Por que os hotéis de Nova York se recusaram a acomodar o escritor russo Maksím Górki?

História
ALEKSANDRA GÚZEVA
Estados Unidos do início do século 20 eram país ainda mais puritano que a Rússia!

Na primavera de 1906, Maksím Górki, considerado “a voz da revolução russa” e que mais tarde seria o principal escritor proletário soviético, chegou aos EUA, acompanhado de uma senhora a quem os jornais locais inicialmente se referiam como Senhora Górki.

Mas a verdadeira “Senhora Górki” estava na Rússia e cuidava de uma filha em estado terminal, enquanto o escritor as havia deixado para ficar com uma companheira que era atriz no Teatro de Arte de Moscou, Maria Andrêieva. O público norte-americano não tolerava casos extraconjugais de figuras públicas – mesmo que eles dissessem respeito a um visitante russo.

Por que Górki foi para os EUA?

Um ano antes da visita do escritor, as tropas do tsar em São Petersburgo atiraram contra trabalhadores em uma demonstração pacífica. O dia 9 de janeiro entrou para a história apelidado de “Domingo Sangrento” e marcou o início da primeira revolução russa. Maksím Górki condenou as ações do tsar e clamava pelo direito de protesto, razão pela qual foi preso na Fortaleza de Pedro e Paulo.

Sob pressão pública, inclusive de importantes escritores estrangeiros, o governo acabou libertando Górki. Ele se juntou ao Partido Operário Social-Democrata, que gerou o movimento bolchevique mais. Mas, em sua terra natal, a atividade política de Górki não era bem-vinda. Por isso, para evitar uma nova prisão, ele decidiu deixar a Rússia.

Seguindo instruções do partido e pessoais de Vladímir Lênin, o escritor partiu para os EUA para arrecadar dinheiro para uma revolução na Rússia. O socialismo e os bolcheviques tinham muitos simpatizantes no exterior.

O escritor viajou por toda a Europa, que o conhecia e admirava. Nos EUA, seus textos eram menos conhecidos, mas o russo despertou grande interesse de repórteres e figuras literárias. Foi assim que ele conheceu Mark Twain.

Como o escândalo explodiu?

Górki e sua companheira ficaram no Hotel Belleclaire, na esquina da Broadway com a 77 (aliás, o hotel existe até hoje). Mas os jornalistas descobriram que a Senhora Pechkov (este era o verdadeiro sobrenome de Górki) era, na realidade, Andrêieva, e que o escritor não era oficialmente divorciado da esposa anterior.

O jornal The New York World publicou um artigo inteiro sobre o escândalo e após isso o casal foi expulso do hotel. Muito pior que isso, nem um único hotel em Manhattan aceitou mais os dois hóspedes russos.

A muito custo, Górki conseguiu abrigo no clube de jovens escritores da 5° Avenida. Mais tarde, o abastado casal composto por Prestonia e John Martin levou Górki e Andrêieva a sua “villa” e os levou para viajar pelo país.

A reputação moral do escritor foi arruinada nos EUA. Mas o pior é que sua causa também estava prejudicada. Mark Twain se recusava a encontrar-se com Górki novamente, apesar de os dois parecerem ter uma amizade verdadeira. Muitos socialistas se recusaram a patrocinar a revolução russa. Além disso, o convite para uma recepção na Casa Branca foi cancelado.

Como os jornais descobriram sobre Andrêieva?

Górki ficou desesperado e escreveu cartas indignadas para os jornais norte-americanos, defendendo sua vida privada: “Nós dois consideramos que é vil entrar em explicações sobre esse assunto.”

Um dos jornais, o “The Evening World”, mencionava suspeitas de Górki sobre a fonte da informação de que Andrêieva era sua amante: "Acredito que essa sujeira tenha sido orquestrada por amigos do governo russo". O objetivo da empreita seria interromper a campanha para arrecadar fundos para o partido operário e apoiar a revolução na Rússia.

Górki e Andrêieva foram segregados da sociedade durante todos os seis meses de sua estadia nos Estados Unidos. O incidente desagradável pode ter afetado as impressões de Górki sobre o país. Em seu ensaio “Na América”, ele chamou Nova York de “cidade do diabo amarelo”, ressaltando a sujeira e pobreza, o “céu lamacento coberto de fuligem”, casas sombrias e a desalmada vitória do capital.

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