Por que os russos arrastavam navios contra a correnteza até o século 19?

“Rebocadores do Volga”, de Iliá Repin. Barge haulers on the Volga

“Rebocadores do Volga”, de Iliá Repin. Barge haulers on the Volga

Museu do Estado Russo de São Petersburgo
Da próxima vez que se vir reclamando de um voo atrasado, lembre-se de como as pessoas se locomoviam em um passado não tão distante.

Você já deve ter visto a famosa pintura do século 19 “Rebocadores do Volga”, do artista russo Iliá Repin, e se questionado por que os servos retratados na tela estão puxando o barco em vez de utilizarem remos ou as próprias velas da embarcação.

Conhecidos em russo como ‘burlaki’, esses homens tinham como função principal arrastar navios a vela contra a correnteza do rio. Geralmente, puxavam barcos de carga de fundo plano, no tipo barca, com 30 a 50 metros de comprimento. Esse tipo de trabalho duro era, porém, sazonal – apenas no outono e na primavera.

Foto de rebocadores no Volga, na década de 1990

Às vezes, o vento ajudava os burlaki a transportar os navios rapidamente, mas de modo geral, o trabalho era extenuante, e as pessoas se propunham a fazê-lo só porque precisavam desesperadamente de dinheiro. Embora o serviço pudesse ser configurado como exploração, não se tratava de um regime de escravidão. Os burlaki eram pagos, e possuíam sindicatos, conhecidos como artel, para operarem de forma mais eficiente.

Para tornar o trabalho menos estressante, os burlaki elevavam os espíritos cantando; sua música predileta era “Dubinushka”, que se tornaria a canção mais popular entre os membros da futura classe trabalhadora revolucionária.

Os serviços de burlaki estiveram em grande demanda do século 16 ao 20, e há fotos que datam do início dos anos 1900 com mulheres arrastando navios.

Necessidade obrigava até mulheres a cumprir função

A profissão, no entanto, tornou-se obsoleta com a aparência de navios a vapor, e o governo soviético proibiu oficialmente o trabalho dos burlaki em 1929.

O rio Volga proporcionava o maior volume de trabalho a esses trabalhadores. A cidade de Rybinsk, na margem do Volga, era oficialmente chamada de “capital dos burlaki”. Por ser um centro comercial e logístico, Rybinsk atraía grande número de trabalhadores – não apenas burlaki, mas também carregadores de navios e outros. 

Burlaki na arte

Quando Iliá Repin viu, pela primeira vez, os burlaki trabalhando, aquela imagem ficou impregnada em sua mente – o contraste do sofrimento humano e a beleza natural circundante. Ele produziu dezenas de esboços para encontrar a melhor forma de expressar os burlaki antes de completar sua famosa pintura, “Rebocadores do Volga”, atualmente exposta no Museu do Estado Russo, em São Petersburgo.

Os críticos elogiaram a pintura e compararam seu poder com os romances de Nikolai Gógol – realista, mostrando o lado obscuro da vida do povo comum, sem nenhuma tentativa de embelezamento. A obra de Repin foi ainda reverenciada por outro proeminente escritor russo, Fiódor Dostoiévski, em sua coleção de escritos, “Diário de Um Escritor”, no qual referiu-se à tela como ‘um triunfo da verdade’ na arte.

Alguns historiadores contemporâneos alegam, no entanto, que Repin retratou de forma incorreta a forma como os homens arrastavam o barco para, assim, criar uma imagem mais dramática. Não se pode negar, entretanto, que a tarefa de arrastar uma barcaça contra a correnteza representava uma situação extrema para os burlaki, e a maior parte do trabalho era conduzida sem deixar a embarcação.

Primeiro, várias pessoas em um pequeno barco remavam contra a correnteza com uma âncora amarrada por corda e a lançavam na água o mais longe possível. Então, o burlaki puxou essa corda amarrada a um grande barril giratório no centro do convés, movendo o navio na direção desejada (obviamente, usavam as velas quando o vento soprava na mesma direção que o navio).

Repin não foi o único artista a imortalizar os burlaki, há outras pinturas conhecidas que também retratam essa tema. Por exemplo, ‘Burlaki’, de Vassíli Vereschagin, foi concluída em 1866, seis anos antes da obra-prima de Repin, e ‘Volga sob Iurievets”, de Aleksêi Savrosov, retratou a mesma situação no ano anterior.

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