Como o tamanho da Rússia se tornou um grande problema

História
GUEÓRGUI MANÁEV
Quando você mora em um país como a Rússia, a geografia reina sobre quase todos os aspectos da vida. Como os Correios afetam nosso governo? Por que a Rússia precisa desesperadamente de, pelo menos, 50 governadores incorruptíveis? E por que os russos vivem tão raramente separados do grupo?

A Rússia é um país europeu no verdadeiro sentido da palavra? Sem dúvida. E não apenas desde os tempos de Pedro, o Grande – mas desde o momento em que a cultura russa começou a ter influência indireta no desenvolvimento da Europa ao interromper o ataque do Batu Khan, da Mongólia, no Ocidente. Em 1241, os mongóis chegaram à Hungria e estavam perto de invadir Sacro Império Romano. A essa altura, porém, o Exército de Batu estava espalhado por todo o vasto território da Rússia. Era como se os russos os tivessem engolido, sugando a força dos guerreiros mongóis – algo que mais tarde também fariam a Napoleão e, novamente, à Alemanha nazista.

Mas seu tamanho era proporcional à possibilidade de as coisas darem muito errado para a Rússia – tanto é que os mongóis nem sequer a desejavam. Muitas cidades surgiram esparsamente – teria sido mais fácil para os tártaros governarem da capital da Horda antes que os príncipes russos se aprumassem e decidissem retomar suas terras. Pela mesma razão, os russos levariam 200 anos para fazer isso acontecer. Cada principado na Rússia era equivalente ao tamanho da Bélgica ou Albânia (por exemplo, a região de Tver, com seus 28.000 quilômetros quadrados).

A maldição da distância

A geografia foi – e continua sendo – determinante para a forma de governo que se instalou na Rússia e sobrevive ainda hoje. Governar a partir do centro sempre foi uma tarefa gigantesca devido às vastas distâncias entre os principados.

Nos séculos 15 e 16, a distância média entre os pontos de distribuição no principado de Moscou era de 45 a 110 quilômetros. Quando cartas eram enviadas de Moscou à Europa, levava um mês apenas para chegar às fronteiras próprias. Um tipo de serviço postal regular que todos os civis podiam usar foi estabelecido somente no século 19, com encomendas saindo da agência duas vezes por semana.

No primeiro quarto de século, a viagem de Moscou a São Petersburgo levava, pelo menos, dois dias – e um total de seis dias para quem viajasse usando uma carruagem lenta, que podia ser alugada na agência dos correios. Os cavalos percorriam entre 110 e 160 quilômetros por dia a uma velocidade de 12 a 15 km/h, e exigiam períodos de descanso. Até então, o país já reunia um território desde Khabarovsk até as fronteiras europeias. Em 1805, o conde Fiódor Tolstói teve que fazer uma viagem do Extremo Oriente a São Petersburgo a pé e a cavalo. Essa jornada levou um ano inteiro.

Mas o que a existência do sistema estatal tem a ver com tudo isso? Bem, quando uma resolução (incluindo decretos oficiais) do centro leva um ano inteiro para chegar às extremidades do país, torna-se necessário instalar deputados para governar as várias regiões distantes. Quando essas pessoas subiam ao poder, elas efetivamente encarnavam o governo central, cumprindo o estado de direito conforme os decretos tsaristas. No entanto, pode-se imaginar que essas autoridades regionais também gozavam de enormes liberdades – e aí que entram seus princípios morais.

Déficit de governadores honestos

O historiador e funcionário público Nikolai Karamzin era da opinião de que a natureza dos governadores estava no cerne do sucesso do governo russo: “instale 50 governadores honestos, e o progresso se dará”, disse ele. Ao comparar o sistema estatal russo com o de outros países, não se deve esquecer as dimensões: a Rússia é 26 vezes a área da França e 47 vezes a da Alemanha (e estes são ‘grandes’ na Europa).

Nem todos acreditam ser adequado comparar os países levando em conta seu tamanho – mas faz sentido penar que, quanto maior for o território, mais difícil de governá-lo.

Implementar uma ampla reforma é quase impossível. A servidão, por exemplo, foi abolida oficialmente na Rússia em 1861. No entanto, passaram-se mais de 20 anos antes que o mesmo começasse a acontecer em Irkutsk, na Sibéria. Em geral, era esse o tempo necessário para as mudanças passaram de uma parte do país a outra.

Unidade pela segurança

Tamanho e distância também estão invariavelmente ligados à criminalidade. É fácil se perder na Rússia, ou desaparecer. Até hoje, há lugares onde não se vê uma viva alma por centenas de quilômetros. Atravessar o país de trem leva uma semana. Acaba sendo também um paraíso para os criminosos. Quem cumpre a lei sempre tende a viver em áreas povoadas ou próximas a ela. Os ‘khutors’ solitários ou casas no meio do nada são mais exceção do que regra: nesses casos, os moradores de regiões desertas ficam vulneráveis ao ataque por gangues ou por um urso – basta escolher.

Os camponeses da Rússia também acreditavam ser difícil cuidar de seus meios de subsistência vivendo separadamente do grupo – a colheita era melhor quando se fazia parte de uma “obschina” (comunidade). Esse espírito comunitário permeava toda a vida. E isso não se restringia apenas aos camponeses: a nobreza russa estava igualmente ligada a laços comunitários, bem como ajuda e cooperação mútuas.

Desse modo, a geografia na Rússia se tornou também um motivo para a união dos povos, além de promover a centralização do poder.

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