A construção de uma linha ferroviária pela Sibéria que destruiu vidas (FOTOS)

História
EKATERINA SINELSCHIKOVA
Após examinar parte da futura rota da BAM (da sigla em russo, Linha Principal Baikal-Amur), o coronel Nikolai Volochinov declarou, durante a Rússia Imperial, que o projeto era impossível de se realizar. Um século depois, porém, trens passaram a rodar por ali, entre a floresta de taiga e o permafrost.

Durante a Perestroika, na década de 1980, a BAM já tinha virado meme: “O monumento mais longo à estagnação”. Com 4.287 quilômetros que percorrem rios, natureza selvagem e solos congelados, sua construção dificilmente poderia ser mais complexa.

A palavra “mais longa” referia-se não apenas a sua extensão, mas também ao planejamento. A estrada de ferro estava em construção havia tanto tempo que ganhou outro apelido: “O projeto do século” – e não com sentido positivo. Ele consumiu tanto sangue, suor e dinheiro, que sua conclusão a qualquer preço já era questão de princípio.

Tudo começou (como muitas outras coisas) durante o governo de Stálin, em 1932, com uma resolução do governo que se chamava "Sobre a construção da Ferrovia Baikal-Amur", com uma sugestão de prazo de 3,5 anos. O prazo absurdo mostra quão pouco a liderança do partido sabia sobre o Extremo Oriente da Rússia.

A maior parte do percurso atravessa os territórios gigantescos de Iakútia, Tchukótka e Kolimá, partes do mundo que são mais difíceis de alcançar do que a lua. Muitos trechos da linha atravessam terrenos sem estradas e rios turbulentos (no total, 11 deles).

Tudo isso abalou a ideia do Kremlin de um “projeto de construção de choque” a jato (uma construção equivalente a uma blitzkrieg). Além disso, ninguém queria ir para a região. A BAM precisava de 12.000 escavadeiras, mas só havia 504; 2.389 perfuradoras, mas só havia 50, e assim por diante.

Mas a BAM tinha que ser construído. Primeiramente, porque ela fazia parte dos esforços para povoar a Sibéria e o Extremo Oriente, onde havia tantos recursos. Depois, porque era necessário aumentar a segurança nas fronteiras e criar uma base para a frota do Pacífico. E, por último, porque os territórios do Extremo Oriente estavam conectados ao resto da Rússia apenas por uma leve conexão da Transsiberiana. Se um inimigo a bloqueasse, vastas áreas do país estariam totalmente isoladas.

Decidiu-se, assim, optar por um esquema testado e aprovado: prisioneiros foram transferidos para novos campos de trabalho na floresta de taiga. Em 1º de maio de 1933, já havia 32.411 pessoas trabalhando no projeto.

No inverno, as temperaturas caíam para 50 graus Celsius negativos e, no verão, nuvens de mosquitos-pólvora literalmente devoravam as pessoas. Nos primeiros 18 meses, os condenados ficavam alojados ao ar livre próximos a fogueiras, sem barracas e com ração diária de 400 gramas de pão.

Os mortos eram substituídos por recém-chegados e, em meados de 1937, os primeiros 190 quilômetros tinham sido construídos. A segunda etapa, com 5.000 quilômetros de extensão, deveria ser concluída em 1945, mas foi interrompida pela Segunda Guerra Mundial. Com a morte de Stálin, em 1953, o projeto foi completamente esquecido.

O megaprojeto ganhou nova vida no governo de Leoníd Brêjnev. Em abril de 1974, a BAM foi declarada como um "Projeto de Construção da Pan-União Komsomol". Foi então que, para muita gente, a ferrovia nasceu oficialmente.

Isso significava que a BAM seria agora construída por jovens de organizações Komsomol (a juventude comunista) de todo o país. Uma grande campanha de propaganda foi lançada. A partir de então, a BAM era mencionada apenas em tom de reverência.

Os salários na BAM eram enormes para a época. No início dos anos 1980, o salário médio dos trabalhadores da BAM era de 322 rublos - enquanto em qualquer outro lugar da URSS era de menos de 180 rublos. A BAM atraía quem queria comprar um carro, apartamento ou dátcha (casa de campo).

Além disso, os suprimentos de bens, móveis, roupas etc. eram melhores até mesmo do que em Moscou. Surgiam novos povoados de qualidade para a época, cantores e atores visitaram os canteiros de obras para estimular o entusiasmo pelo projeto. A BAM era elogiada em dezenas de poemas e músicas. "Vivíamos sob o comunismo", explica Nikolai Martseniuk, um dos veteranos da construção da BAM.

Por trás da fachada ideológica, o objetivo real da ferrovia foi um pouco esquecido. O objetivo econômico - desenvolver os territórios do Extremo Oriente - deu lugar a uma ideia mais romântica: o domínio da natureza das pessoas. Muitos foram para lá simplesmente porque o Partido mandou. Os jornais estavam repletos de manchetes onde se lia: “O Partido diz: ‘Vá!’ O Komsomol responde: ‘Sim!’”.

Mas a resposta ao chamado terminou quando o “chefe dos operários”, Brêjnev, morreu. Na Perestroika de meados da década de 1980, até a BAM sofria déficit: farinha, açúcar, fósforos e outros produtos eram distribuídos com a apresentação de cupons. Todos os planos para desenvolver os territórios ficaram no papel, mas a linha em si foi concluída. Em 1989, a linha principal da Baikal-Amur finalmente entrou em operação e, dois anos depois, a União Soviética caía.

Apesar da pobreza generalizada, do desemprego e do caos geral, a linha sobreviveu aos anos 1990. Desde então, a opinião quanto a BAM mudou – e muito! Se antes ela era considerada um elefante branco, hoje há apelos para dobrar sua capacidade.

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