Futebol de várzea, o esporte que toda criança russa conhece

Estilo de vida
ALEKSANDRA GÚZEVA
Embora a seleção russa de futebol não tenha feito grandes conquistas internacionais, o país também é obcecado pelo esporte. Meninos em geral, mas também meninas, o praticam desde a infância, graças aos campinhos locais chamados korobkas. 

Andrei entra no campo de futebol no quintal de seu prédio e então bate saudades. “Lembro-me de como costumávamos passar todo o nosso tempo livre aqui depois da escola, às vezes até matando as aulas.”

O campo se chama korobka (em tradução literal, caixa de papelão), porque é cercado por pequenas tábuas de papelão, madeira ou plástico de 1,2 metros de altura e, às vezes, coberto por cercas de metal. As korobka são comuns em todos os pátios das cidades russas. Quinze anos atrás, estavam cobertas de asfalto, com paralelepípedos por toda parte e os portões tortos ou inexistentes.

Andrei é um torcedor de 32 anos que assiste a todos os jogos transmitidos pela televisão, principalmente o Campeonato Espanhol. Além de torcedor inveterado do Spartak Moscou, ele joga futebol semanalmente com seus amigos.

Agora lembra com carinho das vezes em que ele e os amigos brincavam com uma bola barata e de má qualidade. “Era pesada, mal costurada e feita com cola barata”. Para marcar os times, era preciso tirar a camisa ou dividir pela mesma cor.

No final, os derrotados eram colocados de cara para o gol, e os membros do time vencedor tentavam acertá-los na bunda com a bola; humilhante, mas motivador ao mesmo tempo.

Existem algumas versões do futebol tradicional que se joga nos quintais russos: o quarto quadrado, reconhecido internacionalmente; o jogo de um gol chamado três bananas (ou cruz), em que apenas gols de segundo toque são aceitos; e a cabra, em que todos chutam a bola, e quem erra recebe a letra C e assim sucessivamente até virar a C-A-B-R-A.

“Jogar depois que chovia era uma diversão extra. Tudo ficava imundo: o chão, a bola, as paredes e, claro, a gente mesmo. As mães não gostavam que ficássemos no korobka até tarde da noite. Quando chegávamos sujos em casa, era um espetáculo”, relembra Andrei.

Obsessão por futebol moderno

Andrei e seus colegas jogam futebol desde os primeiros anos de escola. Atualmente, embora sejam profissionais de escritório, eles ainda se encontram uma vez por semana para bater uma bolinha – e em caso de mau tempo migram a partida para o game da FIFA. Quando a korobka já está ocupada, há sempre a opção de pedir para entrar no jogo.

“Sob o prefeito de Moscou, Sobiânin, todos as korobki foram reformadas, cobertas com uma bela grama artificial ou cascalho, cercadas, com luzes e às vezes com uma área de vestiário", diz Andrei, enquanto se alonga antes do jogo. "Quando olho pela janela para o pátio, sempre há alguém brincando. Parece que agora há ainda mais crianças e adultos.”

Antón, de 34 anos, é executivo de uma grande empresa, mas aluga quadras comerciais para jogar futebol com os amigos – e o considera um bom substituto para a academia. 

“Alugamos quadras fechadas ou gramados com vestiários há cerca de dez anos e normalmente não havia problemas, mas surgiu um: nos últimos dois anos, temos de reservar o espaço com antecedência; agora há muitas pessoas jogando.”

Moscou contra todos

Mas todo o entusiasmo de Anton e Andrei pela popularidade do futebol na Rússia não é compartilhado por Dmítri Iefremov, chefe da Liga de Futebol de Rua de Moscou. Ele garante que as equipes foram reduzidas.

As razões para o declínio são muitas. Segundo Dmítri, antes as crianças não tinham muitas opções depois da escola a não ser ir jogar futebol. Hoje, porém, existem muitas outras atividades e formas de entretenimento, como a Internet e os games de computador. “E quando não começa a jogar futebol nos primeiros anos, dificilmente o fará aos 20 anos”, diz.

“O período de 2008 a 2012 foi uma época de boom para o futebol de Moscou, quando começaram a aparecer campos com borracha e grama artificial. Na URSS, entretanto, o futebol era certamente muito mais popular do que hoje, e não acho que a Rússia voltará a isso – ser um país tão apaixonado por futebol como a URSS”, acrescenta Dmítri.

Em algumas regiões a situação é melhor, com o aparecimento recente das novas quadras.

Segundo Dmítri, porém, a geração de jovens entre 17 e 23 anos (idade média dos jogadores de sua liga), que usa o Instagram, tende a pensar mais em uniformes bonitos e estilosos e chuteiras caras, para tirar fotos e vídeos jogando. Às vezes, nem jogam, apenas se aquecem ao lado do campo e postam selfies nas redes sociais.

A atenção da torcida é importante para esses jovens jogadores de futebol e, quando há apenas 10 a 15 espectadores no korobka, há pouca motivação para marcar um gol.

Andrei, por sua vez, prefere ficar no gol. Embora não seja tão ágil, ele não se importa com a responsabilidade. Quando alguém de sua equipe está cansado, ele assume. “O principal não é virar estrela e fazer gols, mas fazer os passes”, diz, logo após marcar um gol.

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