Ela fazia parte do grupo de aviadoras russas do 588º Regimento de Bombardeio Noturno. A bordo de antiquados Po-2 de dois lugares, elas conseguiram espalhar medo entre as fileiras alemãs, que as apelidaram de “Bruxas da noite”, e estrelaram um dos episódios mais heroicos da Segunda Guerra Mundial.
Só agora olhando para o feito pelo retrovisor é que podemos nos perguntar como ele se materializou, de onde veio a coragem para tal. Nadejda Vassílievna Popova não pôde responder a esta pergunta simples, depois de ter realizado 850 missões aéreas durante a fase mais difícil que o desprevenido Exército Vermelho teve de suportar.
Talvez sua incrível resistência fosse resultado da raiva do irmão morto na frente, da casa de sua família profanada pelas mãos dos nazistas, que fizeram dela seu quartel-general, ou da brutalidade infligida aos vizinhos.
A menina de quinze anos que viu um avião pousar em sua aldeia Chabanovka (atual Dolgoie), na bacia do Donetsk, e que descobriu que deuses e pássaros não eram as únicas criaturas capazes de pairar nos céus, não hesitou em se alistar no Exército com apenas 19 anos, quando os soldados do Terceiro Reich reprimiram os soviéticos.
Como muitas outras jovens heroínas, ela sonhava em pilotar um bombardeiro, fazendo história e realizando o desejo de liberdade típico de seu espírito rebelde. Popova havia se formado como instrutora de voo durante a década de ouro da aviação soviética, quando Marina Roskova, a pioneira da aviação feminina, já havia quebrado vários recordes de voo sem escalas.
Um milhão de mulheres lutaram no lado soviético. Mas até então nenhum Exército do mundo havia deixado o comando de seus caças nas mãos de mulheres.
A situação desesperadora que atingiu as Forças Armadas soviéticas fez delas as primeiras a recorrer a um grande grupo de mulheres preparadas para o combate aéreo. Elas, por sua vez, pegaram a luva e provaram seu valor, tornando-se o regimento mais condecorado das forças aéreas soviéticas.
Pilotos de guerra em seis meses
A situação era desanimadora no território soviético. A hegemonia aérea dos alemães era incontestável. Assim, questões de gênero tiveram que ser superadas antes do avanço irrefreável da primeira fase da Operação Barbarossa, em junho de 1941.
Stálin, e portanto o Stavka (alto-comando das forças armadas da URSS), aderiu à iniciativa de Marina Roskova de convocar mulheres às fileiras e formar três regimentos aéreos exclusivamente femininos, tanto para pilotar a aeronave quanto para gerenciar a manutenção técnica.
A presença daquele grupo de garotas de 17 a 26 anos entre os caças era tão inusitada que elas sequer tinham um uniforme desenhado para elas: tinham que fazer consertos em roupas masculinas, vários tamanhos maiores, e forrar botas militares com jornal.
Por sorte, quase todas elas já somavam horas de voo nas costas graças às academias do Sindicato das Sociedades de Assistência à Defesa e Aviação-Construção Química da URSS. Criado em 1927, o órgão visava a aprimorar o preparo físico da população civil; suas atividades incluíam, entre outras, tiro, salto de paraquedas e pilotagem de aeronaves. Mais de um quarto dos participantes desses cursos eram mulheres. Aos 16 anos, Popova já havia feito o primeiro salto de paraquedas e o primeiro voo solo.
Em outubro de 1941, as sessões de treinamento árduas continuaram em Engels, ao norte de Sarátov, para onde as participantes de Moscou foram evacuadas. Os dias de exercício eram supervisionados pela própria Roskova.
Em seis meses, as jovens receberam treinamento intensivo – que, em tempos de paz, teria durado um ano e meio – a bordo do obsoleto e frágil Polikárpov Po-2, avião de treinamento composto por uma estrutura de madeira e lona esticada mal adaptado para combate; em cada missão elas podiam transportar apenas duas cargas explosivas.
Além disso, os únicos instrumentos de navegação que as pilotos usavam eram um mapa, uma bússola e um cronômetro. Nascia, assim, o 588º Regimento Aéreo de Bombardeio Noturno que, junto com o 587º, cruzou toda a Frente Oriental até a queda de Berlim, tanto em missões de bombardeio quanto de abastecimento das tropas. O 586º, por sua vez, concentrou suas energias na Batalha de Stalingrado.
Táticas suicidas
O grande mérito das mulheres aviadoras como Popova foi se lançar ao combate a bordo de aeronaves infinitamente inferiores às alemãs. Com tecnologia típica da Primeira Guerra Mundial, as pilotos souberam tirar o máximo proveito dos Po-2.
Essas máquinas eram vulneráveis tanto a baterias antiaéreas quanto a tiros de metralhadoras por voarem em baixa altitude, mas em compensação eram invisíveis aos radares. Embora não atingissem mais de 150 km/h, eram extremamente manobráveis, superando, assim, os veículos maiores e mais rápidos dos nazistas.
Mas o maior desafio de todos para pilotá-los era a margem de erro mínima: os dois lugares foram construídos com materiais altamente inflamáveis, o que transformava a aeronave em uma potencial tocha diante de qualquer fogo inimigo. Cada missão poderia ser a última, mas elas executaram mais de dez em uma única noite.
Além disso, as cabines eram descobertas, e o mau tempo afetava a atuação das aviadoras. Ao todo, os três regimentos femininos lançaram cerca de 3.000 toneladas de bombas em seus mais de 20 mil ataques.
Os alemães chegaram a colocar um preço pela cabeça delas – uma Cruz de Ferro para cada “bruxa” morta. Popova não sofreu nenhum acidente sério e praticamente nasceu de novo no dia em que contou até 42 furos na fuselagem da aeronave. “Na maioria das vezes”, lembrou Popova, “tínhamos que cruzar uma muralha de fogo inimigo”.
As táticas aéreas de Popova e suas companheiras essencialmente suicidas. Às vezes saíam aos pares e, à medida que se aproximavam do alvo, subiam e depois começavam a descer, planando com os motores desligados e lançando a carga de 300 quilos de bomba que se apressavam para substituir no mesmo instante.
“Não havia tempo para ter medo”, disse, certa vez, a aviadora.
Em outras ocasiões, quando os alemães defendiam suas posições formando anéis de defesa antiaérea, um par de Po-2s se aproximava do alvo até que fosse detectado pelos holofotes. Nesse momento, separavam-se em direções opostas, atraindo fogo inimigo, enquanto um terceiro Po-2, com o motor desligado, aproveitava a oportunidade para lançar a carga explosiva sobre o alvo. Em seguida, este se reunia com as outras duas aeronaves e elas repetiam a operação, intercalando papéis. E assim, noite após noite.
No final da guerra, elas haviam sofrido quase 30% de baixas. Em recompensa, o regimento foi rebatizado de 46º Regimento de Bombardeio Aéreo da Guarda Tamana – e foram enfim incorporadas à elite do Exército.
O ultimo voo
O regimento de Nádia Popova, também conhecido como “Falcões de Stálin”, continuou a ser composto exclusivamente por mulheres até o fim da guerra. Os outros dois, dado o grande número de vítimas, se misturaram com homens.
Em agosto de 1942, o avião de Popova caiu no Cáucaso. Ela e uma companheira foram encontradas com vida alguns dias depois. Popova conseguiu retornar à unidade com as fileiras de soldados e refugiados que haviam escapado das tropas alemãs.
Na multidão, ela viu um piloto ferido, Semion Kharlámov, lendo “O Pacífico Don” à sombra de uma árvore. Ela leu um poema para ele. Seu rosto estava enfaixado e apenas seus olhos eram visíveis. Mas isso não impediu que brotasse paixão entre eles.
Depois de completar sua jornada em Berlim, o 588º Regimento carimbou sua mensagem de júbilo com algumas palavras gravadas nas colunas do Reichstag. Popova e Kharlámov, que se reencontraram na capital devastada depois de cruzar o caminho da guerra várias vezes, também deixaram na sede do Parlamento alemão um registro de sua condição de sobreviventes da pior guerra do século 20: “Nádia Popova de Donbass. S. Kharlámov. Sarátov”. Os dois se casaram pouco depois de passar por Berlim, e suas vidas sempre estiveram ligadas ao mundo da aviação. Foi apenas quando Kharlámov morreu, em 1990, que Nádia se viu obrigada a seguir sozinha.
Além da insígnia de Heroína da União Soviética, Popova ostentava, junto com seu broche da sorte em forma de besouro, a Ordem de Lênin, a Ordem da Amizade dos Povos e mais três ordens da Guerra Patriótica.
Popova morreu em Moscou no dia 8 de julho de 2013, aos 91 anos.