O romancista e dramaturgo inglês Somerset Maugham (1874 - 1965)
Getty ImagesFamoso por obras como “Servidão humana”, Somerset Maugham (1874-1965) tinha uma faceta menos conhecida do público: ele foi também agente da inteligência secreta britânica durante a Primeira Guerrra Mundial e foi destacado para uma missão na Rússia, que permanece misteriosa mesmo passados 100 anos.
A viagem à Rússia em 1917 não foi, porém, a primeira experiência de Maugham como espião a serviço britânico. Então, ele já havia trabalhado por alguns anos na agência secreta de inteligência, que posteriormente se convencionou chamar de MI-6.
Após sua primeira missão à Suíça, em 1915, o escritor quis largar a espionagem por motivos pessoais – ele tinha se divorciado e seu amante foi enviado para fora da Grã-Bretanha. Mas, de acordo com um de seus biógrafos, a vida de agente secreto excitava Maugham, que gostava do papel executado nos bastidores.
Quando se aproximava a tarefa na Rússia, porém, ele estava indeciso. Como relembrou mais tarde, o escritor pensava não ser qualificado o suficiente para a missão. Mas, no final das contas, o desejo de “ver o país de Tolstói, Dostoiévski e Tchékhov” superou as dúvidas, e ele aceitou a incumbência.
Missão impossível
Na Rússia, Maugham deveria “tramar um esquema para manter a Rússia em guerra e evitar que os bolcheviques, apoiados pelas potências centrais, alcançassem o poder”, segundo o próprio.
Naquele tempo, a guerra era mal vista na Rússia, e os bolcheviques exigiam a paz imediata, seu principal slogan de propaganda.
Lênin relaxando ao ar livre – enquanto um escritor britânico tramava sua morte? / Foto: ZUMA Press/Global Look Press
Maugham recebeu 21 mil libras esterlinas para a missão, o equivalente hoje a cerca de 300 mil dólares, além dos préstimos diversos funcionários de origem tcheca.
Esperava-se, então, que o escritor conseguisse mobilizar milhares de soldados tchecos ilhados na Rússia, e nos anos seguintes foram justamente esses indivíduos que constituíram as principais forças militares a desafiar o regime soviéticos.
Vodca, caviar e desilusão
Maugham conseguiu estabelecer contato com Aleksandr Kerenski, o premiê do Governo Provisório Russo, a quem o britânico convidava toda semana para comer em um dos restaurantes mais finos de Petrogrado (hoje, São Petersburgo), o “Medved” (do russo, “O urso”), comprando esse e seus ministros com muita vodca e caviar.
Aleksand Kerenski, o líder revolucionário russo que se deixava levar a restaurantes caros por Maugham. / Foto: Mary Evans/Global Look Press
Mas o autor logo se desiludiu com o país. “O falatório interminável quando era preciso ação, a apatia quando essa só podia resultar em destruição, os protestos extravagantes, a falta de sinceridade e indiferença que encontrei em todo lugar me deixou farto da Rússia e dos russos”, relembrou mais tarde.
Havia apenas um homem, que agradava a Maugham. Era Borís Savinkov, um dos líderes de uma organização terrorista na Rússia pré-revolucionária e que, em 1917, trabalhava para o governo.
Savinkov, que Maugham descrevia como “um dos homens mais extraordinários” que já havia conhecido, não tinha qualquer simpatia quanto aos bolcheviques ou ilusão sobre a determinação de seu líder, Vladímir Lênin. Diz-se, inclusive que Savinkov costumava afirmar: “ou Lênin me colocará em frente a um muro para me executar ou eu o farei com ele”.
Plano para derrotar os Vermelhos
Em suas memórias, Maugham deixou claro que acreditava poder evitar o avanço do bolchevismo na Rússia e, 20 anos mais tarde, ainda reclamava do tempo curto que teve para cumprir sua missão.
Essa convicção, junto a sua fascinação por Savinkov, levou alguns autores acreditarem que o agente secreto planejava o assassinato de Lênin.
Outros suspeitavam que ele teria idealizado a insurreição tchecoslovaca de 1918. Maugham não só estabeleceu contatos com os tchecos, como visitou locais, durante sua estadia na Rússia, onde esses eventos ocorreram.
Borís Savinkov (centro) objeto da admiração de Maugham. / RIA Nôvosti
O escritor foi enviado de volta a Londres logo após a revolta bolchevique em Petrogrado, no final de outubro. Suas reais intenções na Rússia poderiam constar de seus arquivos, mas ele destruiu a maior parte deles pouco antes de sua morte.
Sua experiência como agente inspirou uma coleção de contos de Maugham sobre um sofisticado espião publicada em 1928 e intitulada “Ashenden: Or the British Agent”.
A missão à Rússia foi sua última tarefa no serviço secreto. Depois de voltar ao Reino Unido, ele dedicou a vida a escrever e, mais tarde, estabeleceu-se na Riviera Francesa, onde manteve contato com diversas figuras de renome, como o estadista Winston Churchill e o também escritor H.G. Wells.
Maugham morreu em 1965, aos 90 anos de idade. Seguindo a vontade do escritor, suas cinzas foram espalhadas ao redor de uma biblioteca que leva seu nome na King’s School, em Canterbury, sudeste da Inglaterra.
Além de ter sido o escritor que mais influenciou George Orwell, segundo o próprio autor de 1984, acredita-se que ele também teria sido fonte de inspiração para o agente secreto James Bond, de Ian Fleming.
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