‘Emma Vermelha’, a anarquista que lutou pela liberdade nos EUA (e se tornou sua maior inimiga)

Foto de Goldman em 1901, quando foi acusada de envolvimento no assassinato do presidente McKinley

Foto de Goldman em 1901, quando foi acusada de envolvimento no assassinato do presidente McKinley

Biblioteca do Congresso, Russia Beyond
Por muitos anos, Emma Goldman foi uma pedra no sapato do governo norte-americano. Mas também não dá para dizer que seu relacionamento com o poder soviético fosse muito melhor.

“Proteste diante dos palácios dos ricos; exija trabalho. Se não te derem trabalho, exija pão. Se eles negarem ambos, tomem o pão”, proclamou Goldman, febrilmente, em uma manifestação de trabalhadores em Nova York em 1893. Para ‘Emma Vermelha’, uma das líderes mais reconhecidas do movimento anarquista do início do século 1920, nenhum método de buscar a justiça social estava fora de questão.

Seu ativismo turbulento, direcionado ao regime norte-americano da época, a transformou em inimiga de Estado. O primeiro diretor do FBI, John Edgar Hoover, chegou a se referir a Goldman como “a mulher mais perigosa da América”.

Luta contra o poder

Emma Goldman nasceu em uma família judia na periferia ocidental do Império Russo, mas aos 17 anos se mudou para os EUA, onde imediatamente se juntou ao movimento anarquista local.

Emma Goldman de pé em carro falando sobre controle de natalidade, no Union Square Park, em 1916

Goldman logo se tornou uma oponente eloquente do poder tradicional e das instituições religiosas, fazendo campanha pela igualdade de gênero e pela oposição ao casamento, que, segundo ela, limitava os direitos das mulheres.

“Eu quero liberdade, o direito de expressão, o direito de todos a coisas bonitas e radiantes. Anarquismo significava isso para mim, e eu o viveria apesar do mundo inteiro – prisões, perseguições, tudo. Sim, apesar da condenação de meus companheiros mais próximos, eu viveria meu belo ideal”, escreveu Emma em sua autobiografia de 1931, “Vivendo minha Vida”.

Tentativa de Berkman de assassinar Frick, ilustrado por W. P. Snyder para Harper's Weekly, em 1892

Em 1892, ela ajudou seu amante e aliado, Alexander Berkman, a atentar contra a vida “do homem mais odiado da América”, Henry Clay Frick – um industrialista cruel e pior pesadelo dos sindicatos. A missão foi um fracasso, com Berkman condenado a 14 anos de prisão. Goldman conseguiu se safar, mas depois foi detida várias vezes por incitar tumultos, distribuir literatura proibida e tentar assassinar também o presidente William McKinley (embora sua cumplicidade nunca tenha sido comprovada).

Goldman foi destituída da cidadania dos EUA em 1908, mas continuou a viver no país, lutando por seus ideais. No entanto, o governo norte-americano enfim conseguiu encontrar uma maneira de se livrar de sua “pior inimiga”.

Arca soviética

Em junho de 1919, uma série de ataques terroristas ocorreu em várias cidades dos EUA, perpetrados pelos seguidores do anarquista italiano Luigi Galleani como uma demonstração de oposição a juízes e promotores.

Emma Goldman com o advogado Harry Weinberger a caminho de Ellis Island para a partida

Embora sem vítimas, o pânico resultante dos acontecimentos deixou elevou a tensão em todo o país. O período ficou conhecido como “O Primeiro Susto Vermelho”.

Medidas emergenciais sem precedentes foram aplicadas, que levaram aos chamados Invasões de Palmer – por conta do nome de seu organizador, o procurador-geral Alexander Mitchell Palmer. No total, 249 radicais da esquerda e anarquistas foram detidos; a maioria deles, imigrantes russos sem cidadania americana, incluindo Goldman, acusada de incitar um motim. Ela e seus companheiros foram rapidamente colocados no USAT Buford e enviados para a Rússia Soviética. O navio ficou conhecido na imprensa como a “Arca soviética”. Hoover, então assistente especial do procurador-geral, foi uma voz importante na campanha para eliminar Emma.

Desilusão na URSS

Embora o anarquismo de Goldman tivesse há muito se separado do marxismo (uma ideologia que ela chamou de “fórmula fria, mecânica e escravizadora”), ela ainda nutria grandes esperanças na “terra do vitorioso socialismo”. Não demorou muito, no entanto, para que essas esperanças também fossem frustradas.

Emma Goldman e Alexander Berkman

‘Emma Vermelha’ não ficou nada satisfeita com a campanha de intimidação bolchevique contra seus camaradas-anarquistas, especialmente o aparato burocrático pesado que os bolcheviques haviam criado.

Durante encontro com Vladímir Lênin, o “pai” da Revolução Russa, ela ficou desencantada com a posição do líder sobre liberdade de expressão como algo que poderia ser sacrificado diante de circunstâncias atenuantes.

A repressão da rebelião dos marinheiros de Kronstadt em 1921 foi a gota d’água para Goldman, embora ela mesmo não criticasse o uso de meios violentos para alcançar fins políticos. “Não há como ser extremo demais ao lidar com os males sociais; além disso, o extremo é geralmente o verdadeiro”, escreveu certa vez. Apesar desse posicionamento, a violência registrada em Kronstadt foi demasiada para ela. “Eu vi diante de mim o Estado bolchevique, formidável, esmagando os esforços revolucionários construtivos, suprimindo, degradando e desintegrando tudo”, descreveu Ema em outro ensaio, intitulado “Minha desilusão na Rússia”.

O não retorno

Depois de mais esse caminho tortuoso, Goldman e Berkman deixaram a Rússia para nunca mais voltar. Pela frente, foram anos perambulando em países estrangeiros em busca de um novo lar. Paralelamente, a maioria dos seguidores de Goldman acabou se afastando dela, por sua recusa em apoiar o regime bolchevique.

Emma Goldman em 1934

Emma Goldman faleceu em 14 de maio de 1940, em Toronto. O governo dos EUA fez as pazes com sua antiga inimiga e deu permissão para que seus restos mortais descansassem em solo norte-americano. Gravada em seu local de descanso final em Forest-Park, no estado de Illinois, está uma de suas famosas citações: “A Liberdade não descerá para um povo, um povo deve se elevar à Liberdade”.

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