Por que os hotéis de Nova York se recusaram a acomodar o escritor russo Maksím Górki?

Getty Images, Sputnik, Library of Congress
Estados Unidos do início do século 20 eram país ainda mais puritano que a Rússia!

Na primavera de 1906, Maksím Górki, considerado “a voz da revolução russa” e que mais tarde seria o principal escritor proletário soviético, chegou aos EUA, acompanhado de uma senhora a quem os jornais locais inicialmente se referiam como Senhora Górki.

Mas a verdadeira “Senhora Górki” estava na Rússia e cuidava de uma filha em estado terminal, enquanto o escritor as havia deixado para ficar com uma companheira que era atriz no Teatro de Arte de Moscou, Maria Andrêieva. O público norte-americano não tolerava casos extraconjugais de figuras públicas – mesmo que eles dissessem respeito a um visitante russo.

Por que Górki foi para os EUA?

 The Washington Times de 13 de abril de 1906.

Um ano antes da visita do escritor, as tropas do tsar em São Petersburgo atiraram contra trabalhadores em uma demonstração pacífica. O dia 9 de janeiro entrou para a história apelidado de “Domingo Sangrento” e marcou o início da primeira revolução russa. Maksím Górki condenou as ações do tsar e clamava pelo direito de protesto, razão pela qual foi preso na Fortaleza de Pedro e Paulo.

Sob pressão pública, inclusive de importantes escritores estrangeiros, o governo acabou libertando Górki. Ele se juntou ao Partido Operário Social-Democrata, que gerou o movimento bolchevique mais. Mas, em sua terra natal, a atividade política de Górki não era bem-vinda. Por isso, para evitar uma nova prisão, ele decidiu deixar a Rússia.

Almoço com Mark Twain.

Seguindo instruções do partido e pessoais de Vladímir Lênin, o escritor partiu para os EUA para arrecadar dinheiro para uma revolução na Rússia. O socialismo e os bolcheviques tinham muitos simpatizantes no exterior.

O escritor viajou por toda a Europa, que o conhecia e admirava. Nos EUA, seus textos eram menos conhecidos, mas o russo despertou grande interesse de repórteres e figuras literárias. Foi assim que ele conheceu Mark Twain.

Como o escândalo explodiu?

 Maria Andrêieva e Maksím Górki no deque de um barco rumo aos EUA. Cena do documentário

Górki e sua companheira ficaram no Hotel Belleclaire, na esquina da Broadway com a 77 (aliás, o hotel existe até hoje). Mas os jornalistas descobriram que a Senhora Pechkov (este era o verdadeiro sobrenome de Górki) era, na realidade, Andrêieva, e que o escritor não era oficialmente divorciado da esposa anterior.

O jornal The New York World publicou um artigo inteiro sobre o escândalo e após isso o casal foi expulso do hotel. Muito pior que isso, nem um único hotel em Manhattan aceitou mais os dois hóspedes russos.

Hotel Belleclaire em 1914.

A muito custo, Górki conseguiu abrigo no clube de jovens escritores da 5° Avenida. Mais tarde, o abastado casal composto por Prestonia e John Martin levou Górki e Andrêieva a sua “villa” e os levou para viajar pelo país.

A reputação moral do escritor foi arruinada nos EUA. Mas o pior é que sua causa também estava prejudicada. Mark Twain se recusava a encontrar-se com Górki novamente, apesar de os dois parecerem ter uma amizade verdadeira. Muitos socialistas se recusaram a patrocinar a revolução russa. Além disso, o convite para uma recepção na Casa Branca foi cancelado.

Como os jornais descobriram sobre Andrêieva?

Quinta Avenida, 1907.

Górki ficou desesperado e escreveu cartas indignadas para os jornais norte-americanos, defendendo sua vida privada: “Nós dois consideramos que é vil entrar em explicações sobre esse assunto.”

Um dos jornais, o “The Evening World”, mencionava suspeitas de Górki sobre a fonte da informação de que Andrêieva era sua amante: "Acredito que essa sujeira tenha sido orquestrada por amigos do governo russo". O objetivo da empreita seria interromper a campanha para arrecadar fundos para o partido operário e apoiar a revolução na Rússia.

Montagem no jornal The New York World: no topo, Maksím Górki com a mulher e filhos; à direita, Maria Andrêieva; à esq., Maksím Górki.

Górki e Andrêieva foram segregados da sociedade durante todos os seis meses de sua estadia nos Estados Unidos. O incidente desagradável pode ter afetado as impressões de Górki sobre o país. Em seu ensaio “Na América”, ele chamou Nova York de “cidade do diabo amarelo”, ressaltando a sujeira e pobreza, o “céu lamacento coberto de fuligem”, casas sombrias e a desalmada vitória do capital.

Manchete de jornal norte-americano:

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