Como eram os rituais de casamento na União Soviética?

História
VIKTÓRIA MALIK
Ao longo da história soviética, as tradições de casamento passaram por mudanças graduais. No entanto, um casal típico sempre seguia características clássicas da cultura soviética no dia do casamento, incluindo o retrato de Lênin em um departamento do Estado, a presença de testemunhas civis e o ‘resgate’ da noiva.

Como a União Soviética era um Estado ateu, a maioria dos rituais históricos de casamento na Rússia eram misturados, se não substituídos, com as recém-criadas tradições seculares soviéticas. A partir da década de 1960, as tradições de celebração do casamento foram consolidadas em um conjunto de rituais que a maioria das famílias costumava seguir. Um dia típico de casamento na URSS começaria, por exemplo, com o noivo e sua “testemunha” civil (свидетель), em russo pegando a noiva em casa com um táxi decorado, ou um carro particular.

Às vezes, parentes e amigos do casal decoravam o carro de maneira mais extravagante, colocando uma boneca vestida de noiva (geralmente a boneca pertencia à noiva quando menina) no capô do carro.

Andrêi, a testemunha da foto abaixo, conta que, assim que a família e os vizinhos da noiva, ou mesmo transeuntes, avistassem o carro decorado, eles formariam obstáculos para não deixar o noivo se aproximar da futura esposa. Para se livrar desses obstáculos, o noivo teria que pagar um “resgate” pela noiva, dando garrafas de champanhe ou cantando músicas para todos que o tentassem brecar.

Os ZAGS

Após a Revolução Comunista, a Igreja deixou de presidir o casamento das pessoas. Em vez disso, uma nova instituição chamada ZAGS (ЗАГС) – departamento de serviços públicos – surgiu com o objetivo de registrar as novas famílias. O processo para se tornar marido e mulher era rápido e formal. Duas testemunhas (o equivalente a um padrinho e uma dama de honra) eram uma nova exigência em todo registro de casamento. As testemunhas civis, ou свидетели, assinavam documentos, juntamente com o marido e a esposa, confirmando o ato do casamento.

Andrêi lembra que ser testemunha era um privilégio – os dois eram tratados como o principal casal da celebração depois da noiva e do noivo. Na maioria dos casamentos, tinham que usar fitas vermelhas no peito para mostrar a importância de seu papel.

Como de costume, a presença da ideologia comunista-socialista permeava a vida cotidiana. Em quase todos os ZAGS soviéticos, os jovens casais e seus convidados encontravam um busto de Lênin – ou, no mínimo, um retrato do revolucionário.

Passeio turístico

Depois de se registrar no ZAGS, os noivos e suas testemunhas saíam para tirar fotos dos marcos da cidade para manter nos arquivos da família.

Entre os marcos mais populares em todas as cidades soviéticas estavam os memoriais da Segunda Guerra Mundial, onde as pessoas costumavam depositar flores.

Nesta foto, a noiva, o noivo e suas testemunhas colocam flores ao lado de um monumento da Chama Eterna dedicado aos guerreiros soviéticos na Segunda Guerra.

Vera, a testemunha (dama de honra) na foto acima, ressalta que não se tratava de requisito. No entanto, muitas pessoas achavam que era a coisa certa a fazer, porque quase todas as famílias russas tinham veteranos ou soldados perdidos na guerra.

A presença do sanfonista

Se o casal desejasse continuar as festividades após o registro e o passeio, todos se reuniriam em um restaurante ou no apartamento dos noivos. Segundo Vera, um homem com acordeão era uma imagem quase onipresente em qualquer casamento soviético. Embora o serviço do músico nunca fosse exatamente barato, era uma forma certeira de entreter com sucesso todos os convidados. 

Na ausência de um sanfoneiro, as festas de casamento aconteciam em restaurantes com banda ao vivo. A cena da festa de casamento exibida no filme “Kinfolk” (1982), de Nikita Mikhalkov, é um ótimo exemplo disso.

Presentes de casamento: do linho ao alojamento

Irina, a noiva da foto abaixo, recorda que, “entre os presentes típicos estavam todos os itens necessários para uma jovem família, como roupas de cama, jogos de chá, despertadores, ou plantas. A maioria dos convidados, porém, daria dinheiro, porque, além desses presentes, não havia muitas outras opções nas lojas. Lembro-me de que gastamos quase todo o dinheiro dos meus amigos no sanfoneiro. Curiosamente, a mãe do meu marido convidou dezenas de colegas, que não conhecíamos, mas que trouxeram pratos de luxo raros para a mesa, como caviar, salmão e carne curada”.

O presente mais luxuoso, no entanto, viria frequentemente do próprio Estado soviético. Às vezes, quando jovens especialistas se casavam, eles saltavam na fila para conseguir um quarto em um dormitório, um apartamento comunitário, ou mesmo um apartamento particular.

O primeiro dia de casamento geralmente se transformava em um segundo dia de celebração com um círculo menor de amigos e parentes.

Depois que o segundo dia acabava, os noivos enfim viajavam em lua-de-mel – organizada e comprada pelos pais – ou retornavam à rotina de trabalho para continuar lutando “pelo bem-estar do Estado soviético”.

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