A história não contada da origem do beisebol soviético

História
NIKOLAI CHEVTCHENKO
Eles simularam fidelidade ideológica à União Soviética para possibilitar uma viagem aos EUA. Quando finalmente chegaram ao Novo Mundo, o presidente Ronald Reagan deu meio volta a bordo de seu helicóptero para encontrar a equipe vermelha.

Quando a RusStar venceu o campeonato de 2018 na Liga de Beisebol Amadora da Rússia, foi um momento particularmente feliz para o treinador, Andrêi Artamonov, de 50 anos – um flashback de sua juventude.

Na década de 1980, o governo soviético recrutou Artamonov e outros jovens atletas com diferentes origens para compor uma nova equipe que aprenderia a praticar um esporte do qual nunca tinham ouvido falar: beisebol. O objetivo também já havia sido definido: vencer os norte-americanos em seu próprio jogo.

A tacada final contra o capitalismo

Artamonov, agora técnico de beisebol, desistiu do hóquei para seguir carreira no beisebol em um país onde ninguém sabia nada sobre o jogo estrangeiro.

Seu pai era um jogador de hóquei profissional, e ele só conhecia o beisebol porque costumava assistir à equipe da embaixada dos EUA fazendo esportes desconhecidos ao lado do Estádio Burevestnik, em Moscou, onde vivia quando criança.

O jovem teria ficado com o taco e o disco de hóquei, mas o governo soviético tinha outros planos. Em 1986, as autoridades perceberam que o país precisava ter seu próprio time de beisebol. Na época, o poder soviético orgulhosamente demonstrava seu poderio em competições esportivas. Os soviéticos já haviam derrotado os canadenses no hóquei e esmagado os americanos no basquete. Era o momento certo para dar a taca final contra a indústria esportiva do capitalismo.

O primeiro time soviético de beisebol foi formado às pressas com homens de procedências diversas, do hóquei ao dardo. O único critério era a aptidão física. Mas, para muitos jogadores, não foi surpresa quando, em 1987, a equipe perdeu seu primeiro jogo, com a humilhante pontuação de 22 a 0 para um time da Nicarágua.

As habilidades dos jogadores foram, porém, rapidamente evoluindo, e a hora de desafiar os norte-americanos enfim chegou em 1989.

“Eles nos chamaram para o Comitê Olímpico da União Soviética e recebemos malas com belos uniformes com a marca ‘URSS’. Então nos reuniram e começaram a dar uma palestra sobre como não deveríamos andar pelas ruas nos EUA sozinhos; e álcool e até cigarros eram proibidos. Logo algo nos alarmou”, relembra Artamonov.

Quase vencidos pelo Komsomol

Toda equipe que ia ao exterior deveria ter entre seus jogadores um representante do Komsomol, a União da Juventude Comunista. Mas a equipe de beisebol não tinha um.

“Nós não dávamos a mínima para política; só queríamos jogar. Mas, para ir aos Estados Unidos, tivemos que sucumbir, porque senão eles poderiam ter cancelado a viagem”, disse Artamonov.

Pego de surpresa pela questão delicada e sabendo que o destino da equipe dependeria da resposta certa, o técnico apontou para o jogador mais jovem da equipe.

“Era o cara que raramente pronunciava qualquer palavra”, recorda Artamonov. “Normalmente de boca fechada, o jogador, Iliá Onoktchov, levantou-se e fez um discurso tão inspirador sobre os ideais soviéticos nos esportes que todos ficaram surpresos. E acrescentou: ‘Ganharemos pelo menos um jogo contra os americanos’.”

Em estado de choque, a equipe inteira ficou em silêncio: todos sabiam que só a sorte poderia salvar os amadores de uma derrota humilhante nas mãos de jogadores profissionais de beisebol. Ninguém na equipe pensou que eles poderiam cumprir uma promessa tão ousada feita a um oficial do Partido Soviético.

Acompanhados por um oficial da KGB (também obrigatório a todas as equipes esportivas soviéticas no exterior), os novos jogadores de beisebol chegaram à Flórida.

“Para nossa surpresa, vencemos dois de seis jogos”, diz Artamonov. “Cumprimos nossa promessa, e até superamos”. A bem-sucedida turnê americana colocou o beisebol soviético na trilha certa. Em 1991, a equipe soviética avançou, atuando contra times da Itália, França, Suíça, Grã-Bretanha, Bélgica e outros.

Recepção da Casa Branca

Ronald Reagan havia acabado de deixar a Casa Branca a bordo do Marine One quando foi informado de que os jogadores de beisebol soviéticos tinham chegado à residência do presidente como parte de uma visita guiada.

“O Marine One pousou de volta no gramado da Casa Branca, e Reagan saiu para nos encontrar e apertou a mão de todos”, conta Artamonov.

Hoje, o treinador descreve essa atenção como algo de pouca importância. “Nós apertamos as mãos [de Reagan]; também apertamos a mão de George W.Bush”, diz, acrescentando ter ainda um cartão postal assinado pessoalmente pelo segundo.

Quando a União Soviética caiu, os americanos perderam o interesse nos jogadores “vermelhos”. “Na época, quando os americanos sabiam que a antiga equipe soviética estava chegando, eles não sabiam muito o que esperar: ursos ou pessoas. Eles queriam nos tocar, nos ver. Tudo mudou”, lembra, com tristeza visível nos olhos.

Embora alguns jogadores russos tenham se mudado e atuado em equipes dos EUA, Artamonov permaneceu em Moscou e não tem certeza se sua carteira de habilitação na Flórida, emitida há quase 30 anos, já expirou.

Hoje, o ex-atleta encontra consolo como treinador e levou o clube RusStar à vitória na Liga de Beisebol Amadora da Rússia. Também está à frente de um espaço no Centro Multiesportivo do complexo Lujniki, em Moscou, onde treina jogadores, tanto amadores como profissionais, de beisebol com uma máquina de arremessos e bolas importadas diretamente da Flórida.

“Sempre admirei a liga amadora. Profissionais jogam beisebol como trabalho, eles priorizam o dinheiro. O beisebol amador é puro amor pelo esporte. O jogo em prol do jogo”, diz o treinador, acrescentando com um suspiro. “Estou velho e sentimental?”

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