recrutado pelo serviço de inteligência britânico MI-6.

Blake era especialista em URSS, aprendeu russo e foi enviado para Seul como vice-cônsul da embaixada britânica. Sua verdadeira tarefa, entretanto, era coletar informações sobre o Extremo Oriente soviético, Sibéria e Manchúria.

Quando começou a Guerra da Coreia, Seul foi capturado pelo exército norte-coreano e o espião britânico foi preso.

Durante os quase três anos que passou na prisão, Blake leu "O Capital", de Karl Marx. “O livro mudou profundamente minha consciência e teve quase o mesmo efeito que a Bíblia. Eu desejava apaixonadamente aproximar o futuro brilhante descrito por Marx. Hoje, entendo que era muito ingênuo, que agi sob a pressão de ideais românticos, mas foi assim que me tornei um comunista devoto”, escreveu Blake.

Chocado com os bombardeios dos Estado Unidos na Coreia do Norte, Blake decidiu cooperar com a União Soviética, mas sua lealdade tinha uma condição: ele forneceria a Moscou apenas informações relativas aos países-membros do Pacto de Varsóvia. Ele se recusou a receber qualquer quantia por seus serviços.

Agente soviético

George Blake regressou ao Reino Unido já como agente da URSS. Depois de ocupar o cargo de vice-chefe do departamento de operações técnicas do MI-6, ele foi enviado a Berlim, onde começou a passar a Moscou as informações sobre o que os britânicos e norte-americanos sabiam sobre os agentes secretos soviéticos e suas identidades. Naquela época, Blake conseguiu revelar os nomes de cerca de 400 oficiais e agentes do MI-6.

No início dos anos 1950, os serviços secretos dos Estados Unidos e da Grã-Bretanha realizaram a operação "Ouro", que envolvia a construção de um túnel subterrâneo sob Berlim Ocidental para interceptar todas as comunicações da sede das Forças Soviéticas na Alemanha. Graças a Blake, os soviéticos souberam da operação antes da construção. No entanto, para não perder o valioso agente, a operação foi autorizada a prosseguir. Por quase um ano, a CIA e o MI-6 receberam desinformações cuidadosamente planejadas, até abril de 1956, quando o túnel foi "acidentalmente" descoberto por soldados soviéticos.

O disfarce de Blake foi descoberto por um agente da inteligência polonesa, Mikhail Golenevski. Em 1961, Blake foi preso e condenado a 42 anos de prisão.

Vida nova

Cinco anos mais tarde, George Blake conseguiu escapar da prisão londrina Wormwood Scrubs e voltar à Alemanha Oriental, de onde foi transferido para a União Soviética. Ele deixou em Londres os três filhos e a esposa, que se divorciou dele.

“Sempre fiquei impressionada com a possibilidade de Blake de se adaptar", disse sua sobrinha, Silvie Breban. “Ao contrário de outros agentes britânicos, George nunca experimentou dificuldades na Rússia. Logo após chegar a Moscou, ele foi a um bar, onde bebeu vodca e comeu um sanduíche de caviar por um preço muito baixo. Então, ele disse: ‘um país onde todos podem comprar caviar é o berço do comunismo’.”

Na URSS Blake recebeu um novo nome, Gueôrgui Ivánovitch Bekhter, tornou-se coronel da KGB e treinou agentes soviéticos. Bekhter recebeu vários prêmios estatais da URSS, incluindo a Ordem de Lênin e a Ordem da Bandeira Vermelha.

Muitos anos depois, o lendário espião se encontrou com os filhos. Eles não aprovaram suas ações, mas entenderam os motivos de seu pai. Segundo Blake, eles conseguiram estabelecer relações muito boas.

Após a Guerra Fria e a queda da União Soviética, George Blake continuou a ser um comunista devoto até o fim da sua vida. “Faltou a vitória do comunismo. O que foi construído na URSS e na China está longe dos ideais que defendi. A URSS assumiu a responsabilidade por esse grande experimento, mas não terminou bem. [...] As décadas passarão e o mundo perceberá que não pode haver outro modelo de sociedade além do comunismo, e todas as guerras cessarão", disse.

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