Com que objetivo Stálin deportou grupos étnicos inteiros à força na URSS?

História
GUEÓRGUI MANÁEV, ALEKSANDRA GÚZEVA
Um dos episódios mais trágicos da história soviética, a repressão de grupos étnicos e sociais continua a ser uma questão sensível para muitos. Mas qual era seu objetivo?

Milhões de pessoas na URSS se tornaram vítimas de repressões e deportações políticas criminosas entre 1930 e 1950. Seus filhos e netos ainda hoje se lembram e repudiam esses trágicos acontecimentos.

A atualidade das feridas infligidas há mais de 70 anos é comprovada pelo sucesso de dois best-sellers recentes da autora Guzel Yakhina, nova estrela da literatura russa. Ambos os livros abordam o tema das transferências populacionais forçadas, que ocorreram na União Soviética sob o governo de Iôssif Stálin, e seu trágico impacto sobre indivíduos e grupos étnicos inteiros.

Seu livro de estreia "Zuleikhá abre os olhos" foi traduzido para 30 línguas e, recentemente, ganhou adaptação para a televisão em formato de série. O livro descreve a deportação dos “kulaks” — como são chamados os “camponeses ricos”, nem sempre tão ricos assim, mas, por vezes, apenas proprietários de sua própria terra e gado — de uma aldeia tártara na década de 1930.

Todos os seus bens, provisões e gado foram nacionalizados pelos bolcheviques. Aqueles que resistiam eram executados, enquanto outros eram privados das suas casas e levados em trens de carga para a Sibéria. Lá, eles deveriam construir uma povoação soviética exemplar, onde teriam trabalho, ordem, ateísmo e uma vida moderna, embora imposta à força.

Com que objetivo o governo deportou nações inteiras?

As transferências populacionais na União Soviética são reconhecidas como uma das formas de repressão política de Stálin, bem como uma das maneiras de fortalecer e centralizar seu poder pessoal. O objetivo era diminuir a concentração de representantes de certas nacionalidades em determinadas regiões onde eles viviam, educavam seus filhos e publicavam jornais em suas próprias línguas.

Muitas dessas regiões gozavam de uma certa autonomia porque, nos primeiros anos da União Soviética, muitas repúblicas e regiões se formaram basedas nas etnias que os povoavam.

O historiador Nikolai Bugai, especialista em deportações soviéticas, caracteriza essa política de Stálin e do então Comissário do Povo (ministro) para Assuntos Internos, Lavrênti Béria, como "um meio de resolver conflitos interétnicos, corrigir seus próprios erros e suprimir quaisquer manifestações de insatisfação com um regime antidemocrático e totalitário".

Segundo Bugai, embora Stálin anunciasse a "observância obrigatória do internacionalismo visível", ele queria eliminar qualquer autonomia que pudesse levar à separação e, assim, impedir qualquer possibilidade de oposição ao poder centralizado.

História de deportações

O método das deportações foi usado na Rússia desde os tempos antigos. Por exemplo, quando o príncipe de Moscou Vassíli 3° anexou a cidade de Pskov ao território da Rússia, em 1510, ele expulsou todas as famílias influentes da região. Elas receberam terras em outras cidades ou regiões russas e, assim, perderam sua influência sobre o povo de Pskov, que poderia então ter protestado contra o governo de Moscou.

O príncipe Vassíli aprendeu o método com seu pai, o fundador do Estado de Moscou, Ivan 3°. Em 1478, após a vitória sobre a República de Nôvgorod, Ivan 3° realizou a primeira deportação populacional na Rússia, expulsando mais de 30 famílias dos boiardos mais ricos de Nôvgorod e confiscando suas propriedades e terras.

Os que foram expulsos receberam novas terras em cidades da Rússia central. No final da década de 1480, mais de 7 mil boiardos, cidadãos ricos e mercadores com suas famílias foram deportados de Nôvgorod para Vladímir, Rostóv, Múrom e Kostromá. Obviamente, eles perderam toda sua nobreza.

A deportação também foi usada no Império Russo, por exemplo, após as revoltas polonesas de 1830 e 1863, quando milhares de poloneses que tinham participado dos levantes foram enviados à Sibéria.

Grande Expurgo de Stálin

As deportações na URSS foram colossais. Segundo os arquivos do Comissariado do Povo para Assuntos Internos, entre 1930 e 1950, cerca de 3,5 milhões de pessoas foram forçadas a abandonar suas casas e locais de origem. No total, mais de 40 grupos étnicos, principalmente aqueles que viviam perto das fronteiras da União Soviética, foram deportados a regiões remotas no interior do país.

Os poloneses foram os primeiros a serem deportados. Em 1936, cerca de 35 mil "elementos não confiáveis da sociedade" foram enviados dos antigos territórios poloneses no oeste da Ucrânia para o Cazaquistão. Em 1939 e 1941, outros 200 mil poloneses foram deportados para o norte da URSS, Sibéria e Cazaquistão.

Em 1937, mais de 171 mil coreanos soviéticos que viviam nas fronteiras orientais da URSS foram deportados para o Cazaquistão e o Uzbequistão.

A partir de 1937, Stálin também seguiu uma política sistemática de reassentamento dos alemães. Após o início da Segunda Guerra Mundial, os alemães se tornaram párias na URSS, muitos foram reconhecidos como espiões e enviados para campos de trabalho forçado. No final de 1941, quase 800 mil alemães foram enviados à Sibéria, aos montes Urais e ao Cazaquistão.

O poder soviético deportava ativamente os povos durante a Segunda Guerra Mundial. Muitos tiveram que deixar os territórios libertados após a ocupação alemã. Acusados de espionagem e cooperação com os alemães, os povos do Cáucaso do Norte, entre eles, centenas de milhares de karachais, tchechenos, inguches, bálcaros e cabardianos foram expulsos para a Sibéria e Ásia Central.

Sob o mesmo pretexto, o governo de Stálin expulsou quase 200 mil tártaros da Crimeia e diversos povos menores, entre eles, turcos mesquécios, curdos e gregos.

Como foram realizadas as transferências populacionais?

Sob a assinatura do Comissário do Povo de Assuntos Internos, Lavrênti Béria, foram elaboradas instruções detalhadas sobre a organização de deportações para cada nação separadamente. A deportação foi realizada por órgãos partidários locais e pelos “tchekistas” (membros da polícia política; a alcunha remete à sigla “Tcheká”, orgão que precedeu o NKVD e a KGB) enviados para regiões fronteiriças. Eles compilaram listas das pessoas que deveriam ser deportadas e prepararam veículos para levá-las com seus bens até as estações ferroviárias.

Os deportados tinham que se preparar em um tempo muito curto e podiam levar apenas pequenos bens domésticos e dinheiro. Segundo as instruções, no total, a “bagagem” de uma família não podia pesar mais de uma tonelada, mas, na realidade, as pessoas conseguiram levar apenas os bens mais essenciais.

Na maioria dos casos, as pessoas eram levadas em vagões de carga e ficavam ali sob escolta até o destino final. Seguindo o regulamento, os migrantes recebiam pão e comida quente uma vez por dia.

Uma instrução à parte descrevia em detalhes a organização da vida nos novos assentamentos especiais. Os migrantes saudáveis eram empregados na construção de barracões e, mais tarde, de prédios residenciais permanentes, escolas, hospitais e fazendas coletivas. O controle e a administração eram realizados pelos oficiais do NKVD - a agência da polícia secreta que posteriormente deu origem à KGB. No início, a vida dos colonos era difícil, a comida era escassa e as doenças se propagavam.

Os migrantes eram proibidos de deixar os novos territórios, sob pena de trabalhos forçados no gulags. A proibição foi suspensa somente após a morte de Stálin.

Em 1991, as transferências populacionais na União Soviética foram declaradas ilegais e criminosas, e as ações do governo soviético contra diversos povos foram reconhecidas como genocídio.

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