Quem começou a Guerra Civil na Rússia?

História
ALEKSÊI TIMOFEITCHEV
Após o tsar Nicolau 2º abdicar do trono, em fevereiro de 1917, e a subsequente vitória dos bolcheviques em outubro do mesmo ano, a Rússia ficou despedaçada. Milhões morreram e diversas propriedades foram destruídas.

1. Lênin e os bolcheviques?

Para muitos, a resposta é óbvia: os bolcheviques. Esta é a visão mais popular na Rússia e no exterior. Um dos principais argumentos utilizados para fundamentar a afirmação de que os bolcheviques foram a principal força-motriz da Guerra Civil é o seu famoso slogan: “transformar uma guerra imperialista em uma guerra civil”.

O líder bolchevique, Vladimir Lênin, disse essas palavras no verão de 1915, dois anos antes da queda dos Romanov e na época em que a Primeira Guerra Mundial estava em pleno vapor. O slogan tinha um apelo internacional, não se concentrando exclusivamente na Rússia, porque os bolcheviques estavam obcecados com a ideia de uma revolução mundial. No entanto, a situação na Rússia se desenvolveu exatamente nesse sentido: a 1ª Guerra “imperialista” se transformou em uma guerra civil.

Muitos consideram a repressão bolchevique à Assembleia Constituinte como o despertar das hostilidades. Esse órgão, que era fortemente apresentado como “Mestre das terras russas”, e cuja convocação foi antecipada após a queda do tsar, realizou sua primeira sessão no início de janeiro de 1918, cerca de dois meses depois de os bolcheviques terem tomado violentamente o poder.

Depois de perderem as eleições para os socialistas democráticos, os bolcheviques encerraram a Assembleia à força e dispersaram uma manifestação em seu apoio, atirando em vários dos manifestantes. O número de vítimas chegou a algumas dúzias.

A coerção bolchevique foi um movimento simbólico, e o historiador Konstantin Morozov a chamou de “gatilho da Guerra Civil Russa”, porque incorporou a falta de disposição de Lenin em levar em conta a posição de seus oponentes, não deixando outra alternativa senão a repressão. A dispersão dos apoiadores da Assembleia é, por vezes, também interpretada como o início do famoso Terror Vermelho.

2. Os Brancos?

Paralelamente, argumenta-se que, para a grande maioria dos russos, o destino da Assembleia Constituinte não era importante. Os camponeses compreendiam mais de 80% da população, e, para essas pessoas, a questão principal era como obter a terra dos grandes proprietários e depois mantê-las – as questões jurídicas abstratas do constitucionalismo russo não lhes interessavam muito. Isso também não seria um problema para o principal adversários dos bolcheviques, o Exército Branco.

“A maioria dos oficiais brancos (...) eram monárquicos. Tanto os contemporâneos como os historiadores concordam com isso. Os brancos até evitavam o termo ‘Assembleia Constituinte’. Eles não queriam reavivar o órgão”, diz o historiador Aleksêi Gusev. Por essa lógica, a repressão a algo não valioso para a grande maioria da população dificilmente podia ser vista como ponto de partida da Guerra Civil.

Outro fato importante a considerar é que a primeira tentativa de golpe de Estado envolvendo unidades militares ocorreu em agosto de 1917, dois meses antes do levante bolchevique. O general Kornilov, então comandante-chefe, enviou tropas a Petrogrado (atual São Petersburgo) para desafiar o Governo Provisório. O golpe falhou, e Kornilov foi preso. Enquanto estava atrás das grades, ele criou um programa que implementou depois de sair da prisão e da tomada do poder pelos bolcheviques.

Seu plano se resumia ao Movimento Branco, os arqui-inimigos dos bolcheviques e que, em muitos aspectos, desejavam restaurar o antigo sistema. O movimento de Kornilov usou a força pela primeira vez, antes mesmo de os bolcheviques assumirem o poder. Por isso, alguns especialistas ligam o início da Guerra Civil com Kornilov e seus seguidores em meados de 1917.

3. Ambos os Vermelhos e os Brancos?

Esta é uma abordagem mais ponderada. “A guerra civil como conflito sociopolítico foi provocada por ambos os lados”, alega Gusev. Os proprietários de terras, a burguesia, o aparelho burocrático e muitos oficiais militares sentiram suas posições ameaçadas pela queda do tsar. Enquanto isso, o aprofundamento dos sentimentos revolucionários dos camponeses, dos trabalhadores e dos soldados ameaçava ainda mais a situação daqueles ligados ao antigo regime. “O confronto entre aqueles a favor e os contra a Revolução era inevitável”, continua o historiador.

Ambos os lados usaram métodos violentos similares; por isso, é difícil encontrar o verdadeiro vilão da história. O Terror Branco foi, em muitos aspectos, tão ruim quanto o Vermelho, resultando também em dezenas de milhares de mortos. “Não faça prisioneiros. Quanto mais terror, mais vitórias”, disse Kornilov no início de 1918.