Como um oficial da Marinha liderou uma nova Revolução em 1975

Sputnik
É difícil imaginar, mas em meados da década de 1970, em meio meio aos anos pacíficos da chamada Era de Estagnação na União Soviética, um capitão da Marinha tomou um navio de guerra e tentou dar um golpe de Estado. Este episódio inspirou Tom Clancy a criar seu romance “A Caçada ao Outubro Vermelho”.

Em 9 de novembro de 1975, a Rússia passou por um evento extraordinário que não era visto havia mais de 50 anos – uma tentativa de revolução. Nesta data, o capitão de terceiro escalão Valéri Sablin apreendeu uma fragata antissubmarino da Frota do Báltico, declarando que a liderança soviética já não seguia a doutrina de Vladímir Lênin e que o país precisava de uma mudança radical.

O navio de guerra deixou o porto de Riga e começou sua jornada para Leningrado, de onde Sablin planejava lançar uma grande revolução que abalaria o enorme país.

Navio como plataforma política

Um oficial de terceiro escalão da Marinha, Valéri Sablin tinha sido um estudante diligente na Escola Naval Superior de Leningrado – e muitas vezes elogiado por seus professores e colegas, que notavam seu senso aguçado de justiça.

No entanto, a carreira de oficial militar que cumpre cegamente as ordens não era do feitio de Sablin – ele queria entender e analisar os processos políticos em seu país, e muitas coisas o desagradavam.

Segundo ele, o país precisava de transformação radical.

“Ele sempre pensou globalmente. Tentava entender profundamente os fenômenos sociais. Ele era um político por natureza”, lembra o policial Nikolai Tcherkachin, que era colega do oficial.

Sablin nunca teve medo de expressar abertamente suas opiniões. Em 1962, com apenas 23 anos, escreveu uma carta ao líder soviético Nikita Khruschov pedindo para “o Partido Comunista se livrar de bajuladores e elementos corruptos”. Toda sua carreira estava em jogo, mas o oficial teve a sorte de ser só repreendido.

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Esse escândalo, porém, não o impediu de entrar para a Academia Política Militar de Lênin. E, em vez de comandar um navio de guerra, Sablin decidiu se responsabilizar pela educação política da equipe.

Em 1973, o capitão foi nomeado oficial político da mais nova fragata antissubmarino da classe Burevestnik, Storojevoi (Guarda), o melhor navio da Frota do Báltico soviética. Sablin decidiu que esse navio de guerra seria a plataforma perfeita para compartilhar suas ideias com o país.

A revolução da revolução

Durante dois anos de serviço no Storojevoi, Sablin conversou com a tripulação e compartilhou seus pensamentos, em busca de aliados. Em novembro de 1975, quando a URSS celebrava o 58º aniversário da Revolução, decidiu que havia chegado a hora.

Em 8 de novembro, Sablin prendeu e trancou o capitão do navio, convocou os oficiais e fez um discurso. Ele disse que a liderança soviética havia deixado de seguir os ideais de Vladímir Lênin e que o país estava atolado em corrupção e incompetência.

“A Grande Rússia deve ser um líder mundial, não um país faminto liderado por Brejnev”, disse Sablin, acrescentando que era preciso fazer uma nova revolução. Os oficiais que se recusaram a se unir a Sablin foram presos e trancados junto com o capitão do navio. Depois disso, o oficial fez o mesmo discurso aos marinheiros.

“Chegou a hora de trazer justiça. Nosso ato é apenas um pequeno impulso que levará a um grande impacto”, disse ele. (segundo os registros de Vladímir Chiguin em “Storojevoi Rebelde. Último desfile do Capitão Sablin”, de 2013).

O marinheiro Aleksandr Chein, que se tornou o principal ajudante de Sablin, mais tarde testemunhou: “Seu discurso nos inspirou demais. Tudo o que havíamos discutido secretamente entre nós foi de repente declarado em voz alta, oficialmente. A dignidade despertou em cada um de nós”.

O comando da Marinha soviética foi informado sobre as exigências de Sablin: a garantia de integridade da fragata e da tripulação, a oportunidade diária de expressar opiniões na TV e no rádio, e a chance de corresponder e realizar reuniões presenciais com o povo.

O navio de guerra deixou Riga dirigiu-se rumo a Leningrado para ancorar ao lado do símbolo da Revolução Russa, o encouraçado Aurora.

Quando Leonid Brejnev descobriu o que havia acontecido, emitiu uma ordem para destruir a fragata. Se Sablin fosse conduzir seu navio por águas territoriais suecas, equipamentos e armas ultrassecretas da União Soviética poderiam cair nas mãos dos países ocidentais – e a liderança do bloco jamais permitiria isso.

O triste fim do Dom Quixote soviético

Nove navios da Frota do Báltico partiram para interceptar o navio de Sablin. Além disso, um esquadrão de bombardeiros Yak-28 seguiu para sobrevoar a fragata. Foi necessário um único ataque para resolver a situação.

Depois de a bomba atingir o convés, a equipe imediatamente percebeu que em breve todos estariam mortos. Os marinheiros prenderam Sablin, libertaram o capitão e informaram ao comando da Marinha que o navio estava sob controle.

Chein foi condenado a oito anos de prisão; enquanto Valéri Sablin esperava seu veredito, ele desenhou Dom Quixote lutando contra moinhos de vento. Em 3 de agosto de 1976, o oficial foi acusado de trair a nação e executado.

Oficialmente, a viagem de Sablin acabou sendo declarada como uma tentativa de fugir para a Suécia. Tom Clancy, porém, sentiu-se inspirado pela história, que veio a se tornar a base para o clássico “A Caçada ao Outubro Vermelho”.

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