Como uma exterminadora nazista viveu anos na URSS sem sequer se esconder?

História
BORIS EGOROV
Seu trabalho era fuzilar crianças e civis capturados pelos nazistas. Após a guerra, Antonina Makarova conseguiu viver em silêncio na União Soviética por mais de 30 anos como uma respeitada veterana de guerra.

“Era o meu trabalho”, disse, calmamente, Antonina Makarova à investigadora da KGB, detalhando como matou a tiros cidadãos soviéticos durante a Segunda Guerra Mundial. De acordo com fontes diversas, a lista de mortes de Makarova, uma das executoras mais brutais da história, variou de 168 a 1.500 pessoas.

Mais conhecida como “Tonia, a garota-metralhadora”, Antonina nem sempre foi uma assassina. Antes de colaborar com os nazistas, ela fazia exatamente o contrário – atuou como enfermeira no Exército Vermelho, voluntariando-se na linha de frente.

Mas sua passagem pelo serviço soviético não durou muito tempo. No outono de 1941, cerca de 600.000 soldados da URSS foram cercados no ‘caldeirão de Viazma’, e entre eles estava Antonina, então com 21 anos.

Após uma fuga milagrosa, Makarova vagou por meses por florestas e aldeias, encontrando abrigo temporário com os habitantes locais, mas sempre seguindo em frente. Foi então que, no verão de 1942, ela entrou na vila de Lokot, na região de Briansk ocupada pela Alemanha.

“Um lugar ao sol ocupado”

A região onde Makarova se encontrava era fundamentalmente diferente das outras sob ocupação nazista. Como experimento, a semiautônoma Autonomia de Lokot havia sido criada sob o burgomestre local Konstantin Voskoboinik (substituído por Bronislav Kaminski após ser morto por partidários em janeiro de 1942). Mesmo assim, para ‘manter a ordem’, a região estava sob supervisão alemã, e unidades da 102ª Divisão de Infantaria Húngara estavam estacionadas em áreas povoadas.

A Autonomia tinha permissão para criar suas próprias unidades de defesa, que mais tarde se transformaram no chamado Exército de Libertação Nacional da Rússia (ELNR). Foi essa unidade que, no verão e outono de 1944, ganhou notoriedade pela extrema brutalidade durante o levante de Varsóvia, afogando a cidade em sangue.

Escondida na casa de um local, Antonina Makarova refletiu sobre seu próximo passo. Ela sabia que um grande destacamento de partidários permanecia ativo na floresta próxima. No entanto, depois de ver o – relativamente – luxo em que viviam os colaboradores russos, Makarova decidiu (segundo o historiador dos serviços especiais Oleg Khlobustov) “procurar um lugar caloroso ao novo sol ocupado”.

Makarova se solidarizou com os alemães e os russos ‘autônomos’, envolvendo-se abertamente com prostituição e participando de festas. Logo, adentrou assuntos mais sérios – a execução de judeus, partidários e opositores locais do novo governo.

Muitos anos depois, Makarova diria aos investigadores da KGB que ninguém a obrigara a fazê-lo. “Eles me encheram de vodca e realizei minha primeira execução quando bêbada”, declarou. E assim nasceu Tonia, a garota-metralhadora.

O teatro macabro de Tonia

As execuções ocorreram em um barranco perto de uma antiga fazenda, que os nazistas haviam transformado em prisão. Makarova morava no mesmo edifício. De tempos em tempos, os moradores da cidade viam os portões da prisão abertos e um grupo de prisioneiros enfileirado, seguido por um carro com uma metralhadora e atrás dela uma jovem mulher despreocupadamente mascando um pedaço de palha.

“Eu não conhecia as pessoas em que atirei. E elas não me conheciam. Então não sentia vergonha diante delas... Para mim, todos os condenados à morte eram os mesmos. Apenas o número deles mudava... Os presos eram alinhados de frente para o abismo. Um dos homens transportava minha metralhadora para o local da execução. Sob o comando dos meus superiores, eu me ajoelhava e atirava até que todo mundo caísse morto”, contou Makarova aos investigadores da KGB.

“Suas execuções eram como uma performance teatral macabra. Os líderes da Autonomia de Lokot vinham assistir, e generais e oficiais alemães e húngaros eram convidados”, explica o historiador Dmítri Jukov.

Tonia raramente errava; e quem não era atingido, ela terminava com uma pistola. Certa vez, várias crianças sobreviveram, as balas voando sobre suas cabeças. Fingindo-se de mortas, foram salvas mais tarde por locais que enterravam as vítimas. As crianças foram levadas para os guerrilheiros, que juraram caçar a executora.

Makarov removia então as roupas e itens pessoais dos mortos, lamentando que eles estivessem sujos com sangue ou danificados por buracos de bala.

Eis que a busca começa

No verão de 1943, Tonia sentiu que a maré estava virando contra seus patrões nazistas. Ressurgente, o Exército Vermelho estava recuperando o território soviético dos alemães. Makarova foi a Briansk para receber tratamento para sífilis, e nunca mais voltou a Lokot.

O serviço militar de contrainteligência soviética, SMERSH, abriu uma investigação sobre Makarova imediatamente após a libertação da região de Briansk. No barranco perto da prisão de Lokot, foram descobertos restos mortais de 1.500 pessoas.

Mas, apesar dos esforços da população local, dos interrogatórios de colaboradores capturados e da análise de vários documentos, nada foi possível coletar nada sobre o nascimento ou parentes da executora.

Durante anos após a guerra, o processo de Tonia passou pelas mãos de sucessivos investigadores da KGB, porém sem sucesso. Isso só mudou em 1976, quando o arquivo do caso de um oficial chamado Panfilov chegou à mesa das autoridades para uma checagem de rotina antes de uma missão estrangeira. Os documentos indicavam  que Panfilov tinha uma irmã, Antonina, que usava o sobrenome Makarova.

Constatou-se que na época de escola Antonina era muito tímida para dizer seu sobrenome em voz alta, então, seus colegas de classe haviam dito erroneamente à professora que era Makarova (pois o primeiro nome de seu pai era Makar). Os documentos foram emitidos com esse nome, embora ela tivesse sido listada como Panfilova no cartório de registros de nascimento.

Isso explicava por que, dentre as 250 Antonina Makarovas encontradas pela KGB, Tonia, a garota-metralhadora, não estava presente – as buscas haviam contemplado apenas aquelas registradas com esse nome no nascimento.

Veterana de guerra fake

A irmã de Panfilov, Antonina Makarova, trabalhava então em uma fábrica de roupas em Lepel, na Bielorrússia. Esposa de um herói de guerra, o sargento Viktor Ginzburg, ela era uma veterana respeitada, condecorada com prêmios e dava palestras a jovens.

Ciente do risco de caluniar indevidamente um veterano de guerra, a KGB acompanhou cuidadosamente Makarova por um ano inteiro. Os investigadores levaram a Lepel pessoas que conheciam e poderiam identificar Tonia – entre eles, ex-amantes e colaboradores que voltaram para casa depois de servirem na gulag.

No fim das contas, ficou confirmado que a venerável veterana de guerra Antonina Ginzburg não era outra senão a garota-metralhadora, cujos parentes, incluindo marido e duas filhas, não suspeitavam dos crimes. Makarova foi imediatamente detida.

Durante a retirada em massa do Exército alemão, ela havia acabado em Königsberg (mais tarde renomeada como Kaliningrado). Quando o Exército Vermelho capturou a cidade, Antonina voltou a ser enfermeira e conseguiu um emprego em um hospital. Lá, conheceu seu futuro marido e passou a utilizar o seu sobrenome.

De executora a executada

Durante todo o interrogatório, Antonina Panfilova-Makarova-Ginzburg permaneceu calma. Ela tinha certeza de que todas as suas ações eram atribuíveis à guerra, acreditando que, com o passar do tempo, ela seria presa e em pouco tempo libertada.

No entanto, o tribunal decidiu exatamente o contrário. Não foi possível provar sua cumplicidade no assassinato de 1.500 pessoas, mas foi estabelecido, sem sombra de dúvida, que a morte de 168 dos executados em Lokot se devia a ela.

Às 6 horas da manhã de 11 de agosto de 1979, Antonina Makarova recebeu uma amostra de seu próprio veneno – foi executada por um pelotão de fuzilamento, e a KGB enfim fechou a pasta de um dos casos mais longos de sua história.

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