Muitos russos também sequer sabem do que se trata quando ouvem as palavras “República de Tuva”, principalmente aqueles que vivem na parte europeia do país. A região, uma das 85 unidades federativas do país, é muito remota mesmo: fica 4.600 quilômetros a leste de Moscou, no sul da Sibéria, na fronteira com a Mongólia.
Não há nem aviões fazendo o trajeto diretamente de Moscou para lá, e a região ainda não tem ferrovias. Para chegar à capital de Tuva, Kizil, é preciso voar até a cidade siberiana de Abakan e a partir dali pegar um ônibus que faz uma viagem de 7,5 horas até lá.
Você pode até estar se perguntando: para que tudo isso? Mas Tuva é muito mais interessante do que parece. Em primeiro lugar, esta é a terra dos xamãs, onde a população original, antes nômade e que hoje vive em pequenas aldeias, ainda preserva a arte mística da comunicação com outros mundos (ou, pelo menos, é o que eles dizem).
Em segundo lugar, a natureza selvagem de Tuva é tão espetacular que o próprio presidente russo, Vladimir Putin, curte: em agosto de 2018, por exemplo, ele foi fazer trilhas ali em um final de semana.
Um ano antes, ele passou as férias inteiras em Tuva pescando e praticando rafting com o ministro da Defesa, Serguêi Choigu, que é descendente da etnia de Tuva.
Talvez a coisa mais peculiar sobre Tuva seja como ela se uniu à Rússia. Há menos de cem anos, a região era um Estado asiático independente, que chegou até mesmo a declarar guerra à Alemanha nazista durante a Segunda Guerra Mundial. Então, por que ele se juntou à URSS?
Da China ao caos
Se olharmos para trás, no início do século 20, Tuva pertenceu à China, assim como à Mongólia e a toda a Ásia setentrional não russa. As fronteiras, porém, eram confusas ou até inexistentes.
Como se lê no portal Dilentant.Media, “centenas de comerciantes russos faziam trocas comerciais em Tuva e viviam ali”.
E havia motivo para tanto. Os habitantes de Tuva tinham grandes rebanhos de gado e em suas terras abundavam animais que forneciam pele, além a região ser farta em ouro. Desta forma, os habitantes locais se beneficiavam do comércio com os russos.
Seus laços com a China, naquele tempo, estavam se enfraquecendo, já que a autoridade do imperador chinês diminuía. Logo depois que a Primeira Revolução Chinesa varreu a monarquia, entre 1911 e 1912, os habitantes de Tuva pediram ao imperador Nikolai 2° que transformasse a região em parte da Rússia. Em 1914, ele concordou.
"Os chineses protestaram, mas ninguém mais prestou atenção nisso quando a Primeira Guerra Mundial estava em sua maior intensidade", lê-se no Diletant. Mas a história estava longe de terminar: em 1918, a Rússia caiu durante a Guerra Civil, e Tuva seguiu seus passos.
Um país minúsculo
A guerra dividiu Tuva em três partes, controladas pelos mongóis, pelo Exército Branco e pelos líderes militares locais. Depois da ascensão dos bolcheviques, eles decidiram deixar Tuva ser um Estado independente para não piorar as relações de Moscou com Pequim.
"Era muito cedo para Tuva se unir à URSS: os líderes do país eram aristocratas, parte da população apoiava os mongóis e o partido comunista era fraco", explica o cientista político Viktor Sandakpan, natural da região.
Mesmo assim, a nova República Popular de Tuva, criada em 1921, dependia muito da Rússia Soviética. Não foi surpresa, portanto, que em 1941 o exército de Tuva contasse com apenas 489 soldados.
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Ao mesmo tempo, seis Constituições foram passadas em 20 anos de independência do pequeno país, e os comunistas locais conseguiram até mesmo realizar uma versão mais leve do Grande Expurgo de Stálin ali.
“No final da década de 1920 e início da de 1930, os jovens stalinistas que tinham estudado em Moscou dirigiam o país. Eles retiraram de seus postos os líderes antigos e atiraram os executaram quase todos”, segundo o Diletant.
A jovem geração, implacável, lutou contra a aristocracia, os budistas, os xamãs, enfim, todos que não se encaixassem na nova ideologia. Segundo Sandakpan, entre 1.200 e 1.700 pessoas sofreram repressões na década de 1930 em Tuva.
Tuva contra Hitler
Em 1932, Saltchak Toka, um comunista devotado, tornou-se premiê da república. Ele dizia ter um sonho: “Quero que nosso povo se reúna com os povos da grande União Soviética. Até que isso aconteça, meu sonho não terá sido realizado”.
Provando sua lealdade à Rússia, a República Popular de Tuva foi o primeiro Estado a declarar oficialmente apoio à União Soviética na Segunda Guerra Mundial, depois que a Alemanha nazista atacou, em 22 de junho de 1941 (derrotando a Grã-Bretanha em algumas horas).
O governo de 90.000 pessoas declarou guerra à Alemanha. Reza a lenda que Adolf Hitler não respondeu porque não conseguiu encontrar Tuva no mapa (mas talvez ele sequer tenha tentado).
Brincadeiras à parte, o pequeno país deu tudo o que pôde para ajudar a URSS, começando por todas suas reservas de ouro e terminando com o envio de cerca de 8.000 pessoas para servir no Exército Vermelho.
Na Rússia
Ainda antes do fim da guerra, o sonho de Saltchak Toka se tornou realidade. Em 1944, o governo soviético cumpriu o pedido da República Popular de Tuva de agregá-la à URSS, tornando-a parte da República Socialista Federativa Soviética da Rússia.
Isto significava que, mesmo depois que a URSS deixasse de existir, a remota Tuva permaneceria dentro da Federação da Rússia, preservando sua cultura xamanista única - e criando um destino de férias nacional para o presidente Vladimir Putin.