Os bolcheviques e a revolução da língua russa

História
ALEKSANDRA GUZEVA
Eles não mudaram só a ordem política e derrubaram o tsar, mas também introduziram novas regras de ortografia e eliminaram várias letras do alfabeto russo, simplificando a escrita – um passo essencial para erradicar o analfabetismo.

A ideia de reformar a língua russo estava no ar antes mesmo da Revolução, mas a Academia Russa de Ciências demorou ainda um longo tempo para iniciar a reforma e não teve pressa em introduzi-la em todo o país. Depois de 1917, porém, o novo governo bolchevique agiu com muito mais determinação, com a intenção de abandonar tudo o que era “antigo”: o regime tsarista, a religião, a economia e a língua.

Em 1918, foi emitido um decreto sobre as novas regras de ortografia e todas as publicações impressas foram obrigadas a segui-las. A ortografia pré-revolucionária foi praticamente proibida.

Por que a reforma era necessária?

A ortografia da era imperial era bastante difícil, e os bolcheviques precisavam de uma reforma da linguagem para, entre outras coisas, facilitar o aprendizado. Afinal, uma de suas principais tarefas era a eliminação do analfabetismo.

De acordo com diversas estimativas, antes da Revolução Bolchevique, apenas cerca de 40% da população russa sabia ler e escrever. Mas esperava-se que a nova classe dominante instituída por Vladímir Lênin - proletários e camponeses - fosse ativa em todas as esferas. Assim, o novo governo soviético ordenou que toda a população, de oito a 50 anos, aprendesse a ler e escrever.

Um censo realizado em 1926 mostrou que, em apenas alguns anos, a proporção de pessoas alfabetizadas nas áreas rurais subiu para cerca de 50%.

Tchau, letras!

Antes da Revolução, o alfabeto russo tinha 35 letras. Não havia um conjunto único de regras de ortografia - apenas um roteiro civil aprovado por Pedro, o Grande, que tentava limitar o poder da Igreja Ortodoxa. Assim, ele criou um roteiro simplificado para decretos do governo, documentos seculares e os primeiros jornais.

Os bolcheviques eliminaram algumas letras e substituíram várias outras por equivalentes mais simples que já existiam no alfabeto (e juntaram letras que soavam do mesmo jeito). Assim, logo após a Revolução, o alfabeto russo passou a ter 32 letras. Mais tarde, a letra "ё" foi aprovada como um caractere separado; portanto, o número de letras aumentou para 33. E assim permaneceu desde então.

O decreto sobre a nova ortografia determinava:

  1. Eliminar a letra "ѣ" (chamada “iat”), substituindo-a por "е" (колѣно - колено, вѣра - вера, въ избѣ - в избе).
  2. Eliminar a letra "ѳ" (chamada phita), substituindo-a por "ф" (Фома, Афанасий, фимиам, кафедра).
  3. Deixar de usar a letra "ъ" (chamada “er”) no final das palavras e partes de palavras compostas (въ избѣ - в избе, хлѣбъ - хлеб, контръ-адмиралъ - контр-адмирал). Essa regra era bastante complicada, pois era necessário memorizar as palavras que exigiam "ъ" no final. Uma vantagem foi que ajudou a economizar até 4% do texto impresso. O linguista Lev Uspênski calculou, certa vez, que a letra "ъ" ocupava 8,5 milhões de páginas por ano.

No entanto, a letra "ъ" foi mantida no meio das palavras como um sinal de separação ("duro") (съемка, разъяснить, адъютант). Ele ainda é usado dessa maneira.

  1. Eliminar a letra "і", substituindo-a por "и" (ученіе - учение, Россія - Россия, Іоаннъ - Иоанн). Essa regra mais tarde causou alguma dificuldade, porque na escrita cursiva, a letra "и" se funde às letras "ш" ou "м".
  2. Aconselhar o uso da letra “ё” (пёс, вёл, всё), embora isso não seja obrigatório.

Curiosamente, o decreto não mencionou outra letra no alfabeto antigo, a "ѵ" (chamado ijitsa). É verdade que ela quase nunca era usada: embora comum em textos religiosos, gradualmente ela se transformou na sua gêmea, a letra "и".

O que mais foi alterado?

Além do alfabeto, várias regras de ortografia também foram alteradas.

Por exemplo, os prefixos terminados em "з" (из, воз, раз, роз, низ, без, чрез, через) agora tinham que ser escritos de forma diferente, dependendo da letra que os seguia: antes das vogais e consoantes sonoras, eles terminavam com "з"; mas antes das consoantes surdas, "з" foi substituído por "с" (разбить, разораться, mas расступиться)

Ao mesmo tempo, o prefixo "c" permaneceu inalterado, independentemente da letra que o seguia.

Regras complexas para terminações em alguns casos também foram alteradas:

No caso genitivo de adjetivos, particípios e pronomes, "ого" e "его" passaram a ser usados ​​em vez de "аго", "яго" (добраго - доброго - ранняго - раннего).

Nos casos nominativo e acusativo, nos adjetivos feminino e neutro, particípios e pronomes, os finais "ыя" e "ія" foram substituídos por "ые", "ие" (добрыя - добрые, синія - синиe).

O pronome plural "они" costumava ter uma forma feminina ("онѣ") e uma masculina ("они"). A partir de então, apenas uma forma permaneceu, "они". O mesmo se aplicava ao número "один" no feminino (Одне - одни, однехъ - одних, etc.).

O pronome possessivo "ея" no singular genitivo se transformou em "ее" (ou "её").

Como a reforma foi recebida pela sociedade

Os emigrados do movimento “branco” que deixaram o país após a Revolução se recusaram a aceitar a nova ortografia e acusaram os bolcheviques de mutilar o idioma russo. Até as décadas de 1940 e 1950, as publicações de emigrados russos eram impressas com a grafia antiga. Mais tarde, eles aprenderam as novas regras e se adaptaram a elas.

Pessoas alfabetizadas também tiveram dificuldade. Na correspondência privada, muitos continuaram a usar o velho estilo de ortografia, enquanto outros tiveram que reaprender rapidamente as novas regras. Acima de tudo, os professores tiveram que se acostumar com a nova ortografia.

Um dos maiores desafios veio com a necessidade de "traduzir" para o novo estilo todas as obras da literatura clássica russa dos séculos 18 e 19. Por exemplo, algumas rimas em poesia foram afetadas pelas novas regras que regiam as terminações de palavras.

Mas o colossal esforço também trouxe algumas vantagens: as obras de muitos grandes escritores, espalhadas por várias revistas e coleções literárias, foram finalmente reunidas, “traduzidas” e publicadas em uma única coleção. Além disso, finalmente a maior parte da população russa estava alfabetizada!

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