O Mausoléu de Lênin é, em grande parte, criação de Stálin. Quando Vladímir Lênin morreu, milhares de membros do Partido Comunista de todo o país se reuniram para prestar as últimas homenagens ao líder da revolução, cujo corpo ficou temporariamente alocado no Palácio dos Sovietes, em Moscou.
As delegações continuavam chegando e partindo; enquanto isso, o corpo de Lênin começou a se decompor. Foi então que, sob ordens diretas de Stálin, o corpo do líder foi embalsamado e colocado no mausoléu – contra o desejo de Lênin, e apesar do protesto da viúva, Nadejda Krúpskaia. O mausoléu era inicialmente de madeira, mas depois construído de granito, ambos projetados pelo arquiteto Aleksêi Schusev.
Um convidado de honra
Quando Stálin morreu, em março de 1953, o funeral se transformou em uma cerimônia pomposa e sombria que paralisou Moscou e levou à morte de dezenas. Após o funeral, o corpo embalsamado de Stálin também foi para o Mausoléu.
As letras “L-E-N-I-N” (em cirílico) vinham escritas em um monólito de labradorita preta de 48 toneladas no topo da estrutura. Inicialmente, as autoridade pintaram às pressas e escreveram “S-T-A-L-I-N” abaixo de “L-E-N-I-N”. Mas, durante os invernos rigorosos, a neve ressalta a silhueta das letras originais “L-E-N-I-N” por baixo da tinta preta, como se quisesse mostrar “quem ainda manda”. A pedra “L-E-N-I-N” com tinta descascada foi substituída por um novo monólito de labradorita, que apresentava os dois sobrenomes, em 1961. A ordem era destruir o origina, mas o comandante dos mausoléus, Konstantin Mochkov, guardou a pedra sob risco de execução (e, eventualmente, se tornou um herói de Estado por sua ousada “visão”).
Com dois sarcófagos, o mausoléu teve sua equipe dobrada – afinal, agora havia duas múmias para atender. O corpo de Stálin parecia muito mais “luxuoso” que o de Lênin: o primeiro usava seu uniforme de generalíssimo, decorado com botões e dragonas douradas e ordens do Estado no peito; já Lênin, estava (e ainda está) em um traje civil preto, sem nenhum prêmio ou decoração. Pelo aspecto visual, podia se pensar que Stálin, o discípulo, teria se saído consideravelmente melhor na vida que o seu tutor.
Partida no Halloween
Após a morte de Stálin e a ascensão de Nikita Khruschov ao poder, os soviéticos queriam se esquecer do passado sombrio e totalitário. No 20º Congresso do Partido Comunista da União Soviética, em 1956, Khruschov fez o famoso discurso denunciando Stálin, seu culto à personalidade e ditadura. A demolição dos monumentos a Stálin começaram por toda a URSS. Era evidente que ele deveria ser retirado do mausoléu – porque Stálin havia traído os ideais de Lênin.
A decisão final foi tomada no 22º Congresso do Partido Comunista. O objetivo, porém, era parecer que o governo estava atendendo a um pedido dos trabalhadores de Leningrado e foi anunciada por Ivan Spiridonov, funcionário do Partido, em 30 de outubro de 1961. Mas o absurdo acerca dos dois cadáveres só aumentava.
A famosa discípula bolchevique Dora Lazurkina, de 80 anos, anunciou que no dia anterior havia se “aconselhado” com Lênin. “Ele ficou diante de mim como se estivesse vivo e disse: ‘Estou desconfortável por estar ao lado de Stálin, que trouxe tantos problemas ao Partido’”, disse Lazurkina.
A decisão deveria ser implementada imediatamente – as autoridades temiam que a parcela do povo soviético que ainda apoiava Stálin pudesse intervir ou até se revoltar. Então, em 31 de outubro, na calada da noite, o corpo de Stálin foi transferido primeiramente do mausoléu para um laboratório situado abaixo dele e depois retirado do prédio para ser enterrado perto da muralha do Kremlin.
Por que no Halloween? Muitos acreditam que se trata apenas de coincidência. Mas, em 30 de outubro, a Tsar Bomba, a arma nuclear mais poderosa já criada, foi testada no arquipélago de Nova Zembla, no Oceano Ártico. Então, no dia seguinte, em vez da saga do corpo de Stálin, foi a notícia da bomba que tomou conta das manchetes. Não houve protestos nem nada, e a operação foi mantida em segredo.
“Impeça Stálin de levantar novamente”
Em 31 de outubro, a Praça Vermelha foi fechada por causa dos preparativos para o desfile que aconteceria em 7 de novembro, marcando o aniversário da Revolução de 1917. Os flancos do Mausoléu estavam cobertos com papelão, portanto, nem os soldados que marcharam na praça foram capazes de ver qualquer coisa.
Todas as condecorações e prêmios foram removidos da jaqueta de Stálin; até os botões e dragonas dourados foram retirados. Cerca de 30 oficiais, entre os mais dedicados (e taciturnos), da KGB e militares estiveram envolvidos na operação. Os parentes de Stálin não estavam presentes; seu corpo foi colocado em um caixão de madeira, pregaram a tampa, e o túmulo foi coberto com uma placa de concreto. Stálin foi a única pessoa enterrada perto do Kremlin sem funeral, orquestra ou saudação.
Na manhã seguinte, o mausoléu abriu novamente, mas apenas com Lênin dentro. Durante a noite, o monólito original com a inscrição “L-E-N-I-N” também foi devolvido – e o comandante Mochkov, que o guardara, passou de infrator a herói.
Um ano depois, o poeta soviético Evguêni Ievtuchenko, que sempre foi leal ao regime, publicou um poema no “Pravda”. Chamado de “Os Herdeiros de Stálin”, o texto exortava o povo soviético a dizer adeus para sempre ao tirano: “E eu, apelando ao nosso governo, peço que dobrem, e até tripliquem, o número de sentinelas que guardam essa lápide e impeço Stálin levantar novamente, e, com Stálin, o passado”.