Por que a musa de Maiakóvski foi considerada bruxa e a causa de seu suicídio?

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Governo soviético passou décadas tentando apagar o nome de Lila Brik da memória coletiva do país. A "musa da vanguarda russa" era um dos símbolos do amor livre e do poder das mulheres na Rússia pós-revolucionária.

Alguns a chamam de segunda Beatrice [a musa de Dante], uma inspiradora sábia, a alma gêmea de Maiakóvski. Outros, de bruxa mercenária, vampiro que se apegou a um gênio problemático, à fama e ao dinheiro dele, e que o levou ao suicídio. É o que escrevem os biógrafos atuais sobre Lília Brik, a musa de Maiakóvski.

O tempestuoso caso entre o lendário "cantor da revolução" Vladímir Maiakóvski e a "defensora da depravação" Lília Brik durou 15 anos, até o suicídio do poeta em 1930. Ele dedicou poemas e centenas de cartas de amor a ela.

Lília nasceu em 1891, descendente de uma rica família judia. Seu pai era advogado e a família morava no centro de Moscou. Os pais de Lília costumavam levar a menina quando pequena com sua irmã mais nova, Elsa (que seria a futura heroína da resistência francesa Elsa Triolet), em suas viagens a resorts europeus.

As irmãs Lília e Elsa, entre os anos de 1900 e 1918.

As meninas ficavam sob os cuidados constantes de uma governanta. Elas eram fluentes em alemão e francês, aprenderam a tocar piano e estudavam a língua e a gramática russa minuciosamente. Foi na escola que, aos 13 anos, Lília conheceu seu futuro marido, Óssip Brik: após a revolta antimonarquista revolucionária de 1905, Lília começou a frequentar clubes de educação política, um dos quais era liderado por Óssip, filho de um comerciante de joias.

“Todas meninas eram apaixonadas por ele e escreviam o nome Óssia [apelido de Óssip] com um canivete em suas mesas”, lembrava-se Lília. Seu discreto namoro com ele durou sete anos, até o momento em que ficou grávida. Entretanto, o pai não era Óssip, e sim um professor de música, Grigóri Kerin. Sob pressão da mãe, Lília fez um aborto, após o qual não pode mais ter filhos. E Brik finalmente a pediu em casamento.

Lília Brik e Vladímir  Maiakóvski , 1918; Óssip, Lília, Vladímir , 1920.

Mas Óssip rapidamente deixou de ser um marido para ela em todos os aspectos. Em 1914, Lília escreveu: “Já levei uma vida independente e fisicamente nos separamos... Um ano se passou, não vivíamos mais como marido e mulher, mas éramos amigos – talvez até mais do que antes. Foi quando Maiakóvski entrou em nossa vida”.

Conhecendo o poeta

Naquela época, Vladímir Maiakóvski estava em um relacionamento com a irmã mais nova de Lília havia dois anos. Mas, depois de conhecer Lília, ele terminou com Elsa e dedicou o poema “Nuvem de calças” a sua nova musa.

O abastado Óssip chegou a se oferecer para financiar a publicação do poema - ele se tornou uma espécie de promotor de Maiakóvski. Enquanto isso, Lília começou a trabalhar a imagem do poeta: ela o fez trocar suas vestes cubo-futuristas de cores vivas por um casaco e um terno formal e cuidar dos dentes. Em outras palavras, os três estavam em um relacionamento.

“Foi um choque. Volódia [apelido de Vladímir, ou seja, Maiakóvski] não apenas se apaixonou por mim, ele atacou. Por dois anos e meio, eu não tive um minuto de paz, literalmente”, lembrava-se Brik. O impulsivo Maiakóvski escrevia cartas para ela todos os dias, ligava para ela o tempo todo e a esperava debaixo das janelas da casa de Brik.

Uma curiosa sexual

Óssip não se incomodou com o caso que a mulher estava tendo. Ainda mais porque o país vivia uma revolução sexual - o amor livre se tornou um símbolo da época. “Eu adorava fazer amor com Óssia. Nessas ocasiões, trancávamos Volódia na cozinha. Então ele ficava furioso, tentando se juntar a nós, arranhando a porta e chorando”, Lília disse a um amigo.

Maiakóvski e Brik. Lília foi removida desta foto na década de 1960.

Segundo a atriz Aleksandra Azarkh-Granovskaia, que pertencia ao círculo de amigos dos Brik, Lília tinha "uma grande curiosidade sexual", diferentemente do marido.

Após a Revolução Bolchevique de 1917, a situação virou de cabeça para baixo. Maiakóvski, como bolchevique devoto, começou a fazer dinheiro com seus poemas, enquanto os negócios de Óssip Brik pioravam.

Foi então que Lília disse ao marido que estava agora com Maiakóvski , mas não queria se divorciar dele. Assim, ambos se mudaram para o apartamento do poeta, viveram e viajaram às suas custas, com Maiakóvski chamando Óssip de parte da "família". O relacionamento deles se tornou o "ideal" dos que defendiam o amor livre. Enquanto isso, cresciam os rumores sobre as inúmeras ligações sexuais de Lília Brik.

Lília editando um filme, 1928.

 “Óssip não apenas deixava Lília solta, como também visitava bordéis com ela”, escreve Alisa Ganieva, autora da biografia de Lília Brik. Mas Óssip tinha um interesse adicional sobre as prostitutas: ele estava escrevendo uma tese de doutorado sobre elas e era uma espécie de “assistente social” delas, dando-lhes assistência jurídica.

Mulher influente apagada da história

A atitude em relação a Lília naquela época era confusa. Os homens a adoravam: a lista dos admiradores de Brik incluía praticamente todo o círculo de artistas de vanguarda russos e figuras de destaque da cultura, de Aleksander Rodtchenko a Sergey Diaghilev.

Na Itália, ela era amiga de Pasolini, na França, de Louis Aragon (que depois se casou com sua irmã Elsa) e de Yves Saint Laurent, que costumava dizer: “Conheço três mulheres que podem ser elegantes fora da moda: Catherine Deneuve, Marlene Dietrich e Lília Brik”.

O escritor japonês Tamizi Naito em Moscou com escritores, 1924.

Profissionalmente, Brik era tudo e nada: ela tentou ser escultora, escritora, atriz de cinema, trabalhou em publicidade e teve aulas de balé, mas não obteve grandes resultados em nenhuma dessas áreas.

No entanto, ela fundou um dos salões literários mais famosos de Moscou do século 20, que sobreviveu mais tempo que todos os outros. "A literatura tinha sido anulada, restava apenas o salão dos Briks, onde escritores se reuniam com agentes da KGB", disse, abertamente, Anna Akhmátova, que não era convidada para o salão.

No entanto, depois que Maiakóvski se matou, no auge da fama, o romance deles se transformou em uma lenda trágica, e Brik foi praticamente declarada assassina do poeta. Especialmente depois de divulgar a correspondência entre os dois: havia centenas de cartas com declarações de amor de Maiakóvski, respostas concisas e pedidos de dinheiro de Lília.

Outro suicídio

Após a morte de Maiakóvski, a poesia dele logo começou a ser esquecida. Mas Lília, como procuradora dele (nomeada pelo poeta em seu testamento), se esforçou muito para evitar isso. Ela escreveu uma carta a Iôssif Stálin, que emitiu uma ordem para garantir que o legado do poeta não fosse esquecido. Por isso, foi graças a ela que toda uma indústria foi criada em torno de Maiakóvski, com suas estátuas erguidas em todo o país, suas obras reimpressas e fazendas e fábricas coletivas nomeadas em homenagem ao poeta.

Lília Brik em Peredelkino, em 1977, e com Maiakóvski , em Petrogrado, em 1915.

Lília logo se divorciou de Óssip e passou de um marido para outro rapidamente. Na década de 1970, ela escreveu em seu diário: "Tive um sonho - estava com raiva de Volódia por ter atirado em si mesmo, e ele gentilmente colocava uma pequena pistola na minha mão e dizia: 'Você fará o mesmo.'"

Em 1978, aos 86 anos de idade, ela caiu de uma cadeira e quebrou o quadril. Não querendo se tornar um fardo para ninguém, tomou uma dose letal de pílulas para dormir.

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