Como o povo pomor vive no severo litoral do Mar Branco

Estilo de vida
ANNA SORÔKINA
O povo pomor se estabeleceu, no século 14, na Rússia, perto do Oceano Ártico para pescar. Embora o mundo tenha mudado muito, toda a aldeia ainda mantém seu modo de vida tradicional e a pesca.

“Os pescadores acordam muito cedo no inverno, quando ainda está escuro lá fora. Eles dirigem suas motoneves rumo à praia e trabalham até a noite”, conta Ivan Egorov, chefe do kolkhoz (fazenda coletiva) de pesca “Zariá sévera”, a caminho de Kolejma, uma antiga vila pomor na costa do Mar Branco.

“Eles repetem essa rotina todos os dias, de dezembro a março”, conta. É a época do bacalhau Eleginus gracilis, o principal peixe desta região. É um trabalho árduo. As geadas e os ventos são fortes nesta época do ano, faz entre 30 e 40 graus Celsius negativos e o ar úmido torna o clima ainda mais frio.

Hoje, os pescadores do kolkhoz quase nunca vão para o mar de barco. No inverno, tudo congela, por isso eles chegam às armadilhas montadas para o bacalhau em suas motoneves.

Na primavera, quando o arenque e o peixe Osmerus eperlanus chegam, eles também os capturam na maré alta, armando redes e varas. Só no verão é que os pescadores têm de ir longe, mar adentro, até às ilhas, em suas pequenas embarcações, para ceifar as algas (usadas para fazer fertilizantes e aditivos alimentares).

É bastante assustador estar em um barquinho no meio do severo Mar Branco, e os pomors seguem à risca regras nessas águas já há várias gerações.

“Você não pode assobiar enquanto navega, porque atrai uma tempestade. Se assobiar, com certeza o vento vai começar a soprar e vai aparecer uma onda enorme. Além disso, é proibido jogar lixo no mar”, diz o jovem pescador Pável.

“É proibido também falar palavrão no mar ou beber vodca se quiser voltar para casa”, acrescenta seu amigo Vladímir.

Do que Kolejma se alimenta?

A aldeia de Kolejma é conhecida desde 1548. Antigamente, havia salinas e uma fábrica de armas do mosteiro Solovétski ali. Mas o principal passatempo dos habitantes locais sempre foi a pesca. Há séculos os pomors vivem lá: a profissão de pescador passa de pai para filho, mas há também construtores navais e marinheiros.

No passado, havia dezenas de aldeias assim no litoral do Mar Branco, mas hoje só restam alguns. Este é um dos últimos povoados onde se preservou o modo de vida tradicional e a pesca dos pomors.

A maioria das aldeias do pomors está hoje em declínio, e as pessoas vão para lá apenas nas férias de verão. Não há empregos locais e as condições de vida são duras, por isso todos acabam se mudando para as cidades.

Em contraste, Kolejma se destaca por sua vitalidade. A maioria dos moradores trabalha no kolkhoz, fundado em 1930. “Nosso kolkhoz pesca entre 100 e 110 toneladas de bacalhau em uma temporada de inverno, ou seja, metade de todos os peixes do distrito”, diz o presidente da fazenda.

Os altos números são explicados pela boa localização da vila, já que os peixes gostam das águas rasas dos arredores.

“Uma armadilha é montada durante a maré alta e outra, durante a maré baixa. A água do mar vai e vem e os peixes ficam presos nas redes”, diz Vladímir.

Os antepassaos dos habitantes de Kolejma pescavam exatamente do mesmo jeito no inverno alguns séculos atrás, mas tinham que chegar lá a cavalo, não em motoneves.

É assim que a pesca com a armadilha no inverno:

É outono, as equipes de pesca estão se preparando para a temporada e inspecionando as armadilhas. Se houver buracos, eles precisam ser consertados, além de verificar as pedras usadas para fazer peso.

Eles saem para montar as armadilhas especificamente em um sábado. É uma tradição antiga, pois o sábado é considerado um “dia abençoado”. Se você sair em qualquer outro dia, não pescará nenhum peixe, dizem os locais.

Eles também fazem barcos

Quando se caminha pela aldeia, todas as casas parecem tiradas de uma fotografia, como se estivéssemos visitando um museu de arquitetura setentrional. É claro que também existem casas abandonadas, mas mesmo elas são de madeira, monumentais, de dois andares e com uma “loggia”, ou seja, um alpendre de vidro claro. E muitas delas também têm um barco ao lado.

“Na época soviética, todo mundo tinha um barco de madeira, e outro maior para a tripulação. Mas, na década de 1990, não havia artesãos”, conta Serguêi Liogki, um fabricante de barcos pomor que herdou do pai o ofício, como nos conta o presidente do kolkhoz.

Durante quase toda sua vida adulta, Serguêi trabalhou em Petrozavodsk, em uma fábrica de construção naval, e após o colapso da União Soviética ele e seu irmão Vassíli decidiram dar um novo sopro de vida à construção de barcos em Kolejma. “O barco quase era fabricado sozinho”, lembra.

É difícil contar quantos barcos eles fizeram ao longo dos anos. O kolkhoz agora usa barcos de plástico, que são feitos em Petrozavodsk, porque são mais baratos e exigem menos manutenção que os de madeira.

No entanto, os barcos dos irmãos Liogki são conhecidos por toda a Rússia hoje em dia. Na maioria das vezes, eles são encomendados para viagens turísticas. Se você já navegou em um barco parecido com estes, provavelmente ele foi feito por artesãos de pomor.

Quem mora em Kolejma?

Muitos moradores de Kolejma foram embora durante a década de 1990, mas voltaram mais tarde, porque a vida ali começou a melhorar.

Cento e trinta pessoas estão registradas como habitantes da aldeia hoje. Mas só metade delas passa o inverno ali. Muitas pessoas partem para as cidades, embora os salários no kolkhoz sejam mais altos que na cidade vizinha, Belomorsk.

O principal problema é a falta de infraestrutura necessária, e é difícil viver ali para famílias com crianças. “Não há escola, nem jardim de infância, apenas um internato em Sumski Possad”, diz o pescador Aleksandr. Ele é solteiro e já trabalha no kolkhoz há 12 anos.

Avgusta Mikháilovna, também conhecida como "Baba Gússia", é uma moradora de Kolejma que nunca saiu da aldeia e se tornou uma espécie de “marco” local. Ela é também a moradora mais antiga ali.

Avgusta nasceu em 1928 e dedicou quase toda a sua vida ao kolkohz. Ela trabalhou no correio, na creche, na fazenda e até em um navio no Mar de Barents, como cozinheira.

“Houve muitas situações assustadoras. Em Teriberka, não sei para que lado íamos, mas o nevoeiro estendeu-se até ao mar e o motor quebrou. Fui ao convés dar uma olhada e vi que o capitão, Ivan Vassílievitch, mal conseguia manter o navio flutuando. Felizmente, um navio de passageiros estava passando e viu nossos sinais de emergência, nos amarrou com uma corda e nos resgatou”, conta.

Baba Gússia lembra-se claramente de ir à velha igreja quando criança, antes mesmo de ela se tornar uma casa de cultura. Ela também se lembra da Grande Guerra Patriótica, quando as crianças foram evacuadas para Kolejma, longe da linha de frente e dos pais e avós dos pescadores atuais - afinal, ela já trabalhou com muitos deles!

LEIA TAMBÉM: Os 5 lugares mais bonitos do norte da Rússia (FOTOS)

O Russia Beyond está também no Telegram! Para conferir todas as novidades, siga-nos em https://t.me/russiabeyond_br