Robert Robinson, o afro-americano que fugiu do racismo para cair na URSS de Stálin

História
OLEG EGOROV
Robert Robinson passou 44 anos na União Soviética ajudando a modernizar o país. Não era comunista, mas deixou os Estados Unidos por causa da discriminação e para fazer dinheiro. Só que, embora a salvo da Ku Klux Klan, foi obrigado a servir de garoto-propaganda do Partido para sobreviver ao stalinismo.

“Seu macaco, você deveria estar aqui meia hora atrás. Você não poderia ter dado as caras mais rápido que isso?”

Essas foram as primeiras palavras que Robert Robinson, um engenheiro afroamericano de 23 anos, ouviu de seu chefe na Ford, em Detroit, no ano de 1930. Ele havia ligado para Robinson ir a seu escritório discutir um assunto importante – Robert estava sendo convidado a viajar para...a URSS.

A situação para os negros nos EUA era bem difícil na época. Além das dificuldades econômicas da Grande Depressão, de 1929, o racismo era prevalente e até uma questão de política estatal. Robinson era o único funcionário negro na fábrica da Ford, com 700 trabalhadores, e enfrentava insultos todos os dias.

Os soviéticos lhe fizeram uma oferta atraente: salário mensal de 250 dólares (contra os 140 dólares que recebia na Ford), mais acomodação e viagens. Com urgência de especialistas qualificados para ajudar a industrializar o país e construir uma sociedade comunista, os líderes soviéticos estavam contratando estrangeiros.

“Com isso [salário], eu devo poder trazer minha mãe para Nova York…já que ela estava sozinha em Cuba sem qualquer família”, lembrou Robinson em suas memórias “Preto no Vermelho: Meus 44 anos dentro da União Soviética”.

Sua decisão de ir para a URSS foi também motivada pelo linchamento do primo de um amigo alguns meses antes. Robinson imaginou que a URSS de Stálin não poderia ser pior que nos Estados Unidos e, por isso, assinou um contrato de um ano.

Stalingrado chamando

“Por séculos, Nova York recebeu os imigrantes que chegavam aos EUA. Mas em 1930 e 1931, milhares de americanos saíam de Nova York para a URSS...fugindo do desemprego”, disse Tim Tzouliadis, autor de um livro sobre americanos na URSS, em entrevista à Radio Liberty. Havia grande demanda porque os soviéticos queriam transformar o país predominantemente rural em uma superpotência industrializada.

Sendo negro, Robinson era duplamente atraente para os soviéticos – também podia ser usado para propaganda. “O Partido Comunista da União Soviética defendia a causa do igualitarismo racial, incluindo a igualdade social e política para os negros, como parte de seus esforços para obter apoio internacional”, escreveu Barbara Keys, historiadora da Universidade de Melbourne, sobre o caso de Robinson.

Os afro-americanos tiveram sua imagem explorada na União Soviética dos anos 1920 e início dos anos 1930. Eles ajudavam a expor o racismo nos Estados Unidos e também usados ​​para elogiar a aparente tolerância dos soviéticos. O problema com Robinson, que foi trabalhar em uma fábrica em Stalingrado (agora Volgogrado, 969 km ao sul de Moscou), era que ele não estava disposto a promover o comunismo.

Fama indesejada

“Minhas crenças fundamentais estão em completa oposição ao Partido e ao regime soviético. Eu não sou ateu...eu acredito em Deus”, escreveu Robinson. Mas as coisas estavam indo bem na fábrica de Stalingrado: “Tudo correu de forma bastante tranquila, diferente do trauma do período inicial na Ford”.

Seus colegas de trabalho soviéticos nunca mencionavam seu passado ou a cor de sua pele. Robinson enfrentou racismo pela primeira vez na URSS quando dois brancos americanos o atacaram enquanto caminhava ao longo das margens do Volga. Ele conseguiu combatê-los e por vários dias a imprensa soviética chamou a atenção para o caso. Os criminosos foram deportados, e Robinson acordou famoso – contra vontade.

“Muitos me viam como herói, algo que eu realmente não conseguia entender”, disse, acrescentando que só queria “ganhar dinheiro suficiente” para voltar para casa.

Camarada Robinson e os expurgos

Engenheiro habilidoso, Robinson prolongou seu contrato e, em 1932, mudou-se para Moscou. Na capital, ele conseguiu um emprego em uma fábrica de rolamentos e ajudou a construir equipamentos úteis para o setor. Mesmo quando visitou os EUA em 1933, sentiu-se decepcionado: “[A vida nos EUA durante a Grande Depressão] era tão contrária ao espírito animado manifestado pelos trabalhadores russos”.

Por isso, decidiu ficar em Moscou um pouco mais. Em 1934, embora Robinson não fosse membro do Partido, foi votado pelos trabalhadores como candidato ao Soviete de Moscou (conselho da cidade). Mesmo atordoado e ansioso, assumiu a posição.

Robinson tinha motivos para se preocupar: na década de 1930, os expurgos de Stálin estavam ganhando força e conhecia muitas pessoas que estavam desaparecendo, sendo presas e fuziladas. “Meu passaporte americano provavelmente salvou minha vida em uma época em que milhares de pessoas inocentes desapareciam diariamente em uma caça às bruxas sancionada pelo Estado”, escreveu.

Muitos de seus amigos russos, trabalhadores comuns, tornaram-se vítimas. 

Borsch vs. batata frita

Embora Robinson tivesse medo de Stálin, ele achava a situação nos EUA na época ainda pior e resolveu permanecer na URSS. “Eu aprendi o funcionamento do sistema soviético e me disciplinei para não dar escorregadas”, lembra Robinson.

O americano sobreviveu à Segunda Guerra Mundial ao ser evacuado de Moscou, mas tentou voltar para os Estados Unidos durante a Guerra Fria.

E não foi uma viagem simples. Seu pedido anual de visto de saída foi recusado até 1976. Neste ano, porém, conseguiu viajar para Uganda, onde encontrou refúgio. Depois, mudou-se para os EUA. Já em sua terra natal, escreveu em 1993, “a borsch era boa, mas batatas fritas e ensopado de frango apimentado são melhores”.

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